Todos os presidentes brasileiros do período democrático, que foram diretamente eleitos ou que não foram alvo de impeachment, reelegeram-se. Jair Bolsonaro, o Enganador, é também o mais forte candidato nas eleições de outubro de 2022. O seu mandato tem confirmado todas as expetativas. Debaixo do sol da ética política germinou uma quadrilha organizada, com ligações às milícias cariocas e infestado de casos de corrupção. Como presidente de 211 milhões de brasileiros governa apenas para os cerca de 50 milhões de evangélicos e pobres conservadores, que continuarão a relevar o jeito semianalfabeto e inapto do presidente, enquanto a sua esposa com semblante mariano continuar a aparecer na TV com uma t-shirt a dizer JESUS e ele continuar a usar o termo homossexual como um insulto a jornalistas. Esta massa eleitoral cristã, juntamente com outros crentes na recuperação económica do Brasil e mais alguns fiéis das fake news são suficientes para Bolsonaro ganhar as eleições.
Mas haverá quem lhe faça frente.
Luciano Huck, o Popular. É uma espécie de Cristina Ferreira do Brasil, um apresentador conhecido na Floresta Amazónia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Pampa brasileira. Tem 49 milhões de seguidores no Facebook, Twitter e Instagram. Luciano prepara-se há pelo menos 3 anos para ser candidato. Tem apoiado vários movimentos de renovação da política, está rodeado de uma meia dúzia de senadores com quem vai tricotando as diretrizes do seu programa económico e político e tem usado o seu programa matutino na TV Globo para conquistar os corações dos eleitores. As sondagens públicas e internas geram algum otimismo. Angaria votos entre os pobres que o veem todos os sábados na TV, é visto pela classe média como uma nova alternativa ao sistema putrefacto da política brasileira e é apreciado por alguns setores da esquerda dado o seu pendor progressista (tem, por exemplo, uma relação próxima com o seu irmão, um ativista homossexual que vive em Los Angeles). A maior resistência brota de algumas elites que o veem como aquilo que ele é: um apresentador de TV sem experiência política executiva. Apontam-lhe também a falta de coragem para assumir as suas responsabilidades como candidato e um sobrecalculismo nas suas intenções. Mas mesmo entre estes há quem valorize a sua visão liberal da economia.
Luciano tem outro ativo político que ele próprio ainda reluta em explorar: é judeu. Entre os evangélicos brasileiros há vários subgrupos que idolatram Israel e os seguidores de Abraão. Aliás, o maior templo evangélico da Igreja Universal do Reino de Deus, em São Paulo, é uma réplica do antigo Templo de Salomão em Jerusalém. Os bispos evangélicos apoiarão o candidato que lhes der mais salvaguardas políticas, não canónicas, e deverão, por isso, continuar a escorar Bolsonaro. Mas o evangélico comum, aquele que tira os sapatos pretos do roupeiro para ir ao templo ao domingo, pode ser sensível ao fato de Luciano ser judeu.
João Dória, o Utilitarista. O seu maior dom é o da radiestesia, a capacidade de, como uma forquilha de madeira, encontrar água escondida em todos os partidos. Já
foi a favor e contra Lula. A favor e contra Geraldo Alckmin. A favor e contra Bolsonaro. É atento a todas as oportunidades que espreitam das fendas da terra. Dória é filho de um famoso publicitário mas, com o tempo, acabou por superar a obra do pai. Tornou-se milionário com uma empresa de relações públicas e de lobby que vende a empresários de segunda linha proximidade com todos os políticos da República. Para os críticos, Dória é um artigo de prateleira de supermercado. Há também quem o ache excessivamente vaidoso e aponte que a sua única motivação é deixar um legado no estado mais rico da América Latina que o possa catapultar para a presidência. Ainda que seja um progressista, tem uma mensagem pública conservadora, desenhada em AutoCAD. Os brasileiros são maioritariamente conservadores e religiosos. E Dória aprendeu no berço como converter um anseio num produto. Mas são críticas incompletas, por vezes injustas. O atual Governador de São Paulo é também talvez o melhor gestor que passou pelo Palácio dos Bandeirantes e um bom arquiteto de equipas. Fontes entre o seu governo contaram-me que fará 12 viagens internacionais em 2020. Para se legitimar como candidato, Dória precisa também de unificar o seu partido, o PSDB, em torno de um inovador projeto político e não apenas da sua pessoa. FHC, sentando na sua cadeira de patrono, consegue olhar para Dória de cima para baixo. Os seus concorrentes diretos serão Luciano Huck ao centro e Bolsonaro à direita.
Lula da Silva, o Sobrevivente, não será candidato porque está inelegível pela Lei da Ficha Limpa (Lei no135/2010, criada durante o seu governo) que determina que quem foi condenado por um órgão colegiado (segunda instância), como é o caso do ex-presidente, está impedido de se candidatar a cargos políticos. É uma boa notícia para o futuro do PT, um partido que se foi esvaziando de princípios à medida que cresceu a sua vontade de perpetuar-se no poder, de endeusar o seu líder e de furtar-se à autocrítica. Ainda assim, Lula irá controlar todo o processo de seleção do candidato do PT à presidência, envolver-se-á na campanha e fará todo o tipo de alianças para afastar concorrentes e aproximar aliados. Mas quem será o candidato? Quatro despontam: Fernando Haddad, ex-presidente da Câmara de São Paulo, candidato derrotado em 2018 e hoje professor de políticas públicas numa escola de negócios de elite; o agrónomo Camilo Santana, atual governador do estado do Ceará; Rui Costa, o governador da Bahia, e o histórico petista Jaques Wagner. Outro líder nordestino com o nariz fora da linha de água da política brasileira é Flávio Dino, o governador do Maranhão filiado ao PCdoB e potencial candidato a vice-presidente. O PT, mesmo em dias de tempestade, tem cerca de 25-30% do eleitorado. Se adicionarmos a isso o fato do candidato petista poder ser do Nordeste, a segunda região do país com mais eleitores, qualquer candidato do partido poderá tornar-se competitivo.
Ciro Gomes, o Insistente. É a princesa Margarida do Reino Unido, a mulher que acredita que nasceu para ser rainha, mas que foi injustamente impedida pela vontade dos homens ou das leis. A cada vez que é declarado morto, Ciro consegue arregimentar bons aliados, rejuvenescer a sua mensagem e comunicá-la com eficácia. Nas eleições de 2018 ficou em 3o lugar, com 13%. Em 2022 será candidato pela 4ª vez. O seu principal inimigo é o PT.
O vencedor das eleições de 2022 coroará também a Sexta República, iniciada em 1985, como a mais longa da história do republicanismo brasileiro. Será um período de reflexão. Será que o Brasil instaurou maiores liberdades políticas, modernizou a economia e ampliou a participação de uma maior gama de pessoas na vida pública? Foram estes os argumentos usados no final do século XIX por republicanos como Floriano Peixoto ou Ruy Barbosa.
*Rodrigo Tavares é fundador e presidente do Granito Group. A sua trajetória académica inclui as universidades de Harvard, Columbia, Gotemburgo e Califórnia-Berkeley. Foi nomeado Young Global Leader pelo Fórum Económico Mundial.