Opinião

Em tempos de vírus, o interesse público primeiro

Daniel Oliveira considera que a requisição civil no estado de emergência dos grupos privados de saúde "devia ser mais clara, porque ela nem é chamada de requisição civil nem é muito clara". No espaço de opinião que ocupa à terça-feira na TSF, o comentador defende que a prioridade e a preocupação do Estado devem ser os cuidados intensivos e que a requisição civil seria uma "importante arma negocial" para não serem os privados a escolher "o que é que aceitam e o que é que não aceitam e em que condições aceitam".

"É importante dizer que, apesar de os privados terem tido muita dificuldade em responder na primeira vaga, - todos nos lembramos, aliás, de terem sido enviadas grávidas infetadas para os hospitais públicos -, é evidente que o Estado vai recorrer aos privados. Na realidade, isso já acontece. Até já existiam, logo na primeira vaga, protocolos para que isso acontecesse e à medida que a situação for piorando o que está em causa são os limites dos cuidados intensivos. É isso que, neste momento, nos preocupa a todos muito e que toda a capacidade instalada acabará por ser usada. É bom termos noção que a preocupação são mesmo os cuidados intensivos", começa por explicar.

O jornalista adianta que "o privado e o social têm uma capacidade total de 112 camas de cuidados intensivos" e que "o Serviço Nacional de Saúde, no seu limite já bastante alargado e esticado, terá uma capacidade de 900 camas", sublinhando que, do que sabe, "não tem sido fácil 'comprar' camas aos cuidados intensivos para os privados".

Na visão do comentador, "uma boa parte desta polémica é um pouco interesseira, porque o debate é outro: se o Estado tem o poder de usar o que precisa, quando precisa e para o que preciso e isso, evidentemente, vai depender da evolução que a pandemia for tendo".

Daniel Oliveira não acredita que "os privados estejam muito interessados em receber doentes Covid e, muito menos, doentes Covid que precisam de cuidados intensivos, onde a sua oferta é muito curta". Por outro lado, considera que "o privado olha com interesse sobretudo para os doentes não Covid."

"E esta polémica é impossível percebê-la sem perceber o enorme peso que o lobby dos grupos de saúde privados têm na comunicação social, no espaço público, no qual, aliás, o bastonário da Ordem dos Médicos tem sido um importante e diligente representante", sustenta.

Para o comentador, "a principal função [desta polémica] é retirar poder negocial ao Estado para impor, quando for necessário, interesse público e, sobretudo, quando estiver a discutir quer o que fazer aos doentes não Covid, que é o que interessa aos hospitais privados, quer para discutir, caso seja necessário, o preço a pagar nos cuidados intensivos dos hospitais privados, naquelas poucas camas que podem vir a estar disponíveis quando estiverem."

É por isso que Daniel Oliveira defende a existência da requisição civil: "É importante como arma negocial, para numa situação de emergência não permitir que sejam outros que não o Estado - que é quem tem e garantir não só o combate à pandemia como a boa utilização dos dinheiros públicos - a decidir o que é que é preciso. Não serem outros, os privados, a escolher o que é que aceitam e o que é que não aceitam e em que condições aceitam."

Por fim, o comentador deixa claro que a prioridade deve ser "salvar vidas" e não "os grupos privados de saúde que, evidentemente, perderam muitos doentes e têm aqui uma oportunidade, sobretudo com os doentes não Covid de recuperar as enormes perdas que tiveram agora".

Daniel Oliveira