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Pela primeira vez em 30 anos, fotografia do ano não ilustra capa do livro do World Press Photo

A fotografia vencedora do World Press Photo em 2022, captada pelo ucraniano Evgeniy Maloletka Evgeniy Maloletka/World Press Photo Foundation/EPA

A organização do World Press Photo justifica a decisão com a violência da imagem e o respeito pelas vítimas.

Não é a primeira vez, mas já não acontecia há 30 anos. A capa do livro anual do World Press Photo, relativo a 2022, não vai ter a fotografia premiada do ano.

A fotografia premiada do ano mostra a transferência numa maca de Irina Kalinina, durante a Guerra na Ucrânia. A mulher grávida ficou gravemente ferida no bombardeamento russo ao hospital de Mariupol, no sul do país. O bebé de Irina nasceu morto e a mãe, de 32 anos, também morreu meia-hora depois.

A fotografia é do ucraniano Evgeniy Maloletka e foi tirada a 9 de março de 2022, nos primeiros dias da invasão russa, tendo sido premiada pela World Presso Photo como a melhor fotografia do ano. Por isso mesmo, o retrato deveria ilustrar a capa do livro anual agora editado, mas os responsáveis do concurso que escolhe os melhores trabalhos do fotojornalismo mundial entenderam que deveria ser outra foto a fazer capa.

O fotojornalista foi acusado pelas autoridades russas de adulterar a imagem, no momento em que negavam crimes de guerra cometidos pela Rússia em Mariupol. O embaixador russo nas Nações Unidas e a Embaixada Russa em Londres disseram que a imagem era "fake news".

A imagem de Evgeniy Maloletka foi substituída por uma do iraniano Ahamad Halabisaz. O iraniano mostra uma jovem local vestida com roupas ocidentais numa rua de Teerão, com outras atrás vestidas com roupa tradicional do Irão. A fotografia foi captada no final do ano passado e recebeu uma menção honrosa da World Press Photo.

A diretora do concurso, Joumana El Zein Khoury, justificou, em declarações ao El País, que este trabalho era mais adequado a ilustrar um livro que vai estar exposto em lojas de souvenirs e livrarias de museus. Para a responsável, as duas fotos documentam a injustiça e os riscos corrido por fotógrafos e fotografados. Além disso, a organização garante que quer também mostrar respeito pelas vítimas.

"Acho que é essencial a fotografia ser vista por milhões de pessoas"

À TSF, o fotojornalista português Daniel Rodrigues, que já venceu um prémio na categoria Dailly Life da World Press Photo, critica a decisão.

"Estamos constantemente a ser bombardeados por imagens nas redes sociais e acho que é importantíssimo mostrar uma imagem de um fotojornalista, um trabalho de um profissional que esteve no local, que arriscou a sua vida para poder mostrar aquela imagem, a verdade, as consequências dos ataques que tem havido dos russos e numa era que estamos muito a falar da inteligência artificial, das fake news, é importantíssimo mostrar um trabalho de um fotojornalista. Por isso, eu acho que é importantíssimo a demonstrar essa foto, que as pessoas consigam ver essa foto, também para chocar, para alertar realmente o que aconteceu naquele caso de Mariupol. Por isso, acabo por não concordar o facto de não se mostrar a fotografia", refere o fotojornalista.

Daniel Rodrigues também esteve na Ucrânia no início da guerra e revela que os locais pediam que fossem tiradas fotografias: "Nós queremos mostrar que está a acontecer." Por isso, embora perceba a justificação da organização, Daniel Rodrigues acredita que a fotografada seria a favor da publicação da imagem.

O fotógrafo pega nas acusações o Kremlin de manipulação da fotografia para ser mais um argumento a favor da publicação da imagem: "Acho que é essencial a fotografia ser vista por milhões de pessoas para mostrar que realmente o que aconteceu, que não foi fake news, não foi montado. Foi a pura e dura realidade que acontece todos os dias nos últimos dois anos na Ucrânia."

Não é a primeira vez, mas já não acontecia desde 1993

Esta não é a primeira vez que a fotografia vencedora não faz capa do livro. Em 1974, uma foto de Salvador Allende a sair do palácio presidencial chileno - com arma e capacete - durante o golpe militar foi distinguida sem fazer a primeira página.

Em 1983, o mesmo aconteceu com uma imagem do massacre de refugiados palestinianos durante a guerra do Líbano. Dez anos depois, em 1993, a fotografia de uma mulher somali a carregar o cadáver esquelético para o enterrar numa vala comum também não apareceu em destaque na capa.

Rui Oliveira Costa