Opinião

O médico Li Wenliang é a minha figura de 2020

Ao longo deste mês pensei muito sobre quem iria escolher como figura de 2020. A Pandemia é, sem dúvida, aquilo que define este ano e que irá também marcar os próximos tempos. Uma escolha excelente seriam todos os cientistas que investigaram e conseguiram chegar a uma vacina. Tendo em consideração o impacto que irão ter na vida de todos nós seria até uma opção óbvia.

De seguida, pensei em Ursula von der Leyen. Porquê a Presidente da Comissão Europeia? Não foi de certeza fácil depois daquele impacto negativo inicial conseguir congregar os esforços dos estados-membros. Não partilho as expectativas baixas que muitos têm sobre o que poderá ser a Comissão von der Leyen. Nesta matéria e face a uma pandemia que tem tanto de desconhecido como de abrangente temos de aplaudir a sua liderança política. Depois, lembrei-me de outras democracias nas quais a pandemia foi combatida com sucesso e com respeito pelos seus cidadãos tais como Taiwan, Nova Zelândia ou a Coreia do Sul.

Em paralelo à pandemia lembrei-me da oposição bielorrussa cuja coragem é tão forte face à brutalidade a que têm sido sujeitos pelo ditador de Minsk. Receberam o Prémio Sakharov do Parlamento Europeu e merecem todo o nosso apoio. Semana após semana estas mulheres e homens corajosos não desistem. Nós também não devemos desistir deles. Outro acontecimento que me marcou profundamente foi o assassínio de Samuel Paty. O professor francês foi degolado porque há quem rejeite o valor central e crucial que a liberdade de expressão ocupa nas sociedades democráticas liberais. Talvez por eu também ser professora esta morte me tenha tocado tão fundo.

Mas, por mais voltas que desse acabava sempre no mesmo nome: Li Wenliang. O que mais me impressiona neste médico oftalmologista no Hospital em Wuhan foi a sua humanidade. O seu alerta a 30 de Dezembro (fez ontem um ano) e outros valeu-lhe uma «visita» à polícia a 3 de Janeiro. O que teria de fazer para não incorrer na ira das autoridades chinesas? Simplesmente, deixar cair o assunto. Aliás, em linha com o que Partido Comunista da China foi fazendo até ser impossível não enfrentar a realidade trágica e dura. Li Wenliang acabou por ser vítima da pandemia e morreu a 7 de Fevereiro aos 33 anos.

No fundo, perante uma emergência de saúde publica Li Wenliang enfrentou o dilema de ter de escolher entre ser um «bom cidadão» ou ser médico. Tal como Zhang Zhan que foi condenada esta semana a 4 anos de prisão por ter tido a audácia de dar voz ao sofrimento em Wuhan.

Li Wenliang fez a escolha certa. Infelizmente e para todos nós a ditadura chinesa não seguiu o seu exemplo.

Raquel Vaz Pinto