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Protestos contra a repressão brutal, corrupção, e problemas na economia russa

Aleksei Navalny detido pela polícia russa AFP

Diretor de um importante centro de investigação em Moscovo, Denis Volkov analisa para a TSF as implicações dos protestos deste domingo para o futuro de Navalny, Putin e da Rússia.

Denis Volkov, diretor adjunto do centro Levada, foi investigador visitante na prestigiada organização britânica Chatham House, Estudou na Universidade de Stanford, na Califórnia, em Stanford no Centro de Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito, depois de ter estudado Política Comparada na Escola de Ciências Económicas e Sociais de Moscovo. O Centro de Análises Levada é considerado por muitos - por exemplo, pelo jornal espanhol El País - como o único centro de pesquisas independente em Moscovo.

A entrevista à TSF aconteceu horas depois de mais de cinco mil pessoas terem sido detidas em todo o país, com o aumento da repressão por parte das autoridades, na sequência dos protestos pela libertação de Aleksei Navalny e contra o Governo de Putin. Começámos por perguntar-lhe o que está a perturbar tanto o Kremlin:

"Não tenho a certeza porque é que o Kremlin é tão brutal com os manifestantes, mas, provavelmente, só querem mostrar força e desencorajar as pessoas de saírem para protestar. Em parte, porque ninguém tentou obter autorização para estes protestos. Na Rússia, tens de pedir uma autorização e fazer um registo do local e hora para o protesto, etc., e isso não foi feito. O Kremlin vê estas pessoas como oponentes e aquilo que está a acontecer como desestabilização da ordem pública, não gostam que as coisas lhes fujam fora do controlo. Navalny é o líder da oposição mais ativo e bem-sucedido e o Kremlin há anos que não quer reconhecer isso, como você sabe. Putin e os outros dirigentes nunca se referem a Navalny pelo nome na TV, é sempre "um blogger" ou "um doente". Para mim, é ainda mais difícil explicar o porquê desta reação".

Navalny saiu fora da caixa e tornou-se uma pedra no sapato ainda maior para o poder no Kremlin:

"Navalny construiu a sua popularidade fora das ferramentas comuns, tornou-se popular apesar de não aparecer na televisão. Eu não diria que é tão popular como o presidente Putin, que na última sondagem tem um índice de aprovação da ordem dos 60%-65% e o de Navalny é da ordem dos 20%, mas, ainda assim, é mais popular do que qualquer outro político independente na Rússia e, diria eu, será por isso que o Kremlin exagera na reação a estes protestos.

No meu entender, isto não vai ajudar nada porque a aplicação da força de forma bastante brutal, vai encorajar ainda mais as pessoas e não vai aumentar a popularidade do governo de Putin, porque as pessoas não gostam deste tipo de uso da força. Vamos ver o que vão dizer os dados que vamos publicar no final da semana sobre quantas pessoas aprovam ou desaprovam estes protestos, mas, normalmente, mesmo os protestos pouco populares, quando são confrontados com um uso excessivo da força, criam mais simpatia entre as pessoas. Concluindo, é difícil explicar esta resposta brutal".

Os dados referidos sobre a popularidade do líder da oposição e do presidente russo referem-se a um momento em que Navalny ainda não tinha regressado da Alemanha, onde esteve hospitalizado depois de ser alvo de uma tentativa de envenenamento que atribui ao poder russo. Há então que saber se a valorização do opositor de Putin está a aumentar ou se os 20% são uma espécie de limite:

"É difícil dizer. No meu entendimento, é muito difícil ele subir a popularidade; não digo que seja um teto para ele, mas é complicado e leva tempo e muito esforço para chegar a mais pessoas na Rússia. O Navalny só tem as redes sociais. Não tem as televisões, que são duramente controladas pelo Kremlin há muitos anos, e isso quer dizer que ele, em primeiro lugar, tem acesso à geração mais jovem; há uma grande proporção de jovens entre os seus apoiantes, mas isso também significa que é muito difícil aumentar a sua popularidade com uma ação específica em particular, requer muito esforço da parte dele e da sua equipa para chegarem a outras pessoas. Há muita gente que aprova o atual regime, principalmente a geração mais velha, não apenas porque não sabem o que Navalny é ou defende, porque não têm essa informação pela televisão, mas também porque dependem do Estado que veem como garante do seu bem-estar, e Putin como o tipo mais importante e símbolo desse Estado. E, portanto, também não é automático que, se novas pessoas conhecerem Navalny, o vão apoiar. Não é algo unidimensional. Se houver algum aumento na popularidade de Navalny, não espero que aconteça muito rapidamente por causa de toda esta situação na sociedade russa e no país em geral".

