João Oliveira, líder da lista comunista e da CDU nas eleições para o Parlamento Europeu. Na TSF, entrevista sobre a guerra na Ucrânia e a posição do PCP, o Médio Oriente, visões sobre a Europa e como recuperar os bastiões do partido. Se for eleito como eurodeputado, garante que continuará com o salário que tem hoje.
Como é que um ucraniano a residir em Portugal olhará para o candidato de um partido que não se manifestou, desde logo mal a invasão aconteceu, contra a invasão russa da Ucrânia?
Se os ucranianos olharem para aquilo que nós dissemos encontrarão aqui a voz solidária e coerente em defesa daquilo que lhes serve, que é uma solução de paz. Quer os ucranianos que vieram para Portugal entre 2014 e 2022, fugidos da guerra, fugidos das perseguições políticas, fugidos das da desgraça das suas vidas, quer os ucranianos que depois 2022 vieram também para Portugal, fugindo outra vez da guerra, fugindo da destruição das suas condições de vida. A nossa posição é a mesma posição em 2014 e 2022 a propósito da Ucrânia, da Palestina do Iémen. Há até uma intervenção feita na Assembleia da República, no próprio dia 24 de Fevereiro que diz isso. Havia já naquela altura, a noção de que havia quem estivesse disposto a sacrificar até ao último ucraniano na estratégia de confrontação com a Rússia, e o povo ucraniano está a ser utilizado como instrumento da estratégia de confrontação com a Rússia. E que o povo ucraniano precisa é de paz, não é de ser um instrumento numa guerra. E quando se fala na na ajuda militar à Ucrânia para se defender, aquilo que se está a dizer é mais armas para a Ucrânia. Os ucranianos continuam a ser carne para canhão nessa estratégia de confrontação com a Rússia. Aquilo que nós dizemos, e tenho a certeza absoluta que todos os caminheiros estão de acordo connosco, é que a solução tem que ser uma solução de paz. É quando nós lemos o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, num artigo como o que escreveu há uns tempos a dizer que o caminho tem que ser a preparação da União Europeia para a guerra, quando nós ouvimos a Presidente da Comissão Europeia, a Senhora Von der Leyen, a anunciar milhares de milhões de euros de gastos com equipamento militar para destruir na Ucrânia, aquilo que devíamos estar a ouvir era a Presidente da Comissão Europeia a dizer assim: ‘nós vamos-nos constituir como intermediário de uma solução de paz, sentando os Estados Unidos, a NATO, Ucrânia, Rússia, todos os países para que se ponha fim ao conflito na Ucrânia.
A União Europeia não tem feito nada pela paz na Ucrânia?
Manifestamente está à vista que não. Aquilo que tem feito é servir a continuação da guerra, por isso é que lhe digo quando nós ouvimos a Senhora Von der Leyen, e o senhor Michel a fazerem declarações daquelas a quererem apontar aos povos europeus o sacrifício das suas vidas para se investir na guerra e destruição, aquilo que deviam estar a ouvir daqueles responsáveis das instituições europeias eram soluções concretas para a paz na Ucrânia, para a paz na Europa, pelo desmantelamento dos arsenais militares e nucleares. Olhe, por exemplo, para o alargamento da subscrição do Tratado de proibição das Armas Nucleares. Já viu o poder que tinha um responsável da instituição Europeia dizer assim: a União Europeia vai fazer uma ação política e diplomática para procurar garantir a subscrição do Tratado de proibição das armas nucleares, para proibir a utilização das armas nucleares. E vamos procurar convencer todos os países do mundo a subscrever aquele Tratado e criar mecanismos para a sua concretização.
Mesmo que fosse Ursula Von der Leyen a propor isso, o PCP votava favoravelmente?
Repare: nós temos a nossa perspetiva daquilo que deve ser a posição soberana do Estado português relativamente ao seu caminho de esenvolvimento. Temos também a nossa perspetiva de que não há política externa que possa corresponder a esse caminho de desenvolvimento soberano que queremos para o nosso país, que não seja feita num contexto Internacional de paz e, portanto, fosse a senhora von der Leyen que assumisse essas posições, seja o Papa Francisco, seja o Presidente do Brasil, seja o Presidente da África do Sul, que neste momento tem posições em defesa da paz, conta com o nosso apoio e conta com a nossa luta. Lamentavelmente, dessas quatro figuras que acabei de referir só Von Der Leyen não tem posições nesse sentido.
