Opinião

O que mudou no Hospital Beatriz Ângelo?

Miguel Pinto Luz Maria João Gala /Global Imagens

Ontem, soubemos de mais uma demissão em bloco nos hospitais portugueses. 11 chefes de equipa da Urgência do Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, apresentaram a sua demissão. Os médicos em causa justificam a sua decisão, com a escassez de recursos humanos e, nas suas palavras, com "uma situação grave, perigosa e desumana".

Este é mais um caso que nos deve deixar muito preocupados e atentos ao futuro da Saúde em Portugal. Mas também que nos deve levar a pensar na deterioração específica deste Hospital.

Inaugurado em 2012, foi durante muitos anos um exemplo de gestão e, sobretudo, de qualidade de serviço.

É por isso necessário perguntar, o porquê de um Hospital modelo passar, quase de um momento para o outro, a ser constantemente notícia pelas piores razões. Porquê? O que mudou no Hospital Beatriz Ângelo?

E a resposta é demasiado fácil: mudou a gestão.

Em 2022, dez anos depois da sua inauguração, o hospital deixou de ser uma Parceria Público-Privada, gerida pela Luz Saúde, e passou para as mãos do Estado. E desde então, nada foi como dantes para o Beatriz Ângelo e, principalmente, para os utentes deste hospital.

É uma decisão que custa muito a compreender. Porque é que, com tanta coisa por resolver, tantos problemas estruturais - na saúde e em tantas outras áreas - se escolhe ir mexer naquilo que funciona bem? A razão, também aqui, é simples: a ideologia.

Uma ideologia que diz que os serviços públicos têm de ser geridos pelo Estado, com o resultado bem visível no caso do Hospital Beatriz Ângelo.

A ideologia de resto tem sido má conselheira na resolução de problemas estruturais do nosso País, como se vê no caso da saúde.

De resto esta não é uma discussão nova, desde "78 que a luta entre um sistema público e um sistema em que público, privado e social coexistem separa a Esquerda da Direita.

A verdade é que cada vez mais os portugueses são empurrados para o sector privado. Não por opção, não por ideologia, mas por simples necessidade. Porque o Sistema Público não está a dar resposta.

Hoje, cerca de 50% da população portuguesa tem uma segunda cobertura de saúde - sejam seguros de saúde, planos de saúde ou sub-sistemas como a ADSE.

Hoje os hospitais privados têm a tecnologia de ponta que antes era exclusiva do público. Hoje os hospitais de referência no tratamento, por exemplo do cancro, já são privados.

Hoje existe uma saúde para quem tem dinheiro e outra para quem não tem e isto é completamente contrário à base que esteve por de trás da criação do SNS.

É preciso olhar com pragmatismo para o problema e esquecer as lutas ideológicas. Estas podiam fazer sentido em "78, mas hoje estão ultrapassadas e são pura e simplesmente estéreis. É preciso que a prioridade sejam os serviços que são prestados ao doente. É necessário potenciar a capacidade instalada. E tornar o sistema sustentável e competitivo.

Não olhar para estes 3 pontos, vai-nos levar a um sistema de saúde público cada vez mais caro, mas sobretudo cada vez mais escasso.

As PPP"s na saúde tinham este mérito. Melhor serviço, capacidade de investimento e menor custo. Não sou eu que o digo, são os relatórios do Tribunal de Contas. Infelizmente quase todas sucumbiram à mentalidade dogmática da geringonça.

Voltar a restabelecer as PPP"s que existiam não solucionará o problema que enfrentamos. Hoje, será preciso uma verdadeira revolução de mentalidades, será preciso encarar público, privado e social como um triângulo virtuoso. Três vértices que terão de trabalhar em conjunto e em articulação.

Aos portugueses não interessa se a saúde é privada, pública ou social. E aos Governos deve interessar somente resolver o problema dos portugueses.