Opinião

O pai que ficou para trás

Maria Guryeva é uma jovem mãe com um filho de 15 meses. Trabalha na Amnistia Internacional - Ucrânia como coordenadora de campanhas. Durante anos, fez trabalho dedicado aos refugiados sem nunca imaginar que ela e a sua família teriam um dia de fugir na mesma condição.

Ia pensando nisto enquanto preparava alguma roupa para o seu bebé de 15 meses e a metia numa mala de viagem. Nas noites anteriores, com explosões e de fugida para os abrigos, pensava também no que podia acontecer, tinha medo pelas crianças - a sua e as de outras famílias que estavam com eles. Enquanto fazia as malas, o dilema de se, ao fugir, estaria de algum modo a trair a sua Ucrânia natal. Mas o choro do bebé depressa retirava essas dúvidas.

A esta altura, os seus pensamentos já não são tão sombrios.

Sente-se privilegiada porque nota a diferença de tratamento. Sabe que os ucranianos têm sido tratados bem, enquanto refugiados, e de uma forma diferente de outros refugiados não-europeus a quem ela tem dedicado a vida.

Perdida nos seus pensamentos, olha para o seu bebé que dorme tranquilo ao seu colo. Sossegada, vê nele os traços do rosto do pai.

Um pai dedicado que dias antes se meteu a caminho com a família em direção à fronteira com a Hungria. Foi tempo de concentração muito, muito grande. Era necessário chegar em segurança até ao sítio onde já não se ouviam explosões.

Depois de dias e noites de viagem e de filas, chegaram à fronteira, chegaram ao momento de alívio, mas também da angústia esperada e antecipada. Na passagem para o outro lado da fronteira, o pai ficou para trás. Foi o último beijo e o último abraço até hoje, e até não sabemos quando.

Falam uma vez por dia, o que é bom, diz Maria.

O pai vive com outros amigos em Kiev e que também tiveram de ficar.

Tem muitas saudades do filho - ele - e quer muito estar perto da família, seja na Ucrânia, seja onde for, como se estar junto da família fosse sinónimo de estar em casa, de estar onde se pertence.

Quando se poderão ver? Alguma vez se irão ver de novo? Alguma vez este pai abraçará o seu filho, alguma vez o pegará ao colo? O ensinará a andar de bicicleta? O levará à escola? Alguma vez lhe contará a história de uma guerra longínqua que os obrigou a separarem-se nessa linha de fronteira invisível e imaginária. O norueguês Thor Heyerdahl viajou o mundo e disse que fronteiras nunca viu nenhuma, mas ouviu que elas existem na cabeça de algumas pessoas.

Como esta família, muitas outras na Ucrânia e na Rússia separadas por causa de homens loucos, senhores da guerra que não olham a meios para alimentar o seu ego.

É por estes pais e por estes filhos que hoje - Dia do Pai - a Amnistia Internacional em Portugal convoca todos a juntarem-se às 15h30 em frente à embaixada russa em Lisboa.

Em uníssono diremos a única mensagem que tem agora de ser dita:

É urgente a paz.

Pedro Neto