Opinião

Os efeitos colaterais do combate à Covid 19

Quanto mais avançamos no tempo em que estamos confinados, mais se torna necessário olhar para os efeitos colaterais do combate que travamos contra esta pandemia. Como estes efeitos são cada vez maiores e mais evidentes, o Governo tem de ponderar seriamente um regresso rápido ao trabalho da maioria de portugueses que for possível. Maio é a luz ao fundo do túnel. Por mais pequena que seja essa luz, vai ter de significar um aligeirar das medidas do estado de emergência no final do mês.

O mais evidente e já muito falado é o efeito sobre a economia que colocará em pouco tempo cerca de um milhão de trabalhadores em lay-off e, quanto mais tempo passar, mais umas centenas de milhares estarão no desemprego. E há igualmente que contabilizar uma parte significativa dos pais das 960 mil crianças, menores de 12 anos, que vão continuar sem aulas presenciais e que obrigam o pai ou a mãe a ter de faltar ao trabalho. Quem o tenha, é claro.

Se reduzirmos o debate à questão de salvar o maior número de pessoas, centrados na evidência científica de que quanto mais confinados estamos mais vidas salvamos, o assunto não tem conversa. A resposta tem de ser um estado de emergência com confinamento até ao momento em que o novo corona vírus não seja uma ameaça. Mas as noticias que o tempo que passa traz mostram que a equação não é assim tão simples. Por exemplo, o SNS está já adiar cirurgias oncológicas em pacientes que a progressão da doença torna, a curto prazo, impossível realizar essas cirurgias que podiam salvar pessoas. Estas mortes são ou não efeitos colaterais do combate à Covid-19?

Menos evidentes e sem uma contabilidade entre mortos e vivos serão os efeitos de profunda desigualdade na aprendizagem que vai resultar da decisão de deixar as crianças mais novas sem aulas presenciais. Entre os colégios privados com tempo individual para um dos seus alunos e o público com a aposta maior na telescola, mas mais ainda entre os alunos com acesso a um computador e à internet e os que de todo não vão conseguir aceder a essas ferramentas. Ninguém vai, igualmente, contabilizar a regressão na aprendizagem de competências sociais das crianças do ensino primário ou da profunda ansiedade de muitos adolescentes, fechados em casa com os pais e longe dos amigos. Há aqui muito trabalho para os psicólogos, mas até esse mais acessível a quem tem condições económicas para o fazer à distância de uma chamada no Skype ou no Zoom.

O novo coronavirus parece afetar todos por igual, ricos e pobres. É assim quanto à capacidade que o vírus tem de infetar uns e outros, mas não é, quando se pensa na capacidade que cada um tem de enfrentar nas melhores condições esta pandemia e, sobretudo, este confinamento a que estamos sujeitos. Mais cedo que tarde, vamos ter de começar a valorizar convenientemente estes efeitos colaterais do combate à Covid-19. Fazer o contrário é fazer sempre o mais fácil.

Paulo Baldaia