Em Setembro do ano passado, a Assembleia da República aprovou um voto de condenação pela realização de eleições promovidas pela Rússia nos territórios ocupados da Ucrânia. O PCP votou contra porque considera que os territórios de Luhansk e Donetsk, Zaporizhzhia e Kherson já não são ucranianos?
Não. Porque considera que manifestamente aquelas iniciativas não tinham nada que ver com a preocupação com as eleições nem com o povo daquelas regiões da Ucrânia. Objetivamente, aquilo era uma ação política que se destinava a dar mais um contributo para essa lógica de confrontação, neste caso política, a partir do órgão de soberania da Assembleia da República com a Federação Russa hoje, o eventualmente contra a Palestina amanhã, noutra circunstância, eventualmente contra outro país qualquer, como já aconteceu noutras circunstâncias. E, portanto, houvesse naquelas iniciativas uma verdadeira preocupação com o povo ucraniano, que reside naqueles territórios com a sua vontade, com as suas aspirações, com as suas condições de vida e não faltaria o nosso voto nessa iniciativa. Agora, manifestamente aquilo que estava em causa não era isso, era era a utilização da Assembleia da República e aquela iniciativa, não tinha preocupação com o povo ucraniano verdadeiramente, mas com o acentuar dessa lógica de confrontação que verdadeiramente aquilo que está na génese da guerra e que tem que ter fim.
Mas se é assim porque é que quando o deputado municipal do PCP em Coimbra, Manuel Pires da Rocha, foi ao Donbass como observador desses supostos atos eleitorais – não reconhecidos internacionalmente – porque é que o PCP escreveu uma nota a dizer "a presença de Pires da Rocha no Donbass é totalmente alheia a qualquer decisão do PCP e as suas declarações só responsabilizam o próprio"?
Porque é verdade. E nós só dizemos a verdade. Essa é objetivamente a verdade, a deslocação deste militante do PCP não tem nada que ver com a decisão do PCP, nem com vontade do PCP e as declarações desse militante não responsabilizam de maneira nenhuma o PCP porque foi um ato individual, uma decisão individual a partir de relações pessoais desse militante do PCP. Portanto, isso não pode vincular o partido de maneira nenhuma.
Como é que vê o actual momento e a perspetiva de evolução futura deste conflito no Médio Oriente, João Oliveira?
Para lhe ser honesto do ponto de vista pessoal, com muita angústia por tudo o que nós vamos encontrando, não na comunicação social mais geral, mas por vários outros meios, imagens de destruição e de morte e de sofrimento com particular nos últimos dias, com bombardeamentos a Rafah, com crianças novamente vítimas daqueles bombardeamentos e, portanto, é com alguma angústia com algum já desespero que vou acompanhando aquela situação na Palestina e, sobretudo, com uma revolta interior, pela hipocrisia, pela duplicidade de critérios da União Europeia em relação a esta situação. Da parte da UE mantém-se um silêncio de verdadeira cumplicidade com a política genocida do Estado de Israel.
Embora haja divergências… a Espanha, segundo notícias desta semana, prepara-se para dia 21 antes de começar a campanha para as eleições para o Parlamento Europeu a reconhecer o Estado palestiniano. Alguns países Irlanda, Eslovénia podem seguir o mesmo caminho. Josep Borrell já tem dado a entender que até é favorável à aplicação de sanções a Israel, mas que reconhece que a Alemanha nunca as vai aceitar. Portanto, é um assunto que, de uma certa forma fratura a própria União Europeia…
Fratura e deixa-a completamente expostas com as contradições da União Europeia. Já viu bem a diferença de valorização da vida de um ucraniano e de um palestiniano? Aparentemente para as instituições europeias, a vida de facto não tem o mesmo valor. É essa incoerência que contrasta com a nossa coerência, porque nós defendemos a paz na Ucrânia, na Palestina, nós exigimos soluções pacíficas, resolução dos conflitos quer na Ucrânia e na Palestina. A CDU continua a exigir o respeito pelo direito Internacional e pela Carta pela Carta das Nações Unidas e pelas resoluções da ONU, seja na Ucrânia, na Palestina. Essa coerência, a nós, orgulha-nos. Nós nunca defendemos o envio de armas para a Ucrânia, como também não defendemos o envio de armas para a Palestina, para os Palestinianos se defenderem