Cavaco Silva. Um político que sabe como poucos gerir o silêncio e o uso da palavra. Fê-lo sempre, da mesma forma, enquanto jovem primeiro ministro, depois nos dez anos de espera até chegar a Belém e, mais tarde, a partir do palácio cor de rosa.
Aposentado da função mas não dá política, Cavaco Silva continua, quase 40 anos depois de ter chegado a primeiro-ministro, a suscitar amor e ódio. Talvez só Mário Soares perdurasse durante tanto tempo na sociedade portuguesa, mesmo quando deixou de ocupar cargos eletivos.
Como está quase sempre em silêncio, quando escolhe falar Cavaco Silva provoca ondas de choque que não são ignoradas nem por quem o ama, nem por quem o odeia.
Na semana passada, primeiro com um artigo e depois com uma entrevista, o antigo líder do PSD, primeiro-ministro e Presidente da República voltou ao topo da atualidade.
O artigo de Cavaco, que desafia Costa a "fazer mais e melhor", baseia-se numa comparação entre as maiorias absolutas dele próprio e a oportunidade que o PS conquistou de reformar Portugal sem depender de mais nenhum partido. Pelo meio, Cavaco exorta Costa ao diálogo com a oposição e com a concentração social, e desfia exemplos dos seus governos, quer de reformas estruturais quer de acordos sociais. Quando, há quatro meses, assistiu à posse de Costa, não gostou de ter escutado o agora primeiro ministro dizer que no passado "maiorias absolutas" tinham dado origem a "poder absoluto". O Professor quis avivar a memória dos seus tempos como chefe do Governo. E destacar o diálogo que diz ter sido capaz de manter com a então posição.
Costa, numa reação dura, irónica e condescendente, respondeu dois dias depois. Disse que Cavaco Silva estava "preocupado com o seu lugar na história", enquanto ele próprio, tinha como função "olhar para o futuro". E, com ironia fina, recordou que daqui a três anos tenciona "homenagear" Cavaco - como já fez com Soares e Balsemão, nos 40 anos do início dos governos de ambos - para celebrar essa "longínqua" data de 1985.
Dois dias depois, na TSF, Ana Catarina Mendes também reagiu às palavras de Cavaco Silva, com igual dureza e alguma agressividade. O antigo presidente revela "azedume e ressentimento", disse a ministra.
Ora, nenhum dos dois, Costa e Cavaco, ficam bem nesta fotografia. Enquanto ex presidente, Cavaco deveria usar a palavra para outros fins, que não o de permanente "defesa da honra" e cíclica recordação dos seus próprios feitos. Desta vez, Cavaco Silva até acaba o artigo a falar de si na terceira pessoa. Um excesso dele próprio, que deveria deixar a outros a análise dos seus tempos como PM e PR. Na verdade, Cavaco não precisa de provar nada. Ganhou cinco eleições, quatro delas com maioria absoluta. O reconhecimento que parece procurar, já lhe foi concedido por quem o elegeu.
Costa, que está em funções, deveria, por seu lado, ter ficado calado. O papel senatorial dos ex presidentes e a forma como, desde a saída de Eanes de Belém, se tem entendido essa função, deveriam levar um Primeiro Ministro a não responder, muito menos da forma como Costa o fez.
Os dois, nesta disputa de palavras, não ajudam a solidificar as relações institucionais entre órgãos de soberania, e entre autuais e antigos titulares de órgãos de soberania, reavivam ódios antigos e deslaçam relações que deveriam ser cordiais e de respeito mútuo.
Ao permitir que os seus generais também ataquem Cavaco Silva, Costa usa o seu poder atual contra um poder que está na reforma. Não lhe fica bem.
Nesta contenda, só Marcelo esteve bem. Ao "não comentar", fez o que dele se esperava, na função que desempenha.