Presidente do Sindicato dos Quadros Técnicos Bancários não rejeita recurso à greve se bancos não aceitarem melhorias para os trabalhadores em 2020. Paulo Marcos antevê estabilização do setor.
Depois das reestruturações dos últimos anos, os quadros dos bancos estão estabilizados?
Essa é uma pergunta que se pode dirigir aos banqueiros mas posso responder com a nossa visão. A atividade bancária, desde que nasceu na sua forma moderna, há 500 anos, tem evoluído e tem-se reestruturado e reinventado sucessivamente. A penalização que foi imposta aos bancários em Portugal, até comparando com a média europeia, foi excessiva em relação ao que julgamos que devia ter sido. Penso que os próximos anos, assim como 2018, serão de relativa estabilização no que toca ao número de empregados bancários.
Quando diz que a penalização foi excessiva está a referir-se ao período de resgate financeiro?
Estou. Se no início da década existiam cerca de 60 mil bancários, hoje estamos um bocadinho abaixo dos 48 mil. Desapareceram 12 mil postos de trabalho. Em termos percentuais há poucos países que tiveram uma redução tão acentuada. Olhando para a França e Alemanha, com economias relativamente maduras e sistemas financeiros sofisticados, a perda de emprego foi bastante maior em Portugal.
A banca enfrenta novos desafios como as fintech e outros, e parece estar em reestruturação permanente. Isso pode trazer novidades no plano laboral?
Estamos sempre preparados para o pior dos cenários. Mas como dizia, a banca está em reinvenção desde o tempo dos Médicis. O que hoje se diz que são o novos concorrentes, tentativa de empresas entrarem no domínio de outras, é uma coisa a que estamos habituados em todos os domínios da sociedade e da economia. Aí não vejo que haja uma alteração substancial. Devemos também recordar que os bancos têm uma alta intensidade tecnológica e de algum modo são eles próprios fintechs. Nada de novo em certo sentido.
Os trabalhadores da banca são representados por sindicatos dispersos. Vai ser criado um sindicato nacional pelos sindicatos do Centro, Sul e Ilhas, dos profissionais de seguros e dos trabalhadores da atividade seguradora. Porque é que o SNQTB não se junta a esta iniciativa?
Há seis sindicatos bancários. Dois deles estão em propalado processo de fusão, o meu sindicato e mais dois preferimos ter uma abordagem diferente. Acreditamos que fusões são sinónimo de confusões - a história moderna ensina-nos que poucas fusões são bem sucedidas - e por isso preferimos cooperar no que achamos essencial: uma cooperação e concertação estratégica nos domínios laborais e sindicais e agora também a nascer uma cooperação no mutualismo da saúde e procurar obter sinergias nos serviços que prestamos aos associados. São duas abordagens que são exclusivas nesta fase em que uns procuram ganhar escala e outro procuram ganhar sinergias. Estamos confortáveis com tentar ganhar sinergias e partilhar experiências, achamos que ficamos mais fortes.
Os trabalhadores não teriam a ganhar se fossem representados a uma só voz?
Pugnamos para que haja uma só voz nas mesas negociais com os bancos. Mas olhamos para os sindicatos da educação, há cerca de 23, e todos falam a uma só voz do ponto de vista negocial, isso para nós era o verdadeiro valor estratégico. Fundir sindicatos não é tão importante como ter concertação, partilhar uma visão, partilhar experiências. É possível convergir do ponto de vista sindical.
Isso significaria, entre os vários sindicatos, haver um acordo para que algum deles fosse o porta-voz de todos?
No caso da educação, como no caso da banca, existem três realidades: sindicatos de perfil independente, como o nosso, outros de perfil democrático mais afetos a uma central sindical e existem sindicatos afetos a uma terceira sindical. O ADN é muito similar: procuramos os mesmos resultados, embora as metodologias sejam diferentes. Para não haver dúvidas: não só esta iniciativa de fusão nos parece muito pertinente, achamos que temos mais a oferecer aos nossos sócios, partilhando experiências, juntando esforços.
Há meses chegou a ser ponderada uma greve caso os bancos não acolhessem propostas dos trabalhadores. Essa proposta continua em cima da mesa. Quais os bancos com que é mais difícil negociar?
O SNQTB, o Sindicato dos Bancários do Norte e o Sindicato Independente da Banca - que estão com uma plataforma de cooperação estratégica - organizaram um conjunto de iniciativas de protesto contra o que estava a ser feito no BCP. Não tenho nada contra nenhum banco, antes pelo contrário, mas achámos que o banco tinha uma prática, no que toca à partilha de resultados, que estava nos antípodas do que achávamos conveniente. O BCP insistia que não tinha condições para fazer aumentos relativos a 2018. Isto era uma coisa perfeitamente despropositada.
