Sociedade

Há consultas duas vezes por semana. Em Ponte do Rol, Governo e junta pagam médico a meias

Ponte do Rol fica no concelho de Torres Vedras Reinaldo Rodrigues/Global Imagens

Por 19 euros à hora ninguém quis ser médico de família em Ponte do Rol, mas a Junta de Freguesia do concelho de Torres Vedras paga mais 11 euros e assim há consultas duas manhãs por semana. O autarca e o médico gostariam que fosse mais tempo, mas o Governo não vê necessidade.

A última médica da freguesia deixou saudades e o posto médico vazio.

Com duas mãos cheias de nada, e uns dois mil utentes idosos e doentes, o presidente da junta de freguesia procurou soluções. Garante que nem precisou de procurar muito: "há médicos disponíveis, não vêm é pelo que que a ARS lhes paga!".

Pedro Vaza conta que por 19 euros à hora não arranjava ninguém, mas se pagasse o mesmo que os privados, 30 euros por hora, o problema resolvia-se. Vai daí fez as contas e percebeu que para dar médico às gentes da freguesia bastaria pagar os 11 euros que o Estado não acompanhava.

"A Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo é que fez o contrato e organiza tudo, a junta só complementa o pagamento do médico com mais 11 euros por cada hora".

O arranjo resultou em duas manhãs por semana, terças e quartas-feiras, das 8 às 13 horas.

"Em média, atendo umas 30 pessoas por manhã", contabiliza Marcos Agostinho. Especializado em Medicina Geral e Familiar desde 2010, o médico lamenta ter de "tentar meter o Rossio na Betesga".

"Não fazemos saúde da mulher nem das crianças", lamenta. Há uma primeira hora para atendimentos urgentes, depois é por marcação: "baixas, renovação de receituário, prescrição de exames".

O médico, residente em Santa Cruz, conta que trabalhou sempre na região, "ao pé de casa" e não quer mais nada. Durante muito tempo acumulou o trabalho em centros de saúde com a atividade privada, "só que as condições de trabalho no SNS foram-se degradando".

"Ainda resisti durante os tempos da pandemia, senti que era uma missão, mas depois cessei", conta com ar pesaroso. Agora poderia fazer mais horas em Ponte do Rol. "O presidente da junta de freguesia bem queria, eu também posso, mas os responsáveis da ARS e do ACES acharam que não há necessidade".

O resultado é que "é tudo a correr", queixam-se os utentes à saída do posto médico de Ponte do Rol, por sinal instalações que a junta de freguesia arrendou ao Ministério da Saúde. O negócio fez-se através da Câmara Municipal de Torres Vedras que assumiu as competências nas instalações de saúde.

O governo paga 350 euros de renda pela utilização do posto médico e a junta de freguesia paga 440 euros por mês ao médico para manter as instalações a funcionar. O autarca, Pedro Vaza, faz as contas e conclui com facilidade: "fica quase ela por ela".

Ainda pelas contas de Pedro Vaza, o arranjo custa à volta de 2,5 euros por utente, por ano. Ainda assim, "dinheiro que não pode ir para outro lado, mas prioridades são prioridades", remata.

Esta terça-feira o ambiente no posto médico está bastante tranquilo. Quem entra para depositar o pedido de renovação do receituário não tem grandes queixas, "venho cá só deixar o pedido da pílula". Quem sai depois da consulta já vem mais agastado "inscrevi-me em outubro e só consegui consulta agora".

Lucinda começa e o marido, Manuel, de muletas, conclui. "Foi entrar e sair, olhou para isto e pronto, já está". Lucinda faz questão de ter a última palavra, "isto é muita gente, o homem também não pode fazer mais. São só duas manhãs...É uma tristeza. Sinto-me muito triste por ser portuguesa, muito triste mesmo".