Política

Zelensky em Portugal, a Ucrânia e os inimigos da Europa

Pierre-Philippe Marcou/AFP

Zelensky pede que o Ocidente use "todos os meios" para "forçar a Rússia à paz". Está em Portugal, esta tarde, depois da visita à Bélgica e a Espanha, para assinar com Montenegro um acordo que vincula o apoio português ao estado ucraniano nos próximos dez anos, em termos políticos, financeiros, humanitários e militares

Uma sondagem do European Council on Foreign Relations (Conselho Europeu de Relações Extrernas) questionou mais de 25 mil cidadãos de onze países da UE (incluindo Portugal), Reino Unido e Suiça, sobre temas que dizem bastante aos eleitores europeus, quando estamos a menos de duas semanas das eleições: "Se dependesse de si, a Europa deveria empurrar a Ucrânia para a negociação de um acordo de paz com a Rússia, ou a Europa deveria apoiar a Ucrânia na luta contra o Kremilin para recuperar os territórios ocupada pela Rússia?" Os dados portugueses são muito semelhantes aos polacos, no sentido de um forte apoio à Ucrânia, o que para o diretor deste think tank, Mark Leonard, é bastante interessante:

"É muito, muito diferente da situação na Hungria, Grécia, Itália. Ou mesmo em Espanha: é bastante dramática a forma como os entrevistados portugueses estão motivados na luta ucraniana. Também tentámos ver como a situação na Ucrânia está a evoluir atualmente. Muitas pessoas estão bastante focadas nas eleições nos Estados Unidos da América e Putin certamente espera que, se não conseguir vencer a guerra no campo de batalha, que a situação nas urnas lhe trará uma vitória e que se Donald Trump for eleito e cumpra a sua promessa" de pôr fim ao conflito em 24 horas, o que seria "uma derrota de facto para a Ucrânia". O ECFR perguntou aos eleitores o que fariam se isso acontecesse: "Se consideravam que o seu governo deveria continuar a apoiar a Ucrânia da forma como tem feito até agora, ou se deveriam aumentar o apoio e tentar substituir a ajuda dos EUA caso esta tenha sido interrompida por Donald Trump."

Ou, por outro lado, "se deveriam seguir os EUA na limitação do apoio à Ucrânia e encorajar um acordo de paz com a Rússia". "O que é bastante interessante é que, embora os europeus estejam bastante pessimistas quanto às possibilidades de a Ucrânia recuperar todo o seu território, não estão dispostos a apaziguamento. E na maioria dos países, a maior parte das pessoas quer continuar a apoiar a Ucrânia nos níveis atuais ou aumentar o apoio para tentar substituir a contribuição dos EUA. E, mais uma vez, Portugal está, está muito no extremo mais ativista do espectro, ao lado da Polónia e da Suécia, e muito longe de países como a Hungria e a Roménia, que estão mais dispostos a empurrar a Ucrânia para resolver através de um acordo".

Ao ler os resultados da sondagem do ECFR, o ex-MNE João Gomes Cravinho diz que "os europeus e os portugueses entendem bem em que ponto estamos, mas não são muito consistentes no que diz respeito ao que precisa ser feito" e, particularmente, no que diz respeito à previsão de um aumento de peso da extrema direita. Até porque, acredita o ex-governante, "o que está em causa vai muito além dos equilíbrios entre as duas famílias" com partidos de direita populista, mais ou menos radicais, isto é, entre os conservadores reformistas onde está o Vox espanhol e a Identidade&Democracia onde está a Afd alemã:

"A suspeita que tenho é que o maior impacto será no PPE porque o PPE ficará fortemente tentado a dividir-se para seguir política por política, seja com a Grande Coligação, com os Socialistas e Democratas e com os liberais do Renew ou, por outro lado, com a extrema direita, dependendo do assunto. E isto enfraquece tremendamente a Europa. Se a Europa não tiver políticas externas baseadas na grande coligação", será facilmente vítima da possibilidade de uma presidência Trump, que será extremamente unilateralista.