Todo o setor bancário tinha acordado com os sindicatos a utilização das tabelas, excetuando o BCP que estava teimosamente numa posição de negação. A concertação passou por sensibilizar os parceiros sociais, ir à AR, falar com a comunicação social e finalmente por organizar uma grande manifestação. E essa sim é uma posição marcante. É a primeira vez, desde o 25 de Abril, com uma sociedade pluralista, em que por iniciativa destes três sindicatos, mas depois juntando-se os trabalhadores e os outros sindicatos, cooperamos no terreno e organizamos uma vibrante manifestação no Taguspark, de frente para o campus do BCP. A greve é sempre uma solução extrema mas não faz sentido abdicar dela antes de qualquer concessão. Durante o verão fomos trabalhando com as diversas plataformas negociais, alguns bancos agrupam-se numa, outros noutra, e foi possível em 2019, pela primeira vez nos últimos anos e pela segunda vez neste milénio, que os trabalhadores bancário tivessem, genericamente falando, um aumento real das suas remunerações. Uma parte da equação foi conseguida, em relação à outra temos um princípio de acordo sobre um conjunto de itens que vamos continuar a trabalhar nas próximas semanas, nomeadamente sobre o que achamos que deve ser a carreira e uma visão de médio e longo prazo para o emprego e qualificação no setor.
Já não está a falar do caso específico do BCP?
Não, não. Tivemos ganhos reais no que toca às atualizações remuneratórias e conseguimos convergência na atividade sindical e ao mesmo tempo conseguimos que alguns destes fundamentos fossem atendidos do ponto de vista conceptual. Dito isto, estamos preparados - o ano de 2020 para nós começa nesta semana com a entrega das primeiras propostas para 2020-2022 - para ir, dentro da razoabilidade, o mais longe que possamos. Não descartamos nada. Não há uma greve bancária há mais de quatro décadas, não é isso que nos move, o que nos move é a defesa desta comunidade.
Para 2020, quais são as principais reivindicações que o seu sindicato vai levar à mesa de negociação com os bancos?
Vamos levar o tema da reforma dos bancários e de como é que poderemos mitigar de algum modo este brutal fator de substituição, quer para os que já não estão a trabalhar, quer para os que ainda estão no ativo. Vamos olhar para o tema do desbloqueamento da carreira e vamos olhar para estas novas formas de trabalhar: coexistência das vidas profissional e pessoal, o trabalho remoto...
Em 2018 o SNQTB lucrou mais de dois milhões de euros. É um sindicato de trabalhadores da classe média-alta?
Não tenho a certeza que possamos dizer isso dessa maneira. Os primeiros bancos são de cariz mutualista e nós somos herdeiros dessa tradição. Temos uma responsabilidade enorme para que haja uma visão de muito médio, longo prazo. A sustentabilidade financeira é condição essencial.
Depois destes lucros o sindicato decidiu criar um fundo. Qual é o ponto da situação?
Temos vários fundos, uns de reserva legal, que derivam da lei, temos um fundo greve, que é substancialmente reforçado, e vamos proceder a uma revisão estatutária para criar um fundo cuja inspiração foi o fundo soberano do petróleo da Noruega. Nós, confrontados com o envelhecimento da classe bancária, a menor intensidade laboral da banca, resolvemos fazer também por antecipação a mesma coisa.
Mas tem metas concretas para os resultados deste fundo?
É uma coisa que iremos discutir nos próximos meses com os órgãos sociais.
Qual é o vencimento médio do setor?
Isso é uma questão para os bancos mas arrisco... entre 2.000 e 2.300 euros, ilíquidos.
Acumula o salário do sindicato com o do Novo Banco e recebe cerca de 11 mil euros por mês. Admite que este valor pode parecer exagerado para a maioria dos trabalhadores que representa?
Os nossos vencimentos são determinados por uma comissão que segue as melhores práticas e são aprovados em conselho geral. Quando chegámos fizemos um corte de 40% nas remunerações dos órgãos sociais, que nos pareceu adequada e julgamos que este nível está adequado. Serão os órgãos sociais a mudar, se quiserem mudar.
Sobre o Novo Banco, tem alguma preocupação acrescida com os trabalhadores do banco?
Continuar num processo de ajustamento é uma forma de reduzir capacidade e que não vai servir nem os trabalhadores, nem os acionistas, nem os clientes.
Há notícia de reações menos tranquilas de clientes aos balcões dos bancos sobre os custos crescentes para manterem contas à ordem?
Nada na vida é grátis. A qualidade e o nível de serviço têm custos. É como a imprensa ser grátis. Há quem forneça grátis mas a qualidade é miserável. Vemos um conjunto de operadores novos que se propõem a oferecer grátis aquilo que a elas lhes custa muito dinheiro. Isto está a causar uma pressão sobre este setor. Esta cultura do gratuito a instalar-se desvaloriza os operadores e os seus profissionais.