Virologista diz que regras da UEFA estão desatualizadas. Em Portugal os jogadores podem, como qualquer pessoa, se não tiverem sintomas, voltar à vida normal 10 dias depois do primeiro teste positivo
Se vivesse em Portugal, Cristiano Ronaldo teria tido alta clínica e regressado à vida normal muito mais cedo do que aconteceu em Itália.
O presidente da Sociedade Portuguesa de Virologia, Paulo Paixão, diz à TSF que compreende a frustração manifestada pelo capitão da seleção quando recebeu o terceiro teste positivo, 14 dias depois do primeiro, pois o risco já era quase nulo, com evidência científica para que deixasse o isolamento.
A cronologia
Ronaldo deu positivo, pela primeira vez, a 13 de outubro. No dia 27, ao terceiro teste, voltou a dar positivo, sendo impedido de regressar aos relvados no jogo da Liga dos Campeões contra o Barcelona.
No dia 30, esta sexta-feira, ao quarto teste, 17 dias depois do primeiro diagnóstico, o resultado foi finalmente negativo, podendo voltar a treinar e jogar a partir de agora.
Em Portugal, no entanto, a norma da Direção-Geral de Saúde (DGS), atualizada a meio de outubro, prevê alta clínica e um regresso pleno à atividade, sem isolamento, se ao fim de 10 dias do diagnóstico a pessoa estiver, como é o caso de Ronaldo, sem sintomas há mais de três dias - sem necessidade de qualquer novo teste.
Os três especialistas com quem a TSF falou são unânimes em concordar com a DGS de que nestes casos o vírus ainda pode estar presente no corpo da pessoa, mas essa presença é tão residual que o risco de infetar outra é mínimo, não justificando obrigar a novo teste ou a um maior período de isolamento.
"Isso está alicerçado na evidência acumulada de que a capacidade infecciosa ao fim deste período é baixa mesmo que não seja nula", explica Ricardo Mexia, o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública.
Jogaria em Portugal, mas não nas competições europeias
Filipe Froes, consultor da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a covid-19, explica que, se vivesse em Portugal, Cristiano Ronaldo não estaria em isolamento tanto tempo.
O pneumologista acrescenta que Ronaldo podia, inclusive, ao fim de 10 dias, participar nas competições portuguesas, facto confirmado por fonte oficial da Liga: o futebol não é exceção e aplica-se a norma da DGS, ficando o jogador, em Portugal, dispensado de fazer testes durante os próximos 90 dias.
O problema, refere Filipe Froes, é que Ronaldo joga em Itália e aí aplicam-se as regras italianas, sendo necessário um teste negativo para sair do isolamento.
E mesmo que jogasse em Portugal, acrescenta o consultor da Liga, a situação do capitão da seleção seria complicada caso o clube fosse às competições europeias: aí aplicam-se as regras da UEFA que exigem um novo teste antes do jogo, afastando-o da Liga dos Campeões ou da Liga Europa.
"São os restos mortais do vírus"
Pela Sociedade Portuguesa de Virologia, Paulo Paixão detalha que "aquilo que sabemos é que apesar de ainda poder existir vírus e este ser detetável nos testes de biologia molecular, que têm uma sensibilidade extrema, ao fim do sétimo dia ou décimo dia [se a pessoa não tiver sintomas] o vírus já não é viável".
Aquilo que continua no corpo, conta o médico, em casos positivos como era o de Ronaldo até ontem, é uma espécie de "restos mortais do vírus", sendo quase impossível infetar outra pessoa - a probabilidade é "mínima", daí ser seguro.
Para Paulo Paixão a regra da UEFA está desatualizada e não inclui os conhecimentos mais recentes, acrescentando que "Cristiano Ronaldo teve pouca sorte", mas podia ter tido ainda mais azar pois há pessoas que ficam mais de um mês com os tais restos mortais do vírus, ou seja, arriscava-se a ficar todo esse tempo impedido de jogar na UEFA ou em Itália.
"Se nós dizemos [em idênticas circunstâncias] a uma pessoa que pode voltar à sua atividade normal, mesmo que tenha um familiar com uma doença de risco, a regra não pode ser muito diferente para um jogador de futebol", afirma Paulo Paixão, para quem o problema está na diversidade de regras e interpretações que prejudicou o jogador da Juventus.
"Quase de certeza que Ronaldo já não estava infeccioso e não iria transmitir a doença. A consequência do teste é que não era a adequada", conclui o virologista.