É o julgamento mais relevante da história democrática do Brasil. É um ex-Presidente da República a ser acusado de ter planeado um golpe de Estado. Um momento de alta tensão no país, até pelo apoio popular de que Bolsonaro, que teme ser condenado, ainda goza
É um julgamento sobre democracia e memória, papel dos militares e independência do setor judicial. Um julgamento que coloca o Brasil em suspenso no meio de sanções americanas, por causa deste processo, e de apostas pós-Bolsonaro para a corrida eleitoral de 2026. Para os apoiantes de Bolsonaro, uma eventual condenação é ilegítima. Para os demais, e dado o volume de provas reunidas, é mais do que certa.
Por estes dias em prisão domiciliária por risco de fuga, Jair Bolsonaro não vai poder, pelo menos na forma habitual, com impressionantes manifestações de rua, aproveitar o Dia da Independência do Brasil, 7 de setembro, próximo domingo, para atacar os orgãos de soberania e as instituições democráticas brasileiras, como tem feito desde 2021.
Há fortes medidas de segurança na Praça dos Três Poderes, em Brasília, morada do Supremo Tribunal Federal, onde o juíz Alexandre de Moraes lê esta terça-feira a acusação ao antigo Presidente da República, antes de dar a palavra ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, e aos advogados de defesa, nomeadamente Celso Vilardi, advogado de Jair Bolsonaro.
O ex-Presidente do Brasil e os seus principais adjuntos - principalmente militares, como o antigo capitão - são acusados de conspiração golpista após uma profunda investigação policial, assim acredita a acausação. Além de Bolsonaro, que não está na sessão desta terça-feira, sentam-se no banco dos réus o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o general Augusto Heleno que chefiou o Gabinete de Segurança Institucional (uma espécie de ministro da presidência), o ex-ministro da Defesa e chefe da Casa Civil, também general Augusto Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente nas eleições de 2022 que perderam para Lula e Gerlado Alckmin. São ainda arguidos o ex-comandante da Marinha Almir Garnier e o ex-diretor da Abin, a agência dos serviços secretos brasileiros, Alexandre Ramagem.
Vão responder pelos crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta da democracia, organização criminosa armada, entre outros crimes graves, que podem levar a penas da ordem dos trinta anos de cadeia.
Tudo está relacionado com os acontecimentos que desembocaram na violência em Brasilia a 8 de janeiro de 2023, que pretendia evitar, através da intervenção das Forças Armadas, que Lula tivesse tomado posse uma semana antes e que pretendia manter Jair Bolsonaro nos Palácios da Alvorada e do Planalto, a título extraordinário e com a suspensão da ordem democrática no país.
Além de muitas declarações públicas do próprio Bolsonaro, a investigação policial reuniu provas documentais que revelam os planos para romper com a legalidade democrática no país, a destituição e prisão de juizes do STF, nomeadamente Alexandre de Moraes, a anulação dos resultados das eleições de outubro de 2022 e a intervenção das Forças Armadas.
Houve, inclusive, uma reunião de Bolsonaro com os chefes de Estado Maior dos três ramos no sentido de aderirem à intentona. Os depoimentos dos comandantes da Força Aérea e Exército foram essenciais para a investigação, bem como a chamada delação premiada de Mauro Cid, homem de mão do ex-presidente. O chefe da Marinha, como já foi referido, estava com Bolsonaro na tentativa golpista.
Há ainda referência, na investigação, a um plano denominado de "Punhal Verde e Amarelo", que previa a detenção e mesmo assassínio de juízes e políticos, sendo Lula da Silva e o vice Alckmin os principais alvos.
A defesa argumenta que todas as discussões e planos nunca passaram do plano teórico, diz que a acusação é absurda, tem procurado dissociar os réus da violência do 8 de janeiro e argumenta que jamais houve uma tentativa de provocar um golpe de Estado. A defesa fez campanha por uma amnistia global e acusa o STF e Alexandre de Moares de instrumentalização da justiça e de perseguição ao homem que não conseguiu ser reeleito, mas a quem os apoiantes continuam a chamar de mito. A defesa, se a decisão não for unânime, pode apresentar recursos que vão certamente fazer demorar a conclusão do processo e pode levar o caso aos tribunais internacionais (além de contar com o apoio explícito de Donald Trump, que já fez avançar sanções contra o juíz Moraes e o Procurador Gonet).
No julgamento de oito sessões até dia 12 de setembro, o juiz que presidiu ao Supremo e é o juiz relator do processo, Alexandre de Moraes, vai votar pela condenação ou absolvição, ao que tudo indica vai condenar, depois seguem-se os juízes Cristiano Zanin (que comanda este colégio de cinco magistrados e é ex-advogado de Lula), Luiz Fux (nomeado por Dilma Rousseff), Carmen Lúcia (veterana do STF e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral) e Flávio Dino (ex-ministro da justiça do atual governo Lula). Nenhum foi nomeado por Bolsonaro, pelo que a condenação é quase certa. São precisas três condenações em cinco. Depois, os chamados ministros do Supremo passam à discussão das penas e a defesa pode, então, apresentar recursos.