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Durante a ditadura, "a Europa era um sonho; como o sonho que nós tínhamos nessa altura de democracia"

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Entre 1985 e 1995, o economista Vitor Martins foi secretário de Estado da Integração Europeia, nos governos de Cavaco Silva, com a adesão à então CEE. Grande entrevista na TSF. Sobre a Europa e o país. E o livro que acaba de publicar.

Vítor Martins, 78 anos, natural de Lisboa, economista pelo ISEG, do Instituto Superior de Economia e Gestão. Durante 10 anos, entre 1985 e 1995, foi secretário de Estado da Integração Europeia, após vários cargos desempenhados durante o processo de adesão à então Comunidade Economica Europeia. Após sair do governo, fez parte do Conselho de Orientação da Associação Notre Europe, fundada por Jacques Delors, e colaborou com o Center for European Policy Studies. Fez parte do Conselho de Orientação da Associação Notre Europe, fundada por Jacques Delors, e colaborou com o Center for European Policy Studies. Primeira parte de uma grande entrevista, a propósito da publicação do livro "Viagem pela integração europeia, a história singular da construção europeia, o papel de Portugal e os grandes desafios do futuro".

Desde 1971 já passaram 54 anos, quando iniciou carreira nesta vida da integração europeia, tendo começado a trabalhar com João Cravinho. O que é que imaginava que seria este processo? Que noção é que havia num país que ainda era fechado, ainda tinha censura, ainda tinha guerra colonial, já não tinha Salazar, mas tinha Caetano; o que era a Europa, então, para si?

Um sonho. No fundo, eu até posso comparar um pouco com o sonho que nós tínhamos nessa altura de democracia, mas também o outro sonho a seguir era poder integrar a Europa em pleno, porque a CEE era uma referência. Eu quando andei a estudar em Económicas, no velho edifício do Quelhas, já se falava da Comunidade Econômica Europeia, dessa experiência única no mundo, já na altura era uma experiência ímpar. E, portanto, nesse tempo, quando eu comecei a trabalhar e, no fundo, apaixonei-me por estas questões, que nunca mais me largaram. Eu sentia a possibilidade de um dia fazer parte daquela Comunidade Económica Europeia uma aspiração, mas ainda a fazer parte do sonho.

No princípio foi a EFTA, a Associação Europeia de Comércio Livre. Que importância teve a EFTA para Portugal?

Acho que nós, em Portugal, temos subestimado essa experiência da EFTA, que foi extraordinariamente importante, desde logo por dois aspectos. Foi uma brisa de ar fresco na economia portuguesa. Aliás, para mim, quase que constitui ainda um mistério insondável o doutor Salazar ter permitido a adesão de Portugal à EFTA, ele que era contrário a todos os movimentos de integração europeia e da cooperação na Europa, porque tinha receio de que isso pudesse impactar Portugal. Ora bem, essa adesão modernizou, atraiu investimento, pôs a economia portuguesa no mapa da Europa, ainda embrionariamente, e foi uma escola para diplomatas, técnicos, que começaram a perceber o significado da integração económica.

O trabalho da boa diplomacia portuguesa começou aí?

É, eu penso que a EFTA é, ela própria, um exemplo de vitória diplomática de Portugal. O embaixador Rui Teixeira Guerra é um exemplo que eu cito de resto no livro, porque foi ele o diplomata que liderou a frente negocial, e com a EFTA começámos a interessar-nos pela diplomacia portuguesa, a política portuguesa, as universidades portuguesas começaram a olhar para o movimento de integração europeia.

Já o disse aqui, escreve no livro, Portugal deu aí o primeiro passo para abrir a economia, enfrentar a concorrência, promover a competitividade e modernizar o tecido empresarial da indústria. A minha pergunta é, continuamos a deixar esse trabalho ainda por fazer, em boa parte, quando se olha para o patamar atual da economia portuguesa?

Esse trabalho nunca estará acabado.

É sempre um processo em construção?

Sempre. Porque, repare, as mutações que têm havido a nível internacional são tão grandes, basta olhar para os tempos recentes, o quadro internacional mudou tanto, que nós nunca podemos considerar como terminado o ajustamento da economia, a adaptação da economia às novas exigências concorrenciais.

Revê-se hoje, nas palavras de Monet, quando ainda na Europa em guerra, dizia que "os nossos países se tornaram muito pequenos para o mundo atual", ele pensava e referia-se às superpotências da altura, Estados Unidos, União Soviética, mas já falava "na Índia e na China de amanhã", como lembra no livro. Só a unidade entre os europeus continua a ser o garante de relevo do nível de vida europeu e da paz?

Sabe, eu acho que são palavras extremamente atuais. O Jean Monet era um visionário, como se percebe, das iniciativas que tomou. Mas ainda hoje, os países europeus, por si só, individualmente, estariam completamente impossibilitados de dar resposta aos desafios geopolíticos, económicos, num mundo onde ou nós assistimos, como bem sabemos, a um confronto hegemónico entre grandes potências, nomeadamente entre os Estados Unidos e a China, mas com outras a aparecerem também, como é o caso da Rússia, que pretende também assumir-se como potência, infelizmente por caminhos ínvios, mas também a própria Índia, por exemplo. Ou seja, a necessidade de ter cooperação na Europa, de maneira a que a resposta seja europeia e não nacional, continua muito presente.

