Portugal é um dos quatro países europeus que ainda não têm a especialidade de medicina de urgência e emergência, mas a Ordem dos Médicos já admitiu estudar em breve a sua criação.
Um grupo de trabalho criado pelo Ministério da Saúde defende que os serviços de urgência nos hospitais passem a funcionar com equipas fixas e propõe a criação da especialidade de medicina de urgência e emergência.
No relatório entregue ao Governo, o grupo de trabalho recorda que os serviços de urgência não têm "quadro de profissionais médicos próprio" e defende como "mais-valia" a criação de equipas dedicadas nas urgências, necessidades que há 17 anos estão identificadas.
"A mais-valia desta solução é a estabilização das equipas com profissionais conhecedores do modo de funcionamento do serviço, que asseguram a continuidade do trabalho e dinâmica", indica o documento.
O Ministério da Saúde, já na altura liderado pela ministra Marta Temido, tinha criado em janeiro este grupo de trabalho, com o objetivo de propor medidas que melhorem o funcionamento dos serviços de urgência.
O grupo de peritos sublinha como dificuldade nos serviços de urgência dos hospitais o facto de os médicos "consumirem uma boa parte do seu horário" em urgências, reduzindo as horas dedicadas à atividade dos outros serviços (consultas externas, exames complementares, hospital de dia).
Para responder a todas as solicitações acontece uma "hipertrofia das equipas de médicos de diferentes serviços para assegurar turnos de serviço de urgência".
O recurso a médicos prestadores de serviço (através de contratação externa) tem sido uma forma de colmatar as necessidades das urgências, mas esses profissionais não estão integrados no hospital e muitas vezes não têm a necessária diferenciação técnica.
É com base nestes argumentos que o grupo de trabalho propõe a definição de equipas próprias, além de sugerir especialidade de medicina de urgência e emergência e da subespecialidade em medicina pediátrica de urgência.
Já em março de 2002 tinha sido publicado um despacho a defender a necessidade de uma competência em emergência médica: "passaram 17 anos desde a publicação deste despacho, que identificava já um problema que se mantém atual", recorda o documento.
O relatório aponta para a necessidade de "núcleos profissionais fixados aos serviços de urgência, coexistindo num regime misto com outros profissionais de outros serviços a trabalhar na urgência em turnos".
"Um dos principais problemas dos serviços de urgência em Portugal é serem a terra de ninguém, sem sentimento de pertença e o parente pobre dos serviços de ação médica hospitalares. A especialização será um fator interno de estabilização de recursos humanos médicos, com escalas facilitadas, possibilidade de ganhos financeiros e aumento da segurança clínica", refere o documento.
Apesar de a criação da especialidade constar como a primeira proposta do relatório, dois dos 12 membros do grupo de trabalho não a votaram favoravelmente. Um deles foi um dos representantes da Ordem dos Médicos, Jorge Penedo, e outro foi Diogo Cruz, médico de medicina interna e subdiretor-geral da Saúde.
São mais de 80 países no mundo que criaram já a especialidade em medicina de urgência e emergência, 27 deles na Europa, segundo a Sociedade Europeia para a Medicina de Urgência/Emergência, que defende que a especialização e um sistema bem organizado são "capazes de aumentar a sobrevivência e reduzir a incapacidade depois de qualquer situação de urgência ou emergência médica".
Em Portugal, o centro da discussão será a Ordem dos Médicos (OM), entidade que tem a competência para definir e criar novas especialidades médicas. Ouvido pela TSF, Miguel Guimarães lembra que "isso já foi feito" no passado, e que "as equipas fixas, conhecidas antigamente por equipas dedicadas, tiveram algum sucesso".
"O Hospital de São João, há cerca de 15 anos, resolveu ter equipas dedicadas, e isso na altura teve um resultado muito significativo, mas depois o hospital foi paulatinamente desistindo da ideia porque ficava mais caro", exemplifica.
Na perspetiva do bastonário, a "questão de se criar consultas nos hospitais para ver doentes "verdes", "azuis", "brancos" é a mesma coisa que dizer que então vai tudo para a urgência". Apesar disso, Miguel Guimarães aponta alguns aspetos "interessantes" nas propostas, mas que não resolvem por si só o problema.
O bastonário aproveita também para lembrar que a especialidade "existe em vários países europeus". Sobre a posição da Ordem, Miguel Guimarães diz que o coletivo de profissionais "já está a criar um grupo de trabalho para perceber se vale ou não a pena criar essa especialidade em Portugal".
Em última análise, diz o bastonário, "profissionalizar a urgência pode ser importante, mas tem custos".
Atualmente existe em Portugal uma competência em emergência médica, a que pode aceder qualquer médico, mas não há qualquer especialidade específica que englobe medicina de urgência e emergência. São cerca de 780 os clínicos que têm atualmente essa competência em emergência.