Há quem afirme que o regresso de Navalny ao país, a 17 de janeiro, de algum modo transformou a paisagem política russa. É como se, de repente, a insatisfação da população em relação ao Governo tivesse encontrado alguém em torno do qual se poderia unir:

"Não posso senão especular sobre qual é o racional de Navalny, mas ele é um político. Ele sabe que não pode estar muito tempo fora do país, porque senão começa a ser automaticamente considerado um político marginal, senão um traidor, que trocou o país pelo ocidente, pela Alemanha, e sabe que há uma animosidade em relação aos países europeus. Por isso, penso que o racional dele foi voltar, colocar-se no centro da agenda política, e, na verdade, foi isso que aconteceu, porque antes disto quase não havia notícias políticas na Rússia, e agora, depois das férias de duas semanas de janeiro, tudo o que é notícia é sobre Navalny: porque regressou, porque foi detido, agora os protestos. Ele coloca-se no centro da agenda política e, através disto, faz o Kremlin reagir e toda a gente falar dele e aumenta o seu reconhecimento e popularidade. Mas, digo eu, mais a longo do que a curto prazo".

O que aconteceu nos dois últimos fins de semana não foi apenas o protesto de uma elite da oposição de Moscovo. O movimento popular tem uma expressão nacional: milhares em São Petersburgo, em Yekaterinburg nos Montes Urais, em Novosibirsk e Krasnoyarsk na Sibéria. Resta saber se pode ter um impacto diferente ou será algo como já aconteceu no passado:

"Eu diria que é muito semelhante ao que aconteceu em 2017, que também Navalny organizou, mas, desta vez, tem uma expressão nacional porque ele e a sua equipa colocam muito esforço nisso, abrindo delegações regionais e locais da sua organização e para muitos ativistas e jovens dessas regiões, ele foi o primeiro político jovem que eles conheceram, portanto, ele influenciou a situação com as suas viagens a essas regiões. Em 2017, foram sobretudo os jovens que vieram para a rua em apoio de Navalny e da sua agenda, e agora são de novo, predominantemente, os mais novos. Não os jovens em idade escolar, mas, sobretudo, gente entre 25 e 30 anos de idade".

O que este cientista social russo vê agora é que o número de cidades que participam nestes protestos aumentou."A geografia estendeu-se, e penso que acontece, em parte, pelos esforços da equipa de Navalny em organizar isso, mas também pelos problemas dos dois últimos anos, depois da divulgação dos planos de reforma da segurança social em 2018, a deterioração das condições de vida que vivemos há vários anos. Observamos que o clima para os protestos está a aumentar e penso que, provavelmente, a agenda anticorrupção de Navalny e de exposição da riqueza coincidiu com esta insatisfação que estava a crescer há anos, os "ratings" de popularidade das autoridades estão em queda há dois anos e tem este efeito de aumento das pessoas que participam nos protestos."

Denis Volkov salienta e reitera que estes são protestos não autorizados. Provavelmente, se o fossem, isto é, registados, seriam mais seguros para quem participa e "mais pessoas teriam participado". "Mas, mais uma vez, nem todos aqueles que estão insatisfeitos com o Governo apoiam Navalny, há partidos, como o Comunista e outros que também têm um público significativo, então não é só Navalny que trabalha com essa insatisfação. Principalmente, aqueles que apoiam Navalny são os que têm mais educação, melhores condições económicas na sociedade russa. Muitos deles são liberais, democratas, mas é importante notar que isto agora não é apenas sobre Navalny: pode ser em apoio dele, mas, numa escala crescente, é contra esta repressão brutal, contra a corrupção, é sobre os problemas na economia russa. A agenda destes protestos já se alargou."