Então, "ironicamente, na verdade, uma das conclusões que temos ao olhar para este quadro é que a pior coisa que podemos ter no contexto de uma possível presidência de Trump são muitos apoiantes de Trump na Europa. Porque temos muitos apoiantes de Trump na Europa. Eles não conseguirão nada de Trump. Trump não está interessado na relação transatlântica. Mas enfraquecerão tremendamente a nossa capacidade de agir de forma coerente e de ser geopoliticamente consistente como Europa. Então, eu diria que temos boas e más notícias. A boa notícia é o sentimento subjacente da maioria dos europeus de reconhecimento de onde estamos. A má notícia é o que esperamos que aconteça nas eleições europeias do próximo mês".

A também ex-chefe da diplomacia portuguesa Teresa Patrício Gouveia afirma que "o medo da extrema-direita não é um bom argumento para mobilizar o público. Acho que temos que explicar os riscos que a extrema direita representa para a União Europeia porque eles têm como intenção declarada alterar a natureza da União Europeia, foi declarado expressamente e muito abertamente por Orban e por outros, que este é o seu papel. E então temos de explicar corretamente para sermos entendidos: "Como estão os riscos para nós também? Especialmente os jovens, devem compreender que se a Europa deixar de ser o que é hoje, será negativo para a circulação das gerações mais jovens, para os empregos, para tudo. Então eu acho que tem que haver uma explicação sobre os riscos, mas não apenas."

Cravinho antecipa um ano complicado e não apenas pela eleição nos Estados Unidos:

"Não se trata apenas de Trump. O mundo está a mudar. A América está a mudar. Deveríamos deixar bem claro que dentro de 10 anos a aliança transatlântica e o investimento dos EUA na defesa da Europa serão substancialmente menores do que são agora. Com Trump, isso será fortemente acelerado, será uma aterragem muito difícil. Mas sem Trump, se Biden for eleito, deveríamos, de qualquer forma, avançar no sentido da autonomia estratégica. Penso que, caso Trump seja eleito, a manutenção da viabilidade da NATO terá de ser uma grande prioridade que inclui, claro, que todos atinjam a marca dos 2% antes do que foi anunciado. Isso é essencial porque Trump é transacional. Esse é o seu argumento central. O Artigo 3 é aquele que diz que todos contribuem para os custos comuns e ele é transacional. Ele pensa apenas nesses termos."

"Assim, no Senado dos EUA, estabeleceram uma legislação que obrigará o presidente, qualquer pessoa que pretenda retirar o país da NATO, a ir ao Senado, para ter autorização do Senado. Legalmente é questionável, mas em qualquer caso, a capacidade de um presidente dos EUA para minar a NATO é enorme". Pensa Cravinho que, do lado europeu, será preciso fazer duas coisas: em primeiro lugar, "precisamos de reforçar significativamente o pilar europeu na NATO, mas em estreito diálogo com a Turquia e com o Reino Unido, porque precisamos que esses países estejam a bordo. Estes são os principais pilares da NATO fora da UE; e, mais amplamente, eu diria que dentro da União Europeia precisamos também de ter uma discussão sobre como criar uma plataforma de entendimento com um Reino Unido pós-eleitoral que seja receptivo a ter uma conversa estratégica séria sobre como os nossos interesses comuns, que podem ser melhor servidos trabalhando em conjunto. Não foi possível até agora, mas penso que agora, e falei com os trabalhistas (na oposição do Reino Unido, mas que, de momento, lideram de forma categórica as sondagens para as eleições antecipadas para julho), penso que eles estão muito disponíveis para essa conversa e isto terá de ser uma parte central da sobrevivência a uma possível presidência de Trump e também constituindo o que precisamos que a NATO seja no futuro, mesmo sem uma presidência Trump".

