Economia

Caso Isabel dos Santos "não terá impacto" nas relações económicas com Angola

João Luís Traça, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Portugal-Angola Leonardo Negrão / Global Imagens

Presidente da Câmara de Comércio luso-angolana desvaloriza impacto do processo em torno da filha do ex-presidente. João Luís Traça entende que este é um bom momento para as empresas lusas entrarem em Angola.

O arresto a Isabel dos Santos em Angola foi uma surpresa. Acredita que este caso é exemplo de nova normalidade em Angola?

O novo normal de Angola é o ímpeto reformista que pretende ajustar uma economia bastante deprimida e conseguir construir um futuro e condições para os investidores, não só portugueses, acreditarem nele e investirem numa lógica de longo prazo e desenvolvimento económico. Dito isto, há questões que são da justiça e questões que são da economia e essa é claramente da justiça. Não se pode dizer muito mais neste momento: é um facto, aconteceu.

Acredita que este é apenas o primeiro de muitos casos, poderão seguir-se alguns generais da anterior nomenclatura?

A justiça tem questões complexas, é preciso factos, prova, que quem acusa reúna a informação certa, que quem julga o faça adequadamente. É difícil, neste momento, dizer que impacto terá o caso.

Este tipo de ações atrai ou afasta os investidores internacionais?

Para os investidores, é muito importante que haja estabilidade. Tudo o que gera incerteza e uma imagem de dúvida sobre o que vai acontecer à economia do país não é positivo. Quanto mais depressa estas questões forem resolvidas, menos espaço há para haver discussão sobre elas. Por muito que não se queira, estas coisas são sempre faladas e pelo menos no curto prazo, quando se transformam em facto noticioso, são sempre mais negativas do que positivas.

Mas podem afugentar empresas das privatizações, por exemplo?

Afastar, não me parece. Mas estas questões que são da justiça e se discutem sem o rigor que merecem os temas da justiça acabam por se tornar factos noticiosos que confundem os investidores...

Ainda podemos vir a ver algumas das participações arrestadas a Isabel dos Santos no pacote de privatizações?

É uma pergunta muito complexa. Ainda estamos num processo de arresto, que é uma fase preliminar... ainda não há processo formal, decisão dos juízes, tudo isto vai ter de se trabalhar com o prazo dos tribunais, dos processos de acusação. O programa de privatizações tem um prazo até 2022 e isso, em termos de tempo de justiça - em Luanda ou Lisboa - não é muito. Há que esperar para ver.

As participações de Isabel dos Santos em Portugal, confirmou a PGR angolana esta semana, poderão também ser visadas. Isso terá impacto nas relações comerciais entre os dois países?

Creio que não terá nenhum. São dois sistemas de justiça em que os respetivos empresários confiam a trabalhar em conjunto. Em concreto, ninguém sabe o que vai acontecer, mas esse impacto não terá.

E há impacto para a credibilidade de Angola junto de instituições como o FMI?

O que verdadeiramente impacta ao nível internacional não são pequenas notícias, é um caminho sustentado que está a fazer-se.

Não se trata de pequenas notícias quando falamos de uma das maiores empresárias...

Sim, mas as notícias ficam na espuma dos dias - os empresários podem ligar pouco. Importante é que, numa perspetiva internacional - eu tenho viajado muito e falado sobre como Angola é percecionada -, se vê que há um ímpeto reformista. Está a criar-se um quadro regulatório que é claramente mais favorável ao investimento, incluindo o estrangeiro, e Angola está a ser dotada de instrumentos importantes para aquilo que são os desafios do país. Dou um exemplo: as PPP. São estruturantes, porque só assim um país como Angola, com limitações à captação de investimento, consegue fazer um conjunto de infraestruturas essenciais. E sendo às vezes contratos a 30 anos, garante-se que essas infraestruturas estão em condições durante todo esse tempo. Por exemplo, uma estrada estará garantidamente transitável durante esses 30 anos; antes, uma empresa terceira fazia a estrada e se ao fim de dois ou três estivesse em más condições não havia a quem recorrer porque a empresa já não existia em Angola.

O que é que preocupa então os investidores?

Perguntam-nos por exemplo como está a questão da concorrência, a legislação das PPP, é para isso que os grandes investidores internacionais estão a olhar. E para os recursos naturais...

Como o petróleo.

E diamantes e outros minerais. Os investidores internacionais querem saber como estão a ser feitas as infraestruturas e se há estabilidade legislativa para haver atratividade de investimento. Porque não basta os projetos serem rentáveis, têm de ser bancarizáveis. E isso exige um quadro legal que dê garantias a um banco quando o investidor o procura.

