Por estes dias, comentadores ligados a partidos políticos, vulgo senadores, daqueles que influenciam lideranças, mas que fazem a carreira profissional longe dos diretórios partidários, os que partilham reflexões e pensamento, os que são considerados reserva da nação, apesar de há muito não ganharem uma eleição nem irem a votos, os que se julgam donos do pensamento e da verdade, andam preocupados.
A última narrativa, que começa a ganhar forma, é a de que a campanha eleitoral será limitada, sem rua, com comícios para menos pessoas, com restrições aos contactos e, portanto, uma campanha mais "fechada". E, nessa medida, grande parte da "comunicação" entre candidatos e eleitores será "feita" através dos media, que servirão de mediadores entre o seu público e os atores políticos.
Diz a narrativa que é preciso "acautelar" isenção, igualdade de tratamento e de oportunidades, comentário equilibrado e proporcional e um escrutínio dos media ainda maior do que aquele que já é feito hoje em dia.
A mensagem é clara: atenção, é preciso obrigar os media a passarem a mensagem que nós, partidos, achamos que deve ser passada e não permitir o que as redações sempre fizeram: mediação, escrutínio, filtragem e edição.
É bom lembrar que as redações não são gabinetes de comunicação dos partidos, as notícias não são panfletos e os noticiários não são tempos de antena.
Aos jornalistas e às redações cabe o papel que sempre coube: reportar, escrutinar, enquadrar, editar e, depois, emitir ou publicar.
Num tempo em que os partidos usam e abusam da chamada "comunicação direta" com os eleitores, através das redes sociais, de canais de TV corporativos, de podcasts encomendados e de outras formas de fazer chegar as mensagens do emissor diretamente ao recetor sem passar pelo crivo da mediação e da edição, parece estranho que, nesta campanha em particular, estejam tão preocupados com o que acham que deve ser o comportamento dos media.
A tentativa de condicionamento prévio, o aviso de que as redações devem ter em conta as "circunstâncias", o ónus de que terão de ser os jornalistas a "compensar" o que a pandemia obriga a suspender, a ideia, tola, desesperada e controleira, de que as notícias devem ser "adaptadas" ao facto de a campanha ter "limitações" nos contactos é, em si, perigosa e manipuladora.
Perigosa, porque num tempo de fake news, de difícil distinção entre a verdade e a mentira, entre o engano e o rigor, entre o populismo e a demagogia, o papel dos media deve ser reforçado e não enfraquecido. Só uma comunicação social atenta e credível assegura o crivo que se tornou, nos últimos 20 anos, cada vez mais necessário. E, como sempre, não nos demitiremos desse trabalho, em nome de circunstâncias ou narrativas que mais não são do que a criação de desculpas a priori para potenciais maus resultados eleitorais.
Manipuladora, porque funciona com a mesma lógica dos clubes que criticam o sorteio do árbitro e o tentam condicionar, antes do jogo. Ao colocar o árbitro sob suspeita, se o resultado não agradar, a culpa foi do árbitro; se o resultado servir, foi conseguido "apesar do" árbitro.
Só políticos fracos e partidos inseguros têm necessidade de tentar condicionar o trabalho de quem tem a função de escrutinar.
Sugiro, portanto, outros três temas que deveriam preocupar os filósofos, pensadores e comentadores da República e que, esses sim, podem ter influência na transparência, verdade e lisura destas eleições: os 600 mil a um milhão de eleitores-fantasma que permanecem nos cadernos eleitorais. Num tempo digital, é inaceitável que o número de eleitores a mais, por morte ou emigração seja, no pior cenário, equivalente a 10% da população. Esses números alteram a realidade, inflacionam a abstenção e distorcem a eleição.
Outra questão que deveria preocupar é a manutenção do método de Hondt; a cada eleição para as legislativas, centenas de milhares de votos, por todo o país, são lixo. Não têm qualquer efetivação em mandatos, o que também distorce a realidade social reproduzida nas urnas.
Por fim, os mais de 600 mil portugueses que estarão em isolamento no final deste mês e como fará o Estado para garantir que conseguem votar.
Estejam, portanto, descansados: continuaremos aqui, a escrutinar, a editar e a publicar. E atentos também, como é nosso dever, ao que devia ter sido feito. E não foi.