de Israel. Aquilo que nós exigimos é uma solução de paz num sítio e noutro. A União Europeia é cúmplice do genocídio que está a acontecer neste momento ao povo palestiniano, do massacre que está a ser feito a um povo pelas forças armadas de um país que age impunemente, sem qualquer tipo de rebuço relativamente à às barbaridades que está a fazer, com mais de mil mortos e feridos em Rafah, desde os bombardeamentos que têm sido feitos com completo desrespeito, uma completa desumanização daquelas pessoas e, perante isto, a União Europeia não é capaz de condenar essa política genocida. Não é capaz sequer de recusar o acordo de associação com Israel e de retirar o estatuto de parecer preferencial da União Europeia. Não é capaz sequer de exigir o acesso imediato do apoio humanitário. Não é capaz de exigir o cumprimento das resoluções das Nações Unidas para a instituição dos dois Estados, para o regresso dos refugiados palestinianos. Essa duplicidade é inconcebível, é insuportável. Não é possível nós olharmos para o futuro da humanidade e acharmos que é com este caminho vamos a algum lado… O que precisamos de mobilizar é a ciência, a tecnologia e o progresso a favor da justiça social, do desenvolvimento, da melhoria das condições de vida dos povos. Mas aquilo que vemos é exatamente o oposto, todo o requinte científico e tecnológico tem sido posto na guerra e no refinamento do armamento e que devia estar a servir para resolver problemas de saúde para resolver problemas da habitação, para resolver os problemas dos transportes das populações, para resolver os problemas da melhoria das suas condições de vida, das suas condições de trabalho para garantir que, com o progresso científico e tecnológico, tivéssemos menos gente a sofrer com doenças, a sofrer com os mais diversos tipos de expressões de carências, ou seja, alimentares, seja o que for. Ao contrário, aquilo para que nos estão a empurrar, é para um caminho de destruição e de morte e de sofrimento. Essa batalha tem que ser uma batalha, de facto, prioritária para quem for eleito para o Parlamento Europeu.
Não posso deixar de lhe perguntar se não acha que o Partido Comunista a 24 de fevereiro de 2022, perdeu uma belíssima oportunidade de dizer: ‘não, aquilo que existe em Moscovo hoje, o Partido Rússia Livre, não tem nada a ver com o PCP, aquilo não é comunismo, nós não temos nada a ver com aquilo…
Nós dissemo-lo 10 dias depois…
Isso é muito tempo…
Porque não percebemos que ninguém tinha percebido. Quer dizer, de repente, ninguém percebeu que a Rússia é Hoje um país capitalista. Isto é uma coisa que não nos passava muito pela cabeça. O PCP tem alguma coisa que ver com a Rússia capitalista, com os monopólios, os grupos económicos na Rússia que se aproveitam da selvageria que é o capitalismo? Nada! Nunca nos passou pela cabeça que alguém procurasse criar essa confusão. Mas dez dias depois, o meu camarada Jerónimo de Sousa, num comício no Campo Pequeno, disse, com todas as letras. Curiosamente, essa foi uma das passagens mais apagadas da nossa comunicação. Eu Não vou crer que foi por desatenção, nem foi por falta de compreensão daquilo que estávamos a dizer. Verdadeiramente, aquilo que aconteceu do dia 24 de fevereiro de 2022 até hoje, é aquilo que acontece em todas as circunstâncias em que os tambores da guerra começam a ouvir-se, que é o silenciamento de quem defende a paz. Isso é sempre assim.
Hoje em dia pouca gente fala no campo da paz em Israel…
A circunstância em que se começa a ouvir os tambores da guerra é a mesma circunstância em que se calam todas as vozes pela paz e na circunstância em que em Portugal só o PCP teve a firmeza de dizer: ‘aquilo que está a preparar é uma catástrofe e tem que se parar agora já com uma exigência de paz’. Isso foi completamente silenciado e toda a mensagem que nós fizemos nesse sentido foi deturpada. Foi amesquinhada, foi dissolvida nos objetivos exatamente opostos a esses. Eventualmente, a esperança era de que com todo esse aperto político, nós mudássemos de posição e passássemos a acompanhar aqueles que defendiam a guerra. Nós mantemo-nos coerentes a defender a paz e mantemos até pelo percurso que fizemos com condições bem mais difíceis do que aquelas que temos hoje no nosso país, quando lutámos contra o fascismo e contra a guerra colonial.