Mas na sua opinião, o caso Isabel dos Santos mostra que a justiça em Angola funciona?

Um presidente de câmara de comércio não deve fazer comentários a esse nível.

O governo angolano prevê a entrada de privados em 195 empresas até 2022. Que valor quer o Estado levantar - o Banco Mundial chegou a falar em 20 mil milhões, isso é realista?

O valor de uma empresa está sempre relacionado com cash flows futuros e esses, numa economia como a angolana, vão estar sempre ligados a questões como o crescimento interno do consumo e a capacidade exportadora de matérias-primas. E esses indicadores dependem de um fator externo que é o preço do petróleo. Neste momento, o preço do petróleo está muito mais condicionado pelo que decide Donald Trump do que por decisões tomadas em Angola. Uma má notícia para o mundo e para Portugal, como o que está a acontecer entre EUA e Irão, e a instabilidade naquela região é uma ótima notícia para Angola.

Porque sobe o preço do petróleo

A economia angolana depende de tal modo do petróleo que um dólar no barril faz a diferença. Temos de entender que o contexto da economia angolana não tem o mesmo racional com que olhamos para a portuguesa. Trump está a dar ajudar muito Luanda.

O programa de privatizações é então uma boa oportunidade para as empresas portuguesas?

Em nenhum outro país o investimento português é tão acarinhado como em Angola. Grandes multinacionais admitem que um parceiro português é parte do caminho para ter sucesso ali. Posso contar o caso da Siemens, que durante muito tempo foi chefiada a partir da África do Sul e foi um fracasso; e quando a mesma multinacional com os mesmos produtos decidiu passar a chefia da sucursal de Angola para Portugal virou um sucesso. Este exemplo mostra a capacidade que os portugueses têm de ter casos de sucesso na economia angolana. Para muitas empresas portuguesas já ali instaladas as privatizações vão permitir saltar etapas. As privatizações têm e devem ser aproveitadas.

O governo português devia dar um empurrão?

Com certeza. Até porque investir implica capital. É importante, nomeadamente, e na medida do que for possível, que o Estado português crie ferramentas e instrumentos que apoiem as empresas portuguesas que querem investir.

Que tipo de ferramentas?

Desde o compacto lusófono (acordo entre o Estado português e países africanos lusófonos que dá acesso a financiamentos do Banco Africano de Desenvolvimento) à criação e reforço de linhas de crédito, mecanismos que facilitem a venda de obrigações angolanas por empresas portuguesas... Não podemos é ter ambição de ter empresas portuguesas a investir em Angola sem ter financiamento. E ao nível do BCE em concreto, as normas para investir em Angola são muito apertadas, os bancos têm hoje limitações que antes não existiam.

O governo português está aberto a isso?

Está claramente aberto a ouvir as nossas sugestões e a fazer do investimento português em Angola uma prioridade. Mas também está fortemente condicionado pelas suas limitações orçamentais. Mas com imaginação pode encontrar-se soluções.

Tem falado com o governo sobre isso?

Em todas as conversas que tenho tido com o governo português dizem-nos: vamos sentar-nos à mesa e pensar, ter ideias que possam fazer avançar as coisas.

Acredita que as participações angolanas em Portugal, nomeadamente na Galp e no BCP, são para manter?

Isso tem de perguntar aos acionistas... mas são empresas que têm estado numa boa senda de crescimento. Se for para vender, não será porque não prestam. Não vejo porque não queiram ficar, já que são bons negócios.

As visitas de Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa e outros membros do governo português a Angola e a vinda de João Lourenço cá têm ajudado a recuperar a relação entre países?

Sim, está radicalmente diferente. Nunca houve um modelo de represálias, mas objetivamente as relações políticas estavam frias e isso não contribui para um reforço das relações económicas. A política ajuda, mas no fim o que conta é o contexto económico que prevalece nas relações empresariais. Angola está em processo de ajustamento: a altura para entrar é agora. Se eu soubesse tinha entrado no imobiliário nos tempos da troika... Claro que preencher o totobola à segunda-feira é sempre fácil. Eu acredito que é uma questão de tempo até a economia angolana começar subitamente a dar sinais muito positivos, mas nessa altura alguns já chegarão tarde e o seu espaço já estará tomado.

Por quem?

Pelas empresas chinesas. A natureza do investimento chinês é propícia a dificultar-nos a vida, pela rapidez e porque essas empresas têm uma lógica exportadora, portanto chegam rapidamente e desenvolvem atividades para fornecer a região SADC (países da África Austral). As nossas empresas têm de aproveitar esse mercado de 300 milhões de pessoas.

A China já entrou com 18 mil milhões de euros e continua a investir... Como se compete com tanto músculo financeiro?