 O ex-chefe da diplomacia portuguesa destaca o que podem vir a ser regras mais flexíveis para a entrada de países candidatos à União Europeia: 

"Como primeiro-ministro António Costa levou a cabo uma conversa, bastante bem sucedida aliás, já que no início, há dois anos, ninguém queria ouvir falar disso. E então, no ano passado, falou-se muito sobre como podemos flexibilizar. Para que tenhamos, - estamos ainda à procura dos termos certos -, mas sim, de uma Europa a multi-velocidades, o que permitiria que os países entrassem em diferentes acordos com a União Europeia e em diferentes círculos gravitacionais. E não sei se o novo governo… não creio que já tenha definido a sua posição sobre isto, mas é inevitável que tenhamos alguma. Temos de repensar o nosso funcionamento institucional sem rever os tratados. Os tratados têm flexibilidade suficiente. As cláusulas é que não foram exploradas adequadamente. E então penso que há muitas oportunidades para olharmos de forma muito mais realista os mecanismos que podemos desenhar. Termos a Moldova no nosso grupo sem que seja tudo a preto e branco, sim ou não, dentro ou fora."

Também na mesa, o ex-primeiro-ministro adjunto e ex-MNE da Moldova Nicu Popescu respondeu a uma pergunta da plateia ao jeito de quem diz: "olhem para a História ou… basta fazer as contas":

"Um pouco mais de noção de história, acho que é necessário. Então, entre a Revolução dos Cravos em 74 e o Portugal europeu, foram 11-12 anos em 1986, certo? Sinto muito, não quero ser rude, mas a Alemanha criou as comunidades europeias do aço e do carvão sete anos depois de Hitler.E vocês conhecem o histórico de democracia, o histórico de países como a Moldova ou da Ucrânia, com todas as dificuldades que teve, tem um historial sólido segundo os padrões das rondas anteriores de criação ou alargamento da UE. Portanto, é claro que precisamos de salvaguardas. Podemos fazer a monitorização pós-adesão, podemos fazer todo o tipo de condicionalidades e desembolso de fundos. Mas a Moldova é há 30 anos uma democracia!"

O diretor do ECFR explica que a guerra na Ucrânia nos remete para questões mais amplas do que a própria segurança europeia:

"Penso que o que aconteceu na Ucrânia não foi apenas uma crise de segurança. Penso que foi uma crise de identidade e que levou a grandes debates sobre o hard power, sobre a interdependência, sobre a importância das fronteiras, sobre se a soberania é importante. E estamos a ver, eu acho, uma espécie de alerta agressivo para muitas das histórias que contávamos a nós próprios sobre a forma como o mundo funciona, mas eu penso que estamos no meio de uma espécie de reconstrução do projecto europeu e da  identidade da União Europeia e das identidades nacionais em muitos países diferentes. E as pessoas também estão a usar a situação como arma para fazer avançar essas agendas. Portanto, são ideias muito diferentes sobre a identidade europeia que estão a ser apresentadas". Mas, fundamentalmente, considera Leonard, "grande parte da energia da integração europeia virá da situação de segurança em que nos encontramos neste momento. Enquanto o antigo projecto europeu tratava de lidar com as diferenças entre Estados-Membros da UE, creio que o futuro consistirá em ajudar todos os Estados-Membros da UE a lidar com o mundo, o que é muito mais desafiador. E penso que é uma dinâmica muito diferente, onde o que está a impulsionar a integração europeia não é apenas remover barreiras entre a França e a Alemanha e outros países e reuni-los, mas ajudar-nos a todos a lidar com Donald Trump, com Xi Jinping, com Vladimir Putin . E isso significa uma diferença bastante radical entre a forma como a política funciona dentro da UE e como funciona com o mundo exterior. E penso que isso é algo diferente da forma como pensámos sobre a integração europeia durante a maior parte das últimas décadas."

O novo programa TSF Europa pode ser ouvido de segunda a sexta-feira às 09h15 e às 18h15. Já as entrevistas na íntegra com os cabeças de lista às europeias podem ser ouvidas depois das 16h00 e sempre em TSF.pt até às eleições.

Ricardo Alexandre