Sociedade

"Equação impossível" e "momento inoportuno": médicos, associações e sindicatos avisam que cortes na saúde vão ter consequências

Foto: Leonel de Castro/Global Imagens (arquivo)

A redução de gastos na área da saúde subiu a debate no Fórum TSF. O bastonário da Ordem dos Médicos, os administradores hospitalares e os sindicatos criticam a medida do Governo

A direção-executiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) informou as unidades locais de saúde que terão de cortar 10% na rubrica de fornecimentos e serviços externos, em linha com o que está definido na proposta do Orçamento do Estado para 2026, que prevê uma redução de quase 900 milhões de euros na saúde. O tema subiu a debate no Fórum TSF: a associação dos administradores hospitalares e o bastonário da Ordem dos Médicos dizem ser impossível fazer esses cortes sem que tenham impacto nos cuidados que são prestados aos utentes.

Na quarta-feira, o jornal Público adiantou que, numa reunião com as administrações das unidades locais de saúde, a direção-executiva do SNS instruiu os hospitais a cortarem na despesa em 2026, mesmo que isso implique desacelerar o número de cirurgias e consultas. Esta medida implica também uma menor aquisição de medicamentos, prestadores de serviço e contratações de recursos humanos. A direção-executiva do SNS desmentiu que tenha sido esse o conteúdo da reunião, mas Álvaro Almeida não deu nenhuma explicação. Mais tarde, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, desmentiu a existência de cortes.

O Orçamento do Estado para 2026 prevê um corte de 10% em relação à aquisição de bens e serviços. No Fórum TSF, Xavier Barreto, presidente da associação dos administradores hospitalares, diz não ter dúvidas em afirmar que, com menos dinheiro, há consequências para as pessoas.

"Terá de ser o Governo a explicar-nos quais são essas medidas que permitem reduzir de esse montante. Sabemos que existem aqui três ou quatro áreas onde poderão existir reduções de custos. Todos os profissionais contratados pelas ULS têm uma justificação. Depois, falam-nos dos tarefeiros: o custo com tarefeiros, no ano passado, foi de 230 milhões de euros aproximadamente. Mesmo que reduzíssemos este valor a metade, será uma redução, apesar de tudo muito pequena, quando falamos em mais de 800 milhões de euros, que, ao que parece, terão de ser reduzidos", começa por explicar Xavier Barreto.

O responsável vai ainda mais longe: "Depois falam-nos da produção adicional. Se reduzirmos a produção adicional, estes doentes saem para o setor privado e social e o custo acaba por acontecer na mesma." Assim, considera, "da forma como o Orçamento do Estado está apresentado não nos permite antever como vamos conseguir reduzir 800 milhões de euros".

"Tudo isto num contexto em que temos listas de espera aumentar e é preciso aumentar a atividade para responder a estas listas de espera."

No mesmo sentido, Carlos Cortes entende que é impossível fazer o que o Governo quer. O bastonário da Ordem dos Médicos afirma que esses cortes existem, apesar do que disse o primeiro-ministro.

"Há cortes nestas rubricas que são vitais para o funcionamento das instituições do SNS, dos hospitais, dos centros de saúde e há uma instrução, na prática, dada pela direção-executiva aos conselhos de administração dos hospitais, que eles próprios reportaram que é uma equação impossível de se resolver", sublinha.

Por um lado, diz o bastonário, "não se pode pedir para cortar na despesa corrente" e, ao mesmo tempo, "pedir que os hospitais deem a resposta que são obrigadas a dar".

"Esta medida que foi transmitida aos conselhos de administração é inoportuna. O momento é de reconstruir e termos soluções adequadas para poder manter o rigor orçamental, mas que jamais poderão passar por sacrificar os doentes perante o Serviço Nacional de Saúde."

Bruno Moreno, vice-presidente da Associação das Unidades de Saúde Familiares, não percebe como o Governo chegou à conclusão que é necessário cortar quase 900 milhões de euros.

"Não tenho dados para perceber que estudos foram feitos e se estes 10% são uma expectativa ou se são baseados em dados reais. Temos noção que haverá necessidade de fazer revisão de alguns custos, mas 10% parece-me demasiado. Percebemos que os gastos são maiores para novos tratamentos para doenças complicadas, doenças difíceis, doenças oncológicas. Quando todos estes custos aumentam, partir do princípio que esta redução de 10% permita, ainda assim, continuar com este investimento em novas terapêuticas parece-me ousado", afirma.

Já Joana Bordalo e Sá, presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fnam), questiona as contas do Governo quando se fala no SNS.

"O Serviço Nacional de Saúde não pode ser olhado como uma empresa ou como uma fábrica de produtividade cega. Nós sabemos que também é aplicada muita engenharia financeira por parte deste Governo de Luís Montenegro. A grande questão é que tudo o que não seja um investimento sério em salário, em condições de trabalho e com cortes em materiais, em infraestruturas, em bens necessários para prestarmos um serviço de qualidade é um erro."

Os enfermeiros também estão preocupados com a diminuição das verbas para a saúde. Guadalupe Simões, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, não entende os argumentos do Governo.

"Interessava saber por parte do senhor do primeiro-ministro se ele que considera que comprar e melhorar equipamentos necessários é um desperdício, importa saber se comprar medicamentos inovadores é um desperdício, importa saber se melhorar a capacidade das plataformas informáticas, que é um dos Campos do Serviço Nacional de Saúde, é um desperdício. Há uma série de situações que importa que o Governo fosse claro e que não é claro", diz.

Carolina Quaresma