Opinião

Londres e os tentáculos do dinheiro soviético

Hoje trago as conclusões de um relatório publicado recentemente e que me impressionou muito. O relatório é de um instituto britânico, o Royal Institute of International Affairs, mais conhecido como Chatham House. Mais do que um Instituto é uma verdadeira instituição de excelência no que toca ao debate informado sobre política internacional. O seu lema diz-nos tudo: "pensamento independente desde 1920."

O relatório em questão é partilhado por sete autores entre os quais um português, Ricardo Soares de Oliveira, que é professor de Política Internacional de África na Universidade de Oxford. Ora bem, e então qual é o tema deste relatório?

O relatório olha para o problema da cleptocracia, ou seja, o que geralmente é definido como "governo de ladrões". É uma viagem muito bem fundamentada ao dinheiro das elites pós-soviéticas em Londres. O título é explícito e revelador "O problema de cleptocracia do Reino Unido".

Há palavras e expressões chave ao longo deste relatório tais como "cleptocracia transnacional", as diferenças entre um "cleptocrata", "oligarca" e "exilado", "lavagem ou limpeza de reputação" através de um conjunto de serviços e de ferramentas apelidadas de "defensivas e ofensivas" aproveitando as zonas cinzentas da regulamentação e monitorização (ou melhor da falta dela) no Reino Unido e empresas especializadas nestes "serviços".

É impressionante o modo como o relatório nos consegue trazer a fotografia de como estas elites se vão dissipando na sociedade britânica. Nas suas palavras "através da criação de fundações de beneficência, da filantropia, o apoio a think-tanks e a programas académicos em universidades de elite ou a compra de prestígio através, por exemplo, de clubes de futebol". Há muito sumo, mesmo muito, neste relatório, mas o que o torna inovador é a análise de uma consequência desta realidade. Os autores vão diretos ao assunto e destacam "o enfraquecimento do Estado de Direito britânico".

Desde o recurso aos tribunais como, por exemplo, o caso conhecido de Roman Abramovich, dono do clube de futebol Chelsea, face à jornalista Catherine Belton e à sua editora ao de Evgeny Lebedev membro da Câmara dos Lordes desde 2020 via Boris Johnson. Passo a citar o título: "Barão Lebedev, de Hampton no bairro londrino de Richmond no Tamisa e da Sibéria na Federação Russa."

Por último, os autores chamam a nossa atenção para o momento atual que se vive no Reino Unido. Nas suas palavras: "Face aos desafios do Brexit e de uma economia sob pressão depois da pandemia, há um risco verdadeiro de que o Reino Unido avance na direção contrária - no sentido da desregulação com a esperança de ganhos económicos rápidos."

A cleptocracia é uma realidade dramática e trágica em regimes ditatoriais ou em países com sociedades civis frágeis. Mas como este relatório tão bem demonstra até democracias consolidadas e antigas como a britânica não são imunes à tentação do dinheiro, ou melhor, de muito dinheiro.

Raquel Vaz Pinto