Mas admite que haja partidos, sendo partidos de esquerda ou partidos de direita que nessa altura, apesar de criticarem abertamente a invasão da Ucrânia pela Rússia, também querem a paz?
Nós não estamos a tratar de coisas que as pessoas tenham descoberto pela primeira vez naquela circunstância. A guerra na Ucrânia já estava lá há 8 anos desde 2014, desde 2014 que havia guerra na Ucrânia. Desde 2014 que nós chamámos a atenção para a guerra que havia na Ucrânia. E até houve deputados do PSD que se riram na cara em algumas circunstâncias em que discutimos isso, como com o atual Presidente da Assembleia da República, que era então Ministro da Defesa. Houve deputados do PSD que se riram, quando nós falámos da situação que se está a viver na Ucrània. Houve um percurso de 8 anos…
Morreram quase 15 mil pessoas…
Quinze mil pessoas que morreram durante aqueles oito anos. Houve um percurso que foi feito para que a guerra atingisse aquelas proporções e nós fomos sempre denunciando. Ninguém pode dizer que não sabia daquilo que estava a acontecer. Nem ninguém pode dizer hoje que o caminho é a continuação da guerra na Ucrânia como solução para o que quer que seja. A solução tem que ser uma solução de paz com um cessar-fogo imediato, uma solução que exige a ação política e diplomática para sentar à mesa Ucrânia, Rússia, os Estados Unidos, a NATO para garantir uma solução de paz na Ucrânia e uma solução de paz para toda a Europa. Eu insisto neste aspeto: os princípios que ficaram consagrados na ata final da Conferência de Helsínquia , que fará para o ano 50 anos, continuam a ser hoje a base de que devemos partir para encontrar uma solução de segurança, de cooperação, de paz na Europa e no resto do mundo.
Há dias, na apresentação do programa europeu da AD, o mandatário nacional de Sebastião Bugalho, ex-comissário europeu e presidente da CML Carlos Moedas afirmou que… passo a citar a frase divulgada na notícia da agencia Lusa… "Podem escolher entre a extrema-direita e extrema-esquerda, com uma garantia: vão votar todos da mesma maneira. Os portugueses que votam no Chega, no BE, no PCP, sabem que, na maioria das vezes, o voto no Parlamento Europeu é conjunto e votam em destruir o sistema, todos juntos", disse. … como é que comenta isto?
São declarações de quem tem um peso muito grande às costas pelo caminho que tem aberto à extrema direita, porque objetivamente as políticas neoliberais de que o PSD tem sido protagonista…
São declarações de um alentejano e filho de um comunista…
É, e já agora, um péssimo exemplo para o percurso que os filhos devem ter em relação aos pais, mas o percurso que têm e as responsabilidades que têm na abertura do espaço para que a extrema-direita ganhe campo é, de facto, um peso grande às costas e eu percebo que que isso seja dito. Até por outro aspecto: então procurar, digamos assim, amarrar os povos europeus à ideia de que têm que escolher entre a parede do neoliberalismo ou a espada da extrema-direita. Ora verdadeiramente, a opção que está em causa não é essa; a verdadeira opção que está em causa, é um neoliberalismo e a extrema-direita, que são duas expressões diferentes da mesma política que serve os interesses económicos, em prejuízo dos povos ou a alternativa de termos uma Europa de paz, de cooperação e de progresso, uma Europa dos trabalhadores e dos povos, pela qual a CDU se bate. Não há coincidência nem confusão possível entre as posições da CDU e as posições da extrema-direita, aliás pelo contrário. A CDU rejeita por completo soluções autárcicas de autossuficiência, de isolacionismo e rejeitamos por completo concepções de chauvinismo, de nacionalismo, racismo e de xenofobia. A extrema-direita é isso tudo. Nós rejeitamos por completo concepções de estreitamento ou destruição da democracia na sua dimensão política, económica, social e cultural. A extrema-direita é o projecto que tem. Nós rejeitamos em absoluto relações internacionais que diminuam a soberania e a democracia. O objetivo de construção de aprofundamento da democracia de cada povo. A extrema-direita quer é acabar com a democracia política, quanto mais falar de democracia económica, social e cultural! Não há confusão possível entre isso, e mesmo quem procura fazer uma confusão entre uma posição de defesa da soberania nacional que a CDU assume, com as posições nacionalistas da extrema-direita é só porque não está a ver as coisas, porque não há confusão nenhuma entre uma coisa e outra. Uma concepção de defesa da soberania nacional não é apenas a afirmação de que temos que ter capacidade de decidir por nós próprios: é o