Economia

Direito universal ao subsídio de refeição: BE defende "ideia justa e sensata", PS promete discussão com "abertura"

Pedro Correia

Cerca de 40% dos trabalhadores do setor privado (1,7 milhões de pessoas) não recebe subsídio de refeição. O BE vai propor novamente ao Parlamento a obrigatoriedade do pagamento do subsídio de refeição para todos os trabalhadores por conta de outrem

"É uma ideia justa e sensata." É com estes argumentos que o deputado do BE José Soeiro justifica a defesa pelo pagamento do subsídio de refeição a todos os trabalhadores por conta de outrem em Portugal. Ouvido no Fórum TSF, o bloquista confessa esperar que o PS possa acompanhar a proposta quando for discutida na Assembleia da República.

O JN avançou esta quinta-feira que cerca de 40% dos trabalhadores do setor privado (1,7 milhões de pessoas) não recebe subsídio de refeição. O tema vai subir novamente a debate no Parlamento, por iniciativa do BE, depois de, em novembro, a iniciativa ter sido chumbada no Orçamento do Estado para 2025, com os votos contra do PSD, CDS e IL e abstenção do PS.

"É uma ideia justa e sensata, que deve ter todas as condições para recolher um apoio muito maioritário na sociedade portuguesa e também no Parlamento. Os partidos que se abstiveram e não estão contra é possível que sejam trazidos para uma maioria que consagra este novo direito para o conjunto dos trabalhadores", salienta José Soeiro.

O deputado do BE explica que a ideia é fazer com o subsídio de refeição aquilo que se fez com o subsídio de natal, em 1996, altura em que "se entendeu que era preciso generalizar esse direito".

"O subsídio de Natal estava consagrado para a administração pública e, em vários setores, o subsídio de Natal foi sendo incorporado - por negociação entre empregadores e entidades e sindicatos - nas convenções coletivas. Ora, em meados dos anos 90 - na altura era um Governo de António Guterres -, o que se entendeu foi que não fazia sentido que houvesse os trabalhadores a ter e outros a não ter", aponta, acrescentando que a lei passou a consagrar o direito universal ao subsídio de natal.

No caso das empresas que tenham um refeitório próprio, o bloquista entende que "o ideal" é que o trabalhador possa decidir de que forma quer receber o subsídio. Garante por isso que hoje em dia já é "possível consagrar o direito ao subsídio de refeição pago em géneros, ou seja, pago diretamente na alimentação".

"Compreende-se que, havendo, por exemplo, uma cantina, isso possa ser consagrado. Mas é uma questão que também merece alguma discussão, sobretudo no sentido de ampliar as hipóteses e a escolha dos próprios trabalhadores sobre as suas refeições", nota.

Em resposta ao desafio colocado pelo BE, o deputado socialista Tiago Barbosa refere que o partido prefere "esperar" para saber em que condições é que a proposta é apresentada, antes de tomar uma posição definitiva.

Adianta por isso que é pertinente saber de que forma é que esta medida se vai encaixar nas "novas modalidades de trabalho" e nos casos em que os "trabalhos são por turnos". Mas também como é que vai responder em outras situações em que a questão do subsídio de alimentação possa "ser mais complexa de ser aplicada".

O objetivo, diz, é evitar "gerar mais dificuldades do que aquilo que a lei atual já prevê, remetendo para a negociação coletiva" e pôr em causa os "instrumentos de regulação coletiva que já existem".

"Dentro desta orientação, o PS fará essa discussão com toda a abertura", assegura.

Ainda assim, entre as centrais sindicais, parece existir uma opinião unânime: o subsídio de refeição deve ser universal.

Fátima Messias, da comissão executiva da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP), salienta a relevância da aplicação desta medida numa altura em que "o custo de vida e a alimentação subiram tanto o preço". 

Pela União Geral de Trabalhadores (UGT), Soaria Duarte, secretária-geral adjunta, entende que este vencimento deveria estar concebido "enquanto princípio na legislação laboral", até porque, não sendo de caráter obrigatório, "há muitos trabalhadores que ficam excluídos".

"A UGT defende o direito de estes trabalhadores receberem o subsídio de refeição, até para não haver esta discriminação que existe entre a função pública e o setor privado", justifica.

Quem não tem uma perspetiva tão otimista acerca da proposta apresentada pelos bloquistas é João Vieira Lopes, da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal. Critica por isso aquilo que diz ser uma "tendência" em Portugal para "regular e uniformizar tudo e usar o setor público como referência".

"Os setores são diferentes as empresas têm dimensões diferentes e têm capacidades diferentes", destaca.

O "elemento essencial" para definir o subsídio de refeição, para João Vieira Lopes, é a contratação coletiva: "Sendo que, evidentemente, quando se define, define-se o mínimo."

O presidente do Fórum para a Competividade também tem reparos a fazer a esta proposta e aponta, desde logo, que este assunto não devia ser discutido em Assembleia da República, mas antes entre os trabalhadores e as empresas.

Pedro Ferraz da Costa confessa não ver qualquer sentido em alargar este subsídio a todo o país.

"Na maior parte da chamada província, as pessoas vão almoçar a casa, têm outro tipo de despesas. Em Lisboa e no Porto é que há alguns encargos diferentes. Isso devia ser compensado no ordenado. Isso devia ser uma conversa aberta sobre o que é que nós todos podemos fazer para aumentar a produtividade em Portugal, que é muito baixa e é a única maneira durável de aumentar salários", considera.

Já no entender de João Cerejeira, professor da Universidade do Minho e especialista em questões laborais, este assunto deve passar pela concertação social, já que tem implicações diretas para empresas e trabalhadores.

"Vamos supor que, a partir de agora, o subsídio era obrigatório: sendo obrigatório, as empresas até poderiam ter uma estratégia de não aumentar o salário base, por incorporação do próprio subsídio de almoço", lembra.

O BE quer inscrever a obrigatoriedade na lei e quer também fazer subir o valor do subsídio que, no caso da função pública, está nos seis euros, querendo o partido atualizar o valor para os dez euros. De resto, a ideia seria que esse fosse também o valor mínimo para o setor privado.

Cláudia Alves Mendes