Opinião

As tatuagens de quem usa farda

O objetivo é eliminar barreiras de comunicação e expressões discriminatórias nas Forças Armadas. Para isso foi emitida uma diretiva que determina o uso de linguagem inclusiva e dá exemplos diretos e simples de como mudanças subtis podem fazer toda a diferença. A iniciativa insere-se no âmbito do plano setorial da Defesa Nacional para a Igualdade 2019-2021 e é parte de um caminho mais vasto para assegurar que se investe na formação e reflexão sobre este tema.

Ouvimos frequentemente argumentar que a igualdade se constrói naturalmente no dia-a-dia e há até quem argumente ser um exagero a forma como o tema domina o espaço público. Dados objetivos sobre violência de género e desigualdade no trabalho, ou perceções subjetivas como a polémica recentemente aberta por Francisco Aguilar, o professor da Faculdade de Direito de Lisboa que compara o feminismo ao nazismo, mostram de forma inequívoca o quanto é preciso trabalhar ativamente para eliminar a discriminação. As mudanças acontecem quando são forçadas e não existem percursos lineares ou conquistas garantidas, como nos mostra a história e a atual situação política nacional e internacional.

Pela sua cultura, assente em estruturas muito hierarquizadas de poder e numa certa ideia de virilidade e força, as instituições militares e policiais reproduzem estereótipos que persistem na sociedade. Faz todo o sentido que haja planos de ação ajustados à realidade destas estruturas, exatamente para evitar que os estereótipos se perpetuem.

Essa poderia parecer igualmente a preocupação da Direção Nacional da PSP, ao emitir uma orientação que proíbe tatuagens "que contenham símbolos, palavras ou desenhos de natureza partidária, extremista, rácica ou que incentivem à violência". A proibição, e ordem para remoção das tatuagens eventualmente existentes num período máximo de seis meses, consta das normas de apresentação e aprumo da PSP, que não eram atualizadas há cerca de 12 anos.

Tudo indica, contudo, que a preocupação com o problema é, neste caso, meramente cosmética. Não se pretende trabalhar a sério na eliminação de comportamentos discriminatórios ou racistas: apenas na remoção dos seus símbolos. Só assim se compreende que ter no corpo uma inscrição xenófoba ou que incite à violência não seja um fator seriamente avaliado no processo de admissão à PSP. Considera-se que o problema fica resolvido desde que os candidatos mostrem intenção de as retirar até final do concurso.

O problema não está nas tatuagens. Está nas motivações e crenças ideológicas de quem as faz. E remover comportamentos ou motivações é bastante mais difícil do que dar instruções para uma limpeza dos símbolos visíveis. A missão das forças de segurança e militares é demasiado importante para que possamos ser permissivos em direitos fundamentais, inscritos na Constituição que qualquer agente de autoridade defende.

Temos visto sinais preocupantes de aproximação de elementos das polícias à extrema-direita e mesmo, de forma assumida publicamente, ao partido Chega. A maioria dos agentes da PSP ou militares da GNR cumpre de forma exemplar os seus deveres, mas uma minoria - por mais pequena que seja - basta para manchar a atuação destas instituições e para criar sentimentos de desproteção nalgumas camadas da população. É essencial que as autoridades não sejam minadas pelo ódio e por qualquer forma de discriminação. E que sirvam de forma exemplar todas e todos os cidadãos.

Inês Cardoso