O jornal em língua chinesa, fundado há mais de uma década, justifica a decisão de encerramento com "pressões externas" e "riscos crescentes" para os próprios jornalistas, três dos quais enfrentam acusações na justiça.
Nos tempos áureos, o jornal independente All About tinha edição impressa e online e uma forte presença nas redes sociais. Agora, numa publicação divulgada no Facebook, informa que a edição impressa deste mês vai ser a última e, a partir de 20 de dezembro (data em que se assinalam 26 anos desde a transição de administração portuguesa para a chinesa), coloca um ponto final no site e nas redes sociais.
O título em chinês do All About Macau remete para a ideia de discutir o máximo possível. O jornal diz ter sido informado pelas autoridades locais que deixou de preencher os requisitos legais para exercer atividades relevantes, de acordo com a lei de imprensa da região administrativa especial chinesa, e que o número de registo de publicação mensal do jornal foi revogado.
Perante as restrições de recursos, crescentes pressões externas e a necessidade de os repórteres lidarem com processos judiciais, é cada vez mais difícil manter os padrões jornalísticos. O jornal não teve outra escolha senão tomar a difícil decisão de encerrar.
Na publicação a anunciar o encerramento, o jornal deixa um pedido aos leitores: "Embora se separe deles por agora, continuem a salvaguardar a sociedade civil através da ação, promovendo o pluralismo local e o discurso independente e expressando opiniões sobre questões críticas."
Em abril, duas jornalistas do jornal independente foram detidas pela polícia, quando tentavam assistir à apresentação do programa político na área da Administração e Justiça na Assembleia Legislativa. Foram detidas por "perturbação do funcionamento de órgãos da Região Administrativa Especial de Macau". O caso foi remetido no próprio dia ao Ministério Público.
Esta quinta-feira, o jornal informou que há um terceiro jornalista do All About Macau acusado, que até estava de folga e não estava a fazer a cobertura dos trabalhos parlamentares. Todos eles podem "ser sujeitos a um processo criminal".
"Golpe contra a liberdade de imprensa"
O Comité para a Proteção de Jornalistas afirmou à agência France-Presse que o encerramento do All About Macau é "um golpe contra a liberdade de imprensa e um desenvolvimento altamente preocupante". Esta organização fala também "numa deterioração rápida" do panorama de media da região.
O All About Macau começou como uma coluna num jornal local em 2010. Em 2012, foi fundado o site e um ano mais tarde foi para as bancas a primeira edição mensal impressa do jornal independente. Nos últimos anos, passou para um modelo baseado em assinaturas e donativos. A decisão de encerrar surge cerca de um ano após os jornalistas começarem a sentir restrições no acesso a eventos do governo.
Também em declarações à France-Presse, o jornalista veterano e académico Éric Sautedé classifica o encerramento do All About Macau como uma "perda absoluta", embora considere que não é uma surpresa total. Éric Sautedé afirma que o jornal já vinha a sentir pressões há algum tempo.
Este cientista político sublinha ainda que o All About Macau "ajudou a promover um certo grau de responsabilidade entre aqueles que detêm o poder - tanto no Governo como no setor privado".
Macau tem um sistema jurídico próprio, em grande parte baseado na lei portuguesa. A região chinesa já tinha uma lei de segurança nacional desde 2009, mas ampliou os poderes desta legislação em 2023.
Macau segue a tendência já verificada em Hong Kong, com o encerramento de várias publicações e jornais independentes, como é o caso do Apple Daily, depois dos maiores protestos pró-democracia, e da entrada em vigor, em 2020, da Lei de Segurança Nacional na antiga colónia britânica.