Opinião

Cristiano Ronaldo e os trabalhadores do Qatar

É a partir de amanhã. Começa mais um campeonato mundial de futebol. Depois da Rússia em 2018, desta vez a festa de branqueamento será no Qatar.

Depois de muitos trabalhadores migrantes já terem estado naquele país a construir todas as infraestruturas para os jogos de futebol poderem acontecer, agora é a vez de outros trabalhadores migrantes entrarem em campo e fazerem o seu trabalho.

Cristiano Ronaldo, o nosso herói, é um deles.

Esta semana saiu ao público uma entrevista que ele deu a Piers Morgan. Desabafou sobre um dos clubes que lhe deu palco para ele ser uma estrela maior. Para o Manchester United foi ainda jovem e sob condição de Alex Ferguson fazer dele um Homem, de letra grande.

Assim aconteceu. Sir Alex foi como que um pai para ele, pelo menos assim me pareceu que vi o espetáculo do lado de fora.

Anos mais tarde, outro pai, Fernando Santos, fez dele jogador de equipa na seleção. Muitas vezes a nossa equipa girava à volta dele. Todos serviam Cristiano. Ele parecia não servir tanto os seus colegas. Não aconteceria por egoísmo ou estrelato. A posição em que ele jogava a isso ajudava também.

Recordo-me de uma vez em que Ronaldo falhou um penalti pela seleção. E a partir daí tudo mudou. Assim me pareceu, que vejo o espetáculo de fora.

A partir daí o Cristiano começou a jogar para a equipa, a servir os seus colegas. Hoje é dos que mais luta, corre, se esforça pelas quinas de todos nós que traz ao peito.

Gosto de imaginar que Fernando Santos não terá perdido a oportunidade do penalti falhado para conversar com o Cristiano. Para o incentivar, para lhe falar que cair é humano, mas levantarmo-nos e melhorar, é trabalho de heróis e heroínas.

Trazendo-o à Terra, Fernando Santos terá feito dele um verdadeiro servidor da sua equipa em Portugal.

Ao ver o Ronaldo na comunicação social, parecia-me ver alguém que só se sentia feliz em campo, a jogar, que se alimentava de golos e ambição. Percebi-lhe uma vontade enorme de provar sempre algo a alguém. Fora do campo, sempre mais triste e angustiado.

Até ao dia em que Ronaldo, o rapaz que quase não teve pai, se tornou também ele pai. O Cristianinho veio para ser luz, e mais tarde, mais filhos até chegarmos a Abril passado, quando perdeu um filho e uns meses depois a sua bebé esteve doente com gravidade e impediu Cristiano de fazer a pré-época no Manchester. A família é o que mais conta.

Acredito que Cristiano tenha por todos os meios falado internamente no clube do que o afligia antes de vir a publico falar.

E na admiração que tenho por ele e pelo trabalhador que ele é, partilho outras admirações, a outros trabalhadores também, migrantes no Qatar.

Admirações pelos milhares que perderam a vida nas construções dos estádios e outras infraestruturas para o mundial de futebol. Pelos que continuam com salários por receber, pelos que se viram presos nos estaleiros e com o seu passaporte roubado, pelos que pagaram taxas ilegais para serem recrutados para trabalhar, pelas famílias que choram os seus maridos mortos nas construções e não receberam até hoje qualquer indemnização por parte da organização do mundial ou por parte da FIFA ou por parte de ninguém.

A Amnistia Internacional junto com outras ONG tem apelado à FIFA que disponibilize 430 milhões de dólares para estas compensações. Uma ínfima parte do que se estima que a mesma FIFA vá lucrar com o evento e que ronda os 5,9 mil milhões de dólares.

Não sei se vamos conseguir que esta organização o faça. No entanto, à semelhança de Cristiano Ronaldo que paga quase o seu salário com venda de camisolas do seu clube com o seu nome gravado, também a Amnistia vai disponibilizar camisolas que imitam coletes de trabalhadores da construção civil em homenagem à equipa esquecida que construiu todos os estádios do mundial.

Oxalá Justiça seja feita, ao nosso Cristiano e a tantos trabalhadores migrantes e esquecidos no Catar. É por esta equipa, a esquecida que também vou estar a torcer neste mundial.

Pedro Neto