A frase, atribuída a Dias Loureiro, quando aceitou fazer parte do governo de Cavaco Silva, ficou nos anis da história da política em Portugal. Gozada e glosada, vezes sem conta, como se telefonar ao progenitor a dizer que se «é» ministro fosse crime ou cadastro. Dias Loureiro apenas se enganou no verbo. Os ministros não «são» ministros, «estão» ministros, enquanto quiserem ou enquanto o primeiro deles o quiser. Há, até, uma história que se conta, que relata a prática de determinado primeiro-ministro. Quando acertava os detalhes com os futuros ministros, pedia-lhes, como condição, que assinassem a sua própria carta de demissão, que guardaria e utilizaria quando e se entendesse. A carta estaria em branco e as razões da demissão seriam colocadas depois, conforme a ocasião, o pretexto ou a necessidade do chefe do governo. Quando passavam a estar ministros, os ministros já tinham concordado em deixar de estar, quando e se fosse essa a vontade do líder.
António Costa, preso em casa, infetado com COVID, teve, decerto, muito tempo para pensar no futuro governo de maioria absoluta. É de acreditar que na semana que agora acaba, o atual e futuro primeiro-ministro tenha desenhado na sua cabeça o próximo executivo. Já tinha dado algumas indicações durante a campanha e nos debates, mas com a maioria absoluta os planos podem ter de ser alterados. Costa, recordemos, encomendou um estudo sobre outros governos na europa, e concluiu, há muito, que um governo em Portugal só deveria ter entre 13 a 15 ministérios. O atual governo tem 19 ministros e 50 secretários de estado, um recorde absoluto em Portugal. Também prometeu que seria um executivo tipo taske-force, ou seja, mais ágil, mais próximo, mais resoluto. E, há outra novidade, muitas áreas da governação seriam «transversais», pelo que os ministros se transformariam em «super-ministros».
Costa, depois de seis anos com governos de minoria e com entendimentos à esquerda, está finalmente livre de amarras e de chantagens, de imposições e negociações. Pode fazer o que entender, como entender, da forma que acha melhor para o país. A maioria absoluta que lhe foi dada pelos portugueses individualmente considerados na cabine de voto, é um sinal de confiança. E de delegação. O que o país disse a Costa, basicamente, é que tem de provar quanto vale, agora que não tem desculpas. Não tem a desculpa da Troika, não tem a desculpa de ter de negociar orçamentos, não tem a desculpa da instabilidade ou da eventual crise política, não tem a desculpa da oposição ou das «coligações negativas». Tem liberdade total, ancorada no sufrágio popular e numa eleição que o reforça, que o torna absolutamente maioritário.
Por isso, a cada telefonema que fizer, por estes dias, Costa deve pensar duas vezes. Se é mesmo este o ministro ou a ministra que realmente quer; se, no plano que terá para o país, está a convidar a pessoa certa; se vai escolher os melhores, os mais capazes ou os mais competentes; ou se vai acabar por ceder ao partido, ao aparelho, aos amigos e aos do costume; se fará um governo novo, ou se será apenas um novo governo, recauchutado, preenchido com os mesmos de sempre; e, mais uma vez, não tem desculpa - o horizonte de quatro anos de governação dá-lhe mais liberdade de escolha.
Entrevistado há dias pela TSF e pelo DN, o politólogo Pedro Silveira, investigador, que estuda os fenómenos da formação de governos, dizia que «há muito mais recusas do que o que se pensa para os cargos de ministro». Em Portugal, de há umas décadas para cá, «estar» ministro ou deputado deixou de ser currículo e passou a ser cadastro. A nobre arte da política não é «apetecível», não é atrativa e não deixa eufóricos os que são «convocados» e aceitam o cargo. Tornou-se uma profissão e não uma missão, um encargo e não um serviço, uma maldição e não um privilégio.
É por isso, fundamental, que o próximo governo seja um bom governo.
Se, por estes dias, por acaso lhe acontecer atender o telefone e, do outro lado, estiver António Costa para o convidar para ministro ou secretário de estado, sinta-se especial. Com este contexto, o primeiro-ministro pode convidar quem quiser. E, se aceitar, pode sempre ligar para o pai ou a mãe, e dizer, com satisfação:
-Pai, estou ministro!