povo tem que ter capacidade de decidir por si políticas que lhes sirvam. Uma afirmação nacionalista que a extrema-direita faz, por exemplo, em muitas circunstâncias no Parlamento Europeu, tem um objetivo completamente diferente, a extrema-direita quer eventualmente dar uma expressão nacional, a capacidade de decisão, mas para que sejam os grupos económicos a decidir a seu favor e em prejuízo dos seus povos. Ora, não há possibilidade de confusão entre uma perspetiva e outra. O nosso projeto político de aprofundamento da democracia, do progresso social e de justiça social e de igualdade é exatamente o oposto daquilo que a extrema direita defende e protagoniza. Agora, há uma questão objectiva: se a extrema-direita deixar às claras o projeto político que tem e o posicionamento que assume, não recolhe apoios de ninguém, porque ninguém quer viver num país pior, com menos direitos e com menos democracia. E, portanto, a extrema-direita, aquilo que tem feito por toda a Europa e que faz também em Portugal, é apropriar-se falsamente de preocupações do povo, dos trabalhadores, das preocupações das populações, preocupações que são genuinamente sentidas pelo povo, não para lhes dar resposta, mas para se aproveitar do ponto de vista eleitoral dessa força para depois fazer exatamente o contrário. Basta olhar para os países onde a extrema-direita já está no governo para perceber quais foram os problemas dos povos que foram resolvidos: zero! É uma política ainda mais contra os povos e a favor dos interesses económicos. Essa apropriação que a extrema-direita faz de causas justas não torna justos os projetos da extrema-direita, pelo contrário, obriga é a um maior alerta democrático para que ninguém se deixe enganar com essas conversas de vendedor de banha da cobra que assumem os protagonistas da extrema-direita.
O seu secretário-geral, Paulo Raimundo, desafiou há dias o primeiro-ministro a olhar para a coesão nacional antes de falar em deixar de ser um país da coesão na UE, defendendo que só se consegue ajudar outros resolvendo primeiro os problemas internos… acredito que partilhe desta opinião,mas pergunto-lhe se um país não deve ter ambições em deixar de ser economicamente tão dependente dos fundos comunitários?
Essa pessoa pergunta exige duas referências diretas. Primeiro, as declarações que são feitas pelo Primeiro-Ministro são declarações de quem está a querer pôr as barbas de molho e quem já desistiu de lutar. O primeiro-ministro está a ver a perspetiva do alargamento da União Europeia e aquilo que está a dizer com essa frase é que, por vontade do Primeiro-Ministro de Portugal, não haverá qualquer intervenção para nos batermos por um orçamento maior da União Europeia e por uma compensação maior a Portugal por aquilo que Portugal sofre com as políticas europeias. É isso que essa afirmação do primeiro-ministro significa. E, portanto, perante um Primeiro-Ministro que pura e simplesmente desiste de se bater pelos interesses do seu país, a CDU por nós, o meu camarada Paulo Raimundo apontou uma perspetiva diferente. Segundo lugar: os fundos comunitários são uma compensação que uns países recebem e outros pagam, porque uns são prejudicados e outros beneficiados pelas políticas europeias, pelo mercado único, pelas políticas comuns do euro. A Alemanha, a França, a Itália, a Espanha - ainda assim, em circunstâncias diferenciadas, - países que retiram benefícios das políticas europeias, são obrigados a compensar os países que são prejudicados pelas políticas europeias. Sabe qual é o balanço do deve e haver? Desde 1996 até hoje entraram em Portugal 101 mil milhões de euros de fundos comunitários e saíram do país 168 mil milhões, entre juros, rendas, dividendos e lucros que forma exportados do país para fora. Ou seja, os fundos comunitários que Portugal tem recebido nem sequer chegam para compensar a saída de recursos do nosso país em consequência dessas políticas europeias no mercado das regras do mercado único, das políticas comuns, das regras do euro. O que é que isto significa? Que Portugal tem que exigir uma compensação por esses prejuízos; e isso significa o quê? Significa exigir recursos comunitários em maior dimensão para que Portugal tenha pelo menos os recursos que compensem os prejuízos que sofremos. E tem que exigir outra coisa: que esses recursos sejam utilizados em função das nossas necessidades e não dos critérios que a União Europeia nos impõe. Podia dar-lhe muitos exemplos, vou dar-lhe apenas um. Portugal não tem o seu território nacional coberto com uma rede ferroviária que sirva à mobilidade das populações