Volkov admite que a pandemia também ajudou a intensificar o descontentamento, com todos os problemas económicos que "a segunda vaga trouxe". Para este cientista social russo, "os próximos meses podem ajudar as autoridades a estabilizar a situação, porque já o vimos no ano passado, depois da primeira vaga da pandemia, o regresso à vida normal melhorou o ambiente, a popularidade do Governo subiu durante uns três ou quatro meses; mas, no final do ano, o pessimismo já estava de novo a aumentar e, portanto, a situação pode voltar".

As imagens do luxuoso palácio de Putin no Mar Negro ajudaram a intensificar os protestos na Rússia, que aconteceram dias depois de o Presidente russo ter conversado, pela primeira vez, ao telefone com Joe Biden, com quem acordou o prolongamento dos acordos nucleares New Start, e após um discurso de apelo à união global de esforços feito no virtual Fórum de Davos. Mas até que ponto os protestos perturbam a imagem internacional do presidente?

"Penso que a imagem de Putin na arena internacional já está consolidada. Não há nada de novo, mesmo depois da publicação de livros sobre a corrupção na Rússia, portanto, não me parece que essas filmagens signifiquem propriamente um abrir de olhos para quem já conhece a situação russa. Isso da imagem depende sempre muito dos interesses dos outros países, este tipo de imagens pode é ter impacto mais no longo prazo. Penso que os outros países devem primeiro aparecer com uma estratégia, mas, de facto, de algum modo, pode minar a imagem do líder russo. Mas depois de casos como o envenenamento de Skripal, este tipo de filmes não traz nada de muito novo à imagem da Rússia. Mas os problemas internos da Rússia podem efetivamente afetar a política externa russa, mas é muito difícil fazer qualquer previsão aqui. Claro que quando tens problemas domésticos, quando a situação económica não é muito boa, quando a situação política interna não é muito estável, é mais difícil ser duro na política internacional."

Alguns dirão que a instabilidade interna encoraja o Kremlin a uma política externa mais aventureira, mas, para o especialista ouvido pela TSF, "é difícil prever, devemos esperar para ver. Atualmente, na verdade, as coisas até estão mais controladas, mas é algo que exige mais para garantir a estabilidade interna e o preço disso está a subir. Esse, penso, é o problema e não que a Rússia possa explodir com estes protestos. Não espero algo dessa magnitude".

Se os protestos continuarem, até que ponto podem desempenhar algum papel com impacto durante as próximas eleições parlamentares marcadas para setembro? Ou é muito cedo para prever? Como pensa Denos Volkov que toda a situação pode evoluir?

"É uma questão interessante. Não tanto os protestos, mas a estratégia que as forças políticas alternativas venham a escolher. Porque, em 2016, a popularidade do Rússia Unida (o partido de Putin) também estava sob fogo, mas não houve muita campanha eleitoral. E, sem campanha, não houve mudança no sentido de voto dos eleitores. Desta vez, talvez encorajados por estes protestos e pelos decrescentes - nesta altura - índices de aprovação das autoridades, talvez os comunistas e os liberais se sintam com capacidades para serem mais ativos no recrutamento de novos apoiantes. Se isso acontecer, talvez venhamos a ter um parlamento mais diverso; antes dos protestos, eu diria que não havia problemas para o Rússia Unida de tomar conta do próximo Parlamento, mas agora vai depender de muitas coisas, de como as forças da oposição irão atuar, mas também de quão brutais as autoridades irão ser, porque, se forem muito brutais, se houver um cenário tipo Bielorrússia, como vimos no ano passado, provavelmente vai haver uma disrupção na estabilidade que temos tido".

Denis Volkov afirma que, apesar da descida nos índices de aprovação, a situação continua a parecer bastante estável e sob controlo. "No entanto, as autoridades, pelos seus próprios erros, podem desestabilizar a situação. Não serão os manifestantes, mas, sim, o emprego de demasiada força sobre os manifestantes a fazê-lo."