Num debate mais centrado em socialismo versus liberalismo, candidatos estiveram alinhados na crítica ao primeiro-ministro sobre comentários dirigidos ao PSD no caso do procurador europeu. De resto, do SNS à corrupção, até Sócrates foi chamado ao debate.
Ideologicamente distantes, Ana Gomes e Tiago Mayan alinharam num ponto no debate desta noite: as críticas a António Costa sobre comentários dirigidos a dirigentes do PSD no caso do procurador europeu José Guerra.
"Soou-me demasiado ao tipo de argumentos que Viktor Orbán usa para atacar quem o critica e acho que o nosso primeiro-ministro é muito melhor do que isso, não está a esse nível", aponta Ana Gomes a quem "custou ver" este tipo de resposta a críticas. A candidata até sublinha que "por muito que discorde de consequências que setores da oposição estão a procurar tirar, designadamente pedindo a demissão da ministra", esta não é a atitude mais correta da parte do primeiro-ministro.
Já Tiago Mayan considera as críticas de Costa a Paulo Rangel, Miguel Poiares Maduro e Ricardo Batista Leite, de liderarem uma campanha internacional contra Portugal, de "inaceitáveis e indignas". "Compreendo que o primeiro-ministro considere isto um não-tema porque mérito e currículo não são critérios para as nomeações do primeiro-ministro, mas de facto para mim é um tema e um tema grave", nota o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal.
De resto, durante o que sobrou do debate, foi sempre a discordar. Se Ana Gomes acusou o neoliberalismo de promover a corrupção no mundo, Mayan traz o antigo-primeiro ministro socialista José Sócrates como arma de arremesso: "Ana Gomes não se coibia de andar de braço dado com Sócrates".
Ora, a candidata lembra que desde cedo contestou as posições de Sócrates, admitindo que a dada altura, de facto, "não sabia da missa a metade". No entanto, puxa dos galões - "Eu não falo só sobre corrupção, eu atuo" - e dá exemplos de denúncias que fez sobre o caso dos submarinos ou do apagão fiscal.
E para mais uma estocada na ideologia do adversário, Ana Gomes aponta o dedo a Mayan dizendo que a corrupção pode ser combatida se não se alinhar "com esquemas de desregulação que os liberais sempre defendem e que são a maior conduta para a corrupção" lembrando que a desregulação levou à crise de 2008 com a queda do banco Lehman Brothers.
Na réplica, Mayan destaca que "isto tudo da corrupção dos bancos só se torna corrupção quando o Estado decide envolver-se com os bancos, quando Estado decide que tem de salvar bancos". Para o candidato é aí que se cria o "estímulo para a corrupção" e recorda os "21 mil milhões de euros que desde 2008 metemos na banca", algo que rotula como a "estratégia socialista".
Ainda neste campo, Mayan vai mais longe acusando Ana Gomes de trazer o "papão genérico e abstrato" do neoliberalismo para a conversa, diz não saber do que se trata, mas que sabe bem o que é o "neo-socialismo": "pôr o Estado ao serviço de um aparelho partidário, servir as dinastias Césares, os primos, as ex-cúpulas da JS".
"Sou liberal, o neo não sei o que é, e um liberal é alguém que defende o mérito e a criação de oportunidades (...) sem precisar de estar no partido certo, na família certa ou ter os amigos certos", conclui Mayan.
Saúde: o palco de batalha
Não apenas neste debate, uma das maiores dicotomias dos últimos anos está na relação Estado-Saúde e a participação maior ou menor do setor privado. Claro que num debate entre uma socialista e um liberal, este era um ponto que facilmente se espera que venha à baila.
Questionando Ana Gomes sobre do que fala quando menciona "desvios do dinheiro da saúde para os privados", Mayan nota que fala de medicamentos, análises e de meios auxiliares de diagnóstico. "Parece que quer nacionalizar farmacêuticas e laboratórios de análises, é isto que Ana Gomes tem para propor, a deriva para um projeto totalitário", acusa.
Na resposta, a antiga eurodeputada lembra que não tem nada contra os privados na saúde, mas que isso "não pode ser à custa dos contribuintes", defendendo o reforço do SNS e que não se pode "canibalizar o trabalho do SNS". "A sua visão liberal é absolutamente fantasiosa e em lado nenhum foi aplicada, a não ser nos tempos da Escola de Chicago e da ditadura de Pinochet no Chile", acusa ainda.
Ainda no capítulo da saúde, Ana Gomes aproveita a última oportunidade para questionar Mayan se se arrependeu de culpar a ministra da Saúde da responsabilidade pelas mortes no país. E a resposta é clara: "há responsabilidade política e que culpa não pode morrer solteira".
Mayan insiste na ideia de que o que está a acontecer em Portugal não está a acontecer "na generalidade dos países europeus" e que tal acontece pela opção de desde o início da pandemia não se ter mobilizado toda a capacidade instalada. Para terminar, Ana Gomes considera "indecente" o tipo de considerações dirigidas a Marta Temido e aos profissionais de saúde.