Sociedade

É uma mesa: amor e almofadas no renascer dos sem-abrigo

TSF

O restaurante "É uma mesa" integra pessoas que estiveram em situação de sem-abrigo, no mercado de trabalho. O projecto da associação Crescer é inaugurado esta quarta-feira.

Luísa Gomes, 54 anos, foi sem-abrigo durante quatro a cinco anos. "Parava na zona de Santa Apolónia, eu e o meu companheiro". Durante dez anos, foi toxicodependente e começou a "alternar em bares e boites". Foi a droga que a levou à "prostituição, à rua e às coisas feias da vida", mas "consegui sair", conta Luísa, que frequentou a primeira turma do projecto da associação Crescer, que integra antigos sem-abrigo em restaurantes.

O primeiro espaço, "É um restaurante", reabriu recentemente depois de ter estado encerrado, devido à pandemia. Esta quarta-feira, a Crescer inaugura um novo restaurante, "É uma mesa", no bairro padre Cruz, em Lisboa.

O objectivo é integrar e dar maior autonomia a uma população vulnerável que, assim, readquire rotinas e horários de trabalho, aprende a "aturar os chefes e os psicólogos da Crescer", detalha Américo Nave, director executivo da Crescer.

Na formação de quatro a seis meses, os antigos sem-abrigo contam com alguma tolerância para atrasos, faltas ou uma aparência menos cuidada. Estas falhas "são matéria de trabalho e não matéria de exclusão", realça Américo Nave, até porque a maioria dos formandos gosta de trabalhar. Luísa confirma: "Gostei tanto de poder levantar-me cedo, ter um objectivo, estar rodeada de gente boa", afirma, grata, à Crescer, que compara a uma almofada. "Vão tirando a almofadinha devagarinho, para podermos integrar-nos no mundo do trabalho", onde não existem almofadas. "Quando caímos, sentimos mesmo a dor, mas preparam-nos psicologicamente para isso".

Na cozinha do "É uma mesa", a chef executiva Beatriz Peres e o chef consultor Nuno Bergonse escolheram a gastronomia italiana, na qual se põe "as mãos na massa". Entre a copa e a preparação dos pratos, as turmas terão entre oito a dez antigos sem-abrigo, "para dar amor", afirma Beatriz Peres, que espera também aprender com os formandos.

O restaurante situado no Centro de Recursos DLBC (Desenvolvimento Local de Base Comunitária), no bairro padre Cruz, quer também "abrir o bairro à cidade", refere Américo Nave", que conta 20 a 25 antigos sem-abrigo integrados no mercado laboral, desde o início do projecto. Nem todos trabalham na restauração, alguns fazem reposição em supermercados, outros dedicam-se à jardinagem ou cuidados aos idosos. Afinal, sublinha o director executivo da Crescer, a ideia também é permitir que descubram "qual a área em que gostavam de trabalhar".

Anualmente, o "É uma mesa" dará formação a cerca de 75 antigos sem-abrigo. Para Luísa, é "recomeçar uma vida nova, com novas perspectivas e novos objectivos". Agora, numa casa do projecto Housing First, Luísa vê no restaurante "uma oportunidade única, a última e derradeira".

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