Cita grandes nomes da Constituição Europeia, Konrad Adenauer, Robert Schuman, Paul-Henri Spaak, Alcide Gasperi, que tinham, como escreve, uma sábia combinação de visão, pragmatismo e rasgo político. É tudo isso que nos falta agora?

Eu espero que não falte. Eu sou um otimista por natureza e creio que a Europa, no percurso que fez, se repararmos bem nestes 75 anos, teve momentos de crise, teve momentos em que não esteve à altura das situações, mas acabou sempre por encontrar a resposta. Eu dou-lhe um exemplo concreto, a crise financeira de 2008, foi um momento difícil, o euro esteve à beira do colapso, nós chegámos a admitir que a Europa pudesse estar em risco; todavia, acabou por responder.

Isso foi graças à ação de Mário Draghi...

Isso é indiscutível. Mário Draghi foi, digamos, o obreiro da mudança da orientação europeia, quando tomou consciência - ele e vários outros líderes - de que o euro estava mesmo à beira do colapso, à beira do precipício.

Mas faltam, em maior quantidade e com mais peso, ou com peso semelhante ao que Draghi tinha na altura, e que tiveram antes dele, líderes como Kohl, Mitterrand, Jacques Delors?

Eu diria que a Europa tem hoje também líderes de grande estatuto em matéria de visão europeia. Eu dava-lhe o exemplo da Presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é claramente uma líder com visão estratégica e com garra política para puxar pela integração europeia. Mas na realidade, a nível nacional, escasseiam líderes que tenham adotado uma estratégia europeia consistente e coerente. Isso é verdade. E assistimos, de facto, a derivas em países europeus que estão num processo de afastamento quase da integração europeia e que é preocupante, como é o caso, por exemplo, da Hungria e de outros países que foram recebidos de braços abertos na Europa.

Escreve na página 25: "A paz vivida no continente europeu durante mais de 70 anos, interrompida recentemente com a invasão da Ucrânia perpetrada pela Rússia, é o mais longo período sem graves conflitos que a Europa conheceu na sua história". Pergunto-lhe se não era para ter tido em conta os 200 mil mortos na antiga Jugoslávia nos vários conflitos ao longo dos anos 90?

É verdade que esse conflito existiu, foi grave, eu não o refiro de facto, ele foi na sequência, digamos, do desmantelamento da Jugoslávia após a queda do Muro de Berlim, como bem sabe, foi um conflito gravíssimo, embora tenha sido um conflito muito regional, não teve uma dimensão de escala europeia. O conflito que hoje temos na Ucrânia, pela invasão que a Rússia fez, é um conflito que tem escala europeia, não é apenas um conflito regional. Esse foi um conflito trágico e com perdas humanas, mas ele ainda teve as características regionais e só foi resolvido, de facto, graças à existência do projeto de construção europeia. Repare, foi a aspiração desses países saídos da Jugoslávia de entrarem na União Europeia que levou a considerar um caminho de paz e de pacificação da região.

Portugal apresentou o pedido em 1977, as negociações começaram no ano seguinte, tratado de adesão assinado na primavera de 1985, entrada efetiva a 1 de janeiro de 1986, vai fazer 40 anos em breve. Por que é que agora se demora tanto tempo a começar negociações formais e mesmo a entrar? Já pensou no calvário, por que passam atualmente os países candidatos. Esses países tiveram o primeiro sinal de que seriam bem-vindos à União Europeia, num conselho europeu extraordinário, primeira cimeira UE-Balcãs Ocidentais, em 24 de novembro de 2000, era primeiro-ministro António Guterres; foi a primeira vez que a UE incluiu formalmente os países dos Balcãs Ocidentais no seu quadro de integração... E, à exceção da Eslovénia em 2004 e da Croácia em 2013, todos os outros ainda estão numa fase de candidatura. É razoável?

Verdade, esses países todavia, não estiveram na EFTA, nem sequer estiveram no espaço económico europeu. Portugal, quando pediu a candidatura, tinha já um lastro de integração europeia com a EFTA, por isso é que a EFTA foi uma experiência importantíssima para o nosso percurso europeu, porque nos dava, em certa medida, a credibilidade do pedido de adesão. Foi a mudança democrática, é evidente, mas também essa experiência da EFTA. E depois esses países saíram de regimes de economia fechada, totalitária, de regimes totalitários, e portanto a adaptação era mais difícil. Mas deixe-me dizer-lhe uma coisa, o processo negocial português não foi assim tão lento como isso, porque demorou quase 8 anos, comparado com a Grécia, por exemplo, demorou um ano e pouco.

Mas como também dizia o Timothy Garton Ash, não se pode dizer não a Platão, não é?

Isso dizia o Giscard d'Estaing, era o Giscard d'Estaing que dizia que não se podia dizer não à Grécia e o Garton Ash cