Foram cinco anos, longas audições de testemunhas, relatórios técnicos, tudo somado a muita emotividade em torno daquele que foi o incêndio mais mortal de sempre no país. Ontem chegou o dia do decisivo acórdão, que considerou não ser possível estabelecer uma relação de causa-efeito entre a conduta de cada um dos arguidos no processo de Pedrógão Grande e as mortes de pessoas apanhadas pelas chamas, tendo todos eles sido absolvidos pelo Tribunal de Leiria.
A prova reunida permitiu concluir que houve um fenómeno meteorológico anormal, uma tempestade de fogo que ninguém poderia prever ou combater. Mas esse não foi o único fator em jogo e apesar de não apontar culpados, o acórdão assinala claras responsabilidades de diversas entidades naquilo que sucedeu. O sistema falhou e isso ficou absolutamente claro e não pode ser ignorado.
Dos meios de combate às comunicações, da organização à articulação entre entidades, são muitas as deficiências sublinhadas no extenso acórdão, que merecerá agora uma leitura aprofundada por parte de todas as entidades envolvidas e de quem se preocupa com a gestão da floresta. Além de falhas na fase de combate, foi evidenciada a falta de limpeza da floresta e a inexistência das faixas de gestão previstas na lei. Sem interrupção de combustível, o incêndio agigantou-se.
Felizmente sem danos humanos, este verão foram de novo visíveis fragilidades no sistema de proteção e socorro. Como são por demais evidentes as dificuldades de intervenção a montante, numa floresta cujos problemas são demasiado vastos para que seja realista pensar em resolvê-los em pouco tempo. Com as alterações climáticas a potenciarem fenómenos cada vez mais extremos, temos a tempestade perfeita e o risco de a qualquer momento se repetirem incêndios de efeitos devastadores.
É preciso que entidades públicas, organismos que fazem parte do sistema de proteção civil, autarcas e membros do Governo, todos sem exceção, leiam atentamente este acórdão. Porque os desafios são demasiado complexos e apenas uma intervenção empenhada de todos permitirá reduzir gradualmente riscos.
É urgente pensar um sistema de proteção civil cada vez mais robusto e profissionalizado, flexível e ágil na resposta. É imperativo resolver as deficiências das comunicações, sejam elas de equipamentos ou de utilização inadequada da rede. É necessária a modernização de meios, a aposta em formação, a aceleração de programas de sensibilização e de autoproteção. Tal como é igualmente prioritária a intervenção no Interior, numa perspetiva que ligue os vários nós deste problema bicudo que é a valorização da floresta.
A questão verdadeiramente séria é que em causa não está apenas o ordenamento do território, mas um fenómeno contínuo de despovoamento. O problema dos incêndios é um problema de pessoas. Não se protegem territórios sem proteger quem os habita e dinamiza. Essa é a equação mais difícil de resolver. E não é uma questão das famílias das vítimas de incêndios, nem dos arguidos, nem exclusivamente dos bombeiros e da proteção civil. É um problema do país.