no transporte de mercadorias. Para dinamizar a atividade económica, nós precisamos de fazer um investimento no transporte ferroviário que cubra todo o território nacional em função das necessidades da população e da função do transporte de mercadorias. A União Europeia diz-nos que o financiamento comunitário para investimentos em rede ferroviária só para ligações internacionais. Isto serve o país? Não! Porque é que nos fundos comunitários que nós recebemos para nos compensar os prejuízos que sofremos com as com as políticas europeias, nós não vamos ter a capacidade de dizer: estes são os fundos que nós recebemos para nos compensar desses prejuízos, vamos lá ver como é que nós os utilizamos, primeiro para, amanhã, os prejuízos serem mais pequenos; segundo, para ver se resolvemos os problemas de hoje e conseguimos preparar o país melhor para os desafios e para os problemas de amanhã? Terceiro, para ver se utilizando desses fundos comunitários, nós conseguimos garantir que a sua utilização fica no país, porque essa é uma outra dimensão muito relevante. Estive há pouco tempo a visitar uma fábrica no distrito de Leiria que, recorrendo a financiamentos comunitários, fez uma modernização, dos seus processos produtivos e fez um investimento em maquinaria particularmente dirigida às áreas do embalamento. Recebemos fundos comunitários para isso. Sabe a quem é que foram comprar os robôs para fazer o embalamento da mercadoria? À Alemanha. Porque nos planos que a União Europeia tem para os vários países, a Alemanha produz robôs, foguetões, telescópios e nós vendemos semanas de sol e praia. Ora, os países podem dar aos seus cidadãos as mesmas perspetivas de futuro. Mas fazendo isto, enquanto os alemães empregam engenheiros e operários qualificados, enquanto investem na investigação e na ciência e na tecnologia para as aplicar, então nós empurrados para uma economia afunilada no setor dos serviços e em particular no turismo, conseguimos fazer isso? Qual é a perspetiva de emprego que nós damos aos cientistas, aos técnicos, aos operarios qualificados, aos engenheiros, a todas aquelas pessoas que se especializam na sua formação? Não é apenas só em relação à organização da sua vida, em relação aos salários que pagamos, é em relação às perspetivas de desenvolvimento do país. Quais são as perspectivas que nós podemos dar ao nosso país se ficarmos amarrados? Nós não podemos aceitar uma coisa dessa e também devemos utilizar os fundos comunitários, não para que Portugal seja uma porta giratória, quer dizer, a Alemanha contribuiu para o para o orçamento da União Europeia, nós recebemos os fundos comunitários, mas depois vamos utilizá-los para comprar os robôs da Alemanha que a Alemanha produz e que nós não conseguimos produzir por não termos como capacidades para isso. Nós temos que utilizar os fundos comunitários também para inverter essa circunstância, nomeadamente com o apoio ao desenvolvimento das indústrias de base. Isso são questões absolutamente essenciais, não apenas para dar resposta ao défice produtivo que temos, mas sobretudo para prepararmos o país para sermos um país mais desenvolvido, com mais progresso, com capacidade para pagar melhores salários, para garantir perspectivas de vida aos jovens mais qualificados, que hoje são obrigados a ir para o estrangeiro, forçados à emigração.
O que é que o partido deve fazer para recuperar o apoio dos eleitores em territórios que chegaram a ser considerados bastiões comunistas, como a margem sul do tejo ou o Alentejo?
Devemos insistir com mais força naquilo que temos feito na nossa luta todos os dias, ao lado dos trabalhadores, na exigência das suas melhorias, das condições de trabalho ao lado dos pequenos e médios empresários, nas exigências que fazem de uma política que sirva ao desenvolvimento da sua atividade e que nos proteja, por exemplo, da concorrência selvagem com outros países e dos acordos comerciais que a União Europeia vai impondo e que os nossos setores produtivos são entregues com moeda de troca à abertura de mercados para a produção industrial da Alemanha e da França ou da Itália. Precisamos de estar ao lado das nossas pequenas e médias empresas a defender uma política que sirva de desenvolvimento da sua atividade. Precisamos de estar ao lado dos reformados na luta que fazem por melhores pensões e por melhores condições de vida, enfrentando as imposições da União Europeia, querem transformar o sistema Público, a segurança social na roleta do mercado, no fundo de pensões privados…
Mas quando falou na concorrência desleal, também pensou na China?
