"Situação começa a estar francamente mais complicada", diz presidente da comissão nacional que acompanha a medicina intensiva.
Vários hospitais do país, nomeadamente alguns das regiões Norte e de Lisboa e Vale do Tejo, deverão ter os seus cuidados intensivos a entrar em "rutura" nos próximos dias ou poucas semanas, obrigados a interromper de forma significativa a sua atividade programada.
A previsão é do presidente da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva para a Covid-19 (que é igualmente presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos).
João Gouveia diz à TSF que nenhum sistema pode responder ao crescimento exponencial que se tem sentido nos últimos dias, e que se prevê que se mantenha, enquanto não se notem os efeitos das novas medidas para travar a pandemia, algo que só tende a acontecer uma ou duas semanas depois de serem aplicadas.
As primeiras medidas mais duras começam esta sexta-feira, com a proibição de circular entre concelhos durante cinco dias, estando prometidas mais medidas, cujo alcance ainda é desconhecido, para o Conselho de Ministros marcado para sábado.
João Gouveia é um dos principais responsáveis, escolhido pelo Governo, para acompanhar a resposta dos cuidados intensivos durante a pandemia.
"Começa a ser difícil encontrar vagas para alguns doentes"
Há vários dias que o número de internados em medicina intensiva por Covid-19 bate máximos nunca vistos, nem na primeira vaga da doença, "e a situação começa a estar francamente mais complicada com um número crescente de doentes a entrarem, ao mesmo tempo que se mantém a procura por outras patologias, com taxas de ocupação mais altas, começando a ser difícil encontrar vagas para alguns doentes", detalha João Gouveia.
No Norte, a taxa de ocupação ronda os 87% e, em Lisboa e Vale do Tejo, chega aos 86%, com o especialista a sublinhar que estes valores "idealmente devem estar abaixo dos 80 ou 85%, para responder a todas as situações necessárias, nunca se devendo ter taxas superiores a isso, até para preparar o espaço para os novos doentes" que chegam.
"Nos próximos dias, o natural é que os números se agravem e é essencial que se tomem medidas de controlo, do ponto de vista da saúde pública, que infelizmente só terão efeito daqui a 15 dias, mas temos de avançar agora e não depois de já termos a desgraça instalada", avisa o responsável, que recorda que qualquer expansão da medicina intensiva obriga a tirar recursos, humanos e não só, às doenças não-covid.
"Nenhum sistema de saúde responde a isto"
João Gouveia afirma que é fundamental voltar a "achatar a curva", diminuir o "crescimento exponencial" dos contágios, pois "nenhum sistema de saúde no mundo consegue responder a este tipo de procura e, na Europa, já temos países a aplicar as medidas que funcionaram na primeira fase".
Com ou sem essas medidas, nas próximas duas ou três semanas os casos de Covid-19 devem continuar a crescer, obrigando, provavelmente, "os hospitais a aumentarem o seu estado de contingência, levando mesmo, em alguns sítios, a divergir a atividade programada".
O presidente da Comissão de Acompanhamento da Resposta Nacional em Medicina Intensiva admite que "é muito provável que as situações de rutura possam acontecer, sendo fácil", refere, dizer que são os hospitais de Almada e o Amadora-Sintra, na periferia de Lisboa, a sofrer mais, enquanto que a Norte esse problema deve acontecer no hospital do Tâmega e Sousa.
João Gouveia explica que quando fala em "rutura" isso significa, na prática, a necessidade de interromper de forma significativa a atividade programada nos hospitais mais afetados pelos doentes com o novo coronavírus a precisarem de cuidados intensivos.
Esta quarta-feira, a Covid-19 obrigava a internar 262 pessoas nos cuidados intensivos em Portugal, muito longe dos 44 do início de setembro.
Nas enfermarias comuns, sem cuidados intensivos, os números chegam agora aos 1.794, cinco vezes mais do que a 1 de setembro - há menos de dois meses.