Opinião

O gesto é (quase) tudo

Úrsula von der Leyen, primeiro, e Boris Johnson, depois, entraram no comboio da noite para Kiev e foram ter com Zelensky, o novo «herói» ucraniano, o presidente eleito que ainda não despiu a farda desde 24 de fevereiro e que tem feito o que pode para chamar a atenção da «Europa», dos «parceiros ocidentais» e do mundo em geral para o que se passa dentro do seu país.

Se é de aplaudir a presidente da Comissão Europeia e o Primeiro Ministro britânico, não só pela coragem física e política, mas também pelo simbolismo do gesto, pelas palavras que deixaram em solo ucraniano, pelo anúncio, por parte da primeira, do convite à Ucrânia para entrada na união e, pelo segundo, por mais ajuda militar para que, no terreno, possa prosseguir com mais meios o combate dos ucranianos a invasão russa, há uma longa lista de outros «altos dignatários» que não se deram ao mesmo trabalho, ao mesmo arrojo, à mesma decência.

A começar pelo Papa Francisco, que há semanas anunciou que estava a ponderar ir a Kiev. Mas que não foi ainda. Beijar uma bandeira ucraniana vinda de uma cidade mártir não chega. Também é simbólico, mas não chega.

Segue-se o secretário-geral das Nações Unidas que, pelas funções que desempenha, já deveria ter ido a Kiev e, depois, a Moscovo, dar um sinal de que a sociedade das nações está atenta ao que se passa entre dois estados-membros, um que agride e outro que é o agredido. E que poderia e deveria ter-se oferecido para mediar, intermediar ou, pelo menos, tentar amenizar o conflito. Nada.

Tal como o Presidente dos Estados Unidos, que esteve «quase» na Ucrânia, mas ficou-se pela Polónia. Ali, em solo seguro, é fácil elogiar os militares ucranianos. Mas, atravessar a fronteira e ir dizer o mesmo aos que defendem o país há 48 dias, parecendo que não, seria um «gesto» importante. Biden não foi. E o gesto, muitas vezes, é quase tudo.

Nem foi o Chanceler alemão - energia oblige - nem Macron, que preside aos destinos da União, nem vários outros dirigentes de outros países, da Europa e fora dela. Que deveriam, na minha perspetiva, demonstrar, com os dois pés assentes na Ucrânia, a repulsa pela invasão russa, pela guerra, pelas vidas destruídas, pelas cidades arrasadas, pelos corpos espalhados pelo chão, pelas valas comuns, pelos milhões de deslocados e refugiados que estão em movimento, com vidas empacotadas dentro de malas; e, já agora a solidariedade para com um exército bravo, corajoso, resiliente, orgulhoso e «patriótico», que apenas está a defende o direito à existência do seu povo, da sua nação e das suas fronteiras.

A guerra na Ucrânia - a forma como não se previu nem preveniu, como se permitiu que começasse, e que se continua a permitir que não termine - é um dos maiores embaraços políticos e diplomáticos do pós segunda guerra mundial. Mais uma vez, os interesses económicos, geoestratégicos e políticos sobrepuseram-se ao sofrimento de um povo, à devastação provocada pelo ataque e à incapacidade das organizações, várias, de agirem em tempo, com determinação, coragem e clareza.

Há momentos únicos na vida, na história dos países e dos povos em que temos de tomar parte. Em que ser neutral, utilizar apenas palavras, esperar pela diplomacia, apelar ao bom sendo, aplicar sanções ou prometer julgamentos futuros não chega.

O gesto, sim, é importante. Mas, em determinados momentos, não chega.

Para os ucranianos, gestos e palavras chegaram tarde demais. E não tomar partido acaba por ser uma forma de cumplicidade, ainda que por omissão.

Pedro Cruz