Na China, em todo lado. Repare uma coisa, sabe? Não a dificuldade disso é que a nossa coerência, de facto, incomoda muita gente. Quando o PCP se opôs aos acordos comerciais, não foi só com a China, foi com outros países asiáticos a quem entregaram o nosso setor têxtil como moeda de troca por parte da União Europeia em benefício da Alemanha e da França que passaram a ter mercados abertos para a sua produção industrial, nós fomos quem se bateu contra esses acordos comerciais, com a posição patriótica e de concepção de um caminho de desenvolvimento soberano que tínhamos nessa altura e continuamos a ter hoje. Verdadeiramente, é isso que está em causa. É a coerência e a firmeza para defender os interesses do desenvolvimento do nosso país e da resposta às necessidades do nosso povo. Não é numa lógica de isolamento e numa lógica de relacionamento com os outros, abdicando daquilo que é essencial para o nosso desenvolvimento e para o nosso futuro.
Há um sentimento na opinião pública, por vezes, de que os eurodeputados ganham uma montanha de dinheiro… também se diz que os deputados comunistas entregam uma boa parte do salário ao partido. Se for eleito, como é que vai ser no seu caso, já pensou nisso ou está definido pelo PCP?
É provavelmente a única resposta ou a única pergunta para a qual ainda não tenho resposta, porque objetivamente não sei quanto é que ganham um deputado no Parlamento Europeu. Aquilo que vos posso dar conta, posso dizer-lhe, com toda a certeza, que continuarei a viver com o salário que tenho.
A sua Europa é a Europa dos 27 ou a Europa do Atlântico aos Urais?
Não, é uma Europa de Estados e de povos iguais em direitos e soberanos. Que não tem que se esgotara nas fronteiras geográficas que o continente europeu impõe, que devia ser até uma Europa que se construísse na relação com os outros que estão aqui ao pé, nomeadamente do outro lado do Mediterrâneo, nomeadamente a Ocidente do continente europeu, seja no continente americano, a norte ou a sul. A concepção da Europa que tenho não é uma Europa fechada nas fronteiras das placas geológicas.
Portanto, não é a Europa idealizada por Mikhail Gorbatchov?
Não, é a Europa idealizada em função da reflexão que os comunistas portugueses têm há 103 anos, que é uma Europa de facto muito diferente desta que temos hoje. É objetivamente uma Europa dos trabalhadores e dos povos que, mais do que dar para fronteiras e fortalezas que se possam erguer com os muros que nos querem fechar em relação a uns ou a outros, verdadeiramente possa ser uma Europa aberta de relação com todos os povos do mundo; que não apenas contribua para o mundo com aquilo que tem, mas também que receba do mundo e saiba construir a partir dos contributos que de vários pontos do mundo podem ser recebidos. Eu julgo que particularmente Portugal, que tem 800 e tal anos de de História com fronteiras mais ou menos estabilizadas, independentemente da da celeuma a propósito de Olivença, que pelos vistos é uma das é uma das duas quinas a acrescentar às cinco que temos para chegar às sete, independentemente de tudo isso, temos uma história longa de relacionamento com outros povos e de construção da nossa própria identidade a partir dessa relação irmã e amiga com outros povos e acho que isso é também um bom critério para a construção da Europa.
Falou de fronteiras, falou de abertura, várias vezes de paz, de diálogo, de construção, de relações. Vai dialogar com os outros deputados portugueses de todas as forças políticas, se for eleito?
Olhe, eu acho que nunca deixei de falar a nenhum deputado da Assembleia da República, porque é que haveria de fazer o contrário no Parlamento Europeu? Eu habituei-me a falar com toda a gente, e a discutir com toda a gente. Há, de facto, forças políticas com quem o diálogo não tem muito para andar, considerando o mar que nos separa de concepções políticas, sociais e até filosófico, humanista, particularmente com a extrema-direita; em relação à extrema-direita, não consigo ver como é que esse diálogo pode ser feito. Agora, com as outras forças habituei-me na Assembleia da República a discutir e debater, a falar com todos os outros deputados e confrontar as opiniões e posições, independentemente de quem é de quem tem mais ou menos força para fazer vencer os seus argumentos. Penso que é um hábito que nunca perdi e portanto espero que no Parlamento Europeu isso não aconteça.