Depois de uma longa noite eleitoral, seguida atentamente um pouco por todo o mundo, a total incerteza pesa ainda sobre a escolha do próximo presidente dos EUA, uma incerteza que poderá arrastar-se durante dias ou mesmo semanas. Três factos ou conclusões evidentes saltam, em qualquer caso, à vista.
A primeira é de que as eleições poderão originar uma (temida) batalha judicial. Confirmando os sinais que tinha dado na campanha, Donald Trump foi claro a afirmar (de forma irresponsável e explosiva) que não estará disposto a reconhecer uma eventual vitória de Joe Biden. Já era conhecido um risco acrescido de litigância em tribunal, devido ao recorde de votos antecipados - na segunda-feira, cerca de 100 milhões de eleitores já tinham votado. Mas o ainda presidente deu um passo adicional nesse registo: reclamando vitória e acusando os democratas de quererem roubar as eleições, confirmou que irá recorrer ao Supremo Tribunal.
A batalha pelo domínio total no Supremo foi um dos pontos quentes da campanha eleitoral. A confirmação da nomeação da juíza Amy Coney Barrett pelo Senado a apenas uma semana da ida às urnas fez crescer a desconfiança em torno das intenções de Trump. Ainda assim, o Supremo tem um historial de grande independência, que poderá agora ser colocado à prova.
Uma segunda nota a destacar é a de que não houve nenhuma onda azul. A vitória inequívoca e expressiva do candidato democrata que algumas projeções indicavam e uma parte do mundo esperava não se concretizou. O que torna evidente que, seja qual for o resultado final, Trump não foi um engano, nem um epifenómeno. Pelo contrário, o trumpismo está bem vivo e é impossível o retorno a uma América antes de Trump.
Quem esperava que esta eleição fosse uma espécie de normalização das instituições, uma oportunidade para respirar de alívio, pode continuar a esperar sentado e prosseguir a reflexão sobre as causas profundas dos resultados. Depois de quatro anos com episódios anedóticos, a que se soma nos últimos meses a gestão desastrosa de uma pandemia que já matou mais de 200 mil pessoas no país, Donald Trump continua a merecer a confiança de milhões de eleitores. Este é um facto político por si só.
Mais uma vez, embora não de forma tão evidente como em 2016, as empresas de sondagens falharam nas previsões. E olhar para os métodos da Trafalgar-Group, a única que há quatro anos apostou na vitória de Donald Trump e este ano voltou a insistir nesse prognóstico, pode dar algumas pistas. A chave para as previsões da Trafalgar-Group estará na particular atenção que dá aos eleitores envergonhados e que hesitam na resposta. A teoria do seu responsável, Robert Cahaly, assenta na premissa de que toda a gente mente, em especial os conservadores.
Um dos riscos nas análises políticas está em minimizar estas hesitações, ou a capacidade de mobilização de líderes populistas perante eleitores descontentes que, mesmo que não o assumam e até mintam nas sondagens, acabam por lhes dar o voto no anonimato do ato eleitoral. Face a alguma censura social de fenómenos extremistas e populistas, o sentido de voto nem sempre é expresso de forma aberta. Mas os apoiantes destes projetos existem e nem sempre são olhados com cuidado e respeito. É um risco menorizar estas escolhas, sob pena de sermos atropelados por elas.