Temos de competir como sempre: fazendo melhor e de forma mais inteligente. As empresas portuguesas competem no mercado europeu, que tem dimensão e é muito concorrencial e temos conseguido encontrar caminho. Em Angola há muito espaço, até porque temos uma capacidade única de trabalhar lá. O financiamento é a questão porque tirando isso não há que temer. Quando uma empresa chega ao seu mercado natural, tudo é fácil e é isso que temos em Angola. E mesmo alguns desafios que reduziam a capacidade industrial serão rapidamente ultrapassados.

A questão energética, por exemplo?

Sim, é um dos maiores desafios. Imagine uma fábrica a funcionar a gerador... Mas está a investir-se muito em barragens que rapidamente vão começar a produzir e na rede de transporte dessa energia e tudo o que é industrial vai em breve modificar-se. Vai ficar substancialmente mais barato produzir localmente, portanto as empresas portuguesas têm de deixar de pensar em Angola como um país para onde se exporta a partir de Portugal. Para agarrar oportunidades, há vai ser preciso produzir a partir de Angola e exportar a partir de Angola.

E a formação não é questão?

Em Angola gosta-se muito do ensino português, há muitos profissionais que estudaram cá, universidades portuguesas a trabalhar lá e os empresários nunca tiveram problema em formar quadros angolanos e integrá-los na sua organização. Essa parte é fácil.

E em que áreas há mais oportunidades para Portugal?

Claramente na indústria e na agricultura. Angola não pode continuar a importar tantos bens essenciais, não faz sentido num país que tem uma enorme capacidade agrícola por explorar. O espaço arável utilizado para exploração agrícola é de 10% do total. O potencial está todo lá, falta só arregaçar as mangas e investir.

A questão das dívidas de 500 milhões a empresas portuguesas ainda não se resolveu... Pode normalizar-se a relação assim?

Esse número não é exatamente real - até o governo português já o disse, porque tem que ver com processos de certificação, se há evidência, se foi negociado com equivalência em dólar, etc. Mas esses valores têm que ver com relações que as empresas portuguesas tiveram com o Estado angolano, e negociaram na boa fé. Houve um conjunto de contingências e a desvalorização cambial está a ter forte impacto nisso. Em que medida isso mina as relações entre os países? É óbvio que quanto mais resolvidos estiverem estes processos menos problemas há, mas o governo angolano tem feito um esforço bastante grande - e sei, porque as empresas são chamadas, sentam-se à mesa, discutem com franqueza - que há interesse de ambos os lados para que estes assuntos se resolvam. Porque cada um que se fecha abre uma porta a novas oportunidades de negócio. É o que tenho visto muitas empresas fazer e em muitas situações foi essa uma solução satisfatória para ambas as partes.

Quanto tempo imagina que levará até os investidores terem retorno dessas privatizações?

Gostava de ter uma resposta mais positiva em termos de o retorno vir rápido, mas acho que é preciso olhar Angola numa perspetiva de longo prazo. A economia está a fazer um ajustamento muito duro mas não deixa de ser um dos países mais estáveis daquela região, um mercado natural e óbvio para as nossas empresas, com grande crescimento porque tem uma taxa de natalidade alta e com a população a aumentar sobe o consumo, e um país da SADC a partir do qual as nossas empresas podem internacionalizar-se na região. Obviamente não faz sentido para todas as empresas vender na região - para uma AutoEuropa não faz, por exemplo -, mas há muitas em setores até mais simples como a metalomecânica que têm todas as condições para se internacionalizar a partir dali. Conheço aliás vários casos de empresas portuguesas que estão a investir em Angola e devido à crise angolana reorientaram a sua capacidade produtiva para países periféricos com sucesso. O volume ainda é pequeno mas o potencial existe.

E os entraves burocráticos?

Há uma mudança como da noite para o dia. Todos os processos estão muito facilitados e a Agência para Promoção de Investimento e Exportações (equivalente à nossa AICEP mas com competência mais abrangente, já que emite decisões de aprovação de projetos) tem feito um esforço notável para se modernizar. Há projetos submetidos online, vistos emitidos com enorme rapidez e tudo isso facilita o ambiente de negócios. Mas claro que tudo leva tempo: é preciso a empresa visitar Angola, sentir que encontrou o parceiro certo, depois começar a estruturar-se...

Ainda é essencial ter parceiros?

Nós na câmara de comércio sempre defendemos as parcerias entre empresários portugueses e angolanos, faz parte do segredo do sucesso das nossas empresas. Num número muito alargado de atividades já não é necessário que existam, mas é uma forma de haver reforço da relação entre os dois países. Se os países são irmãos, não há motivo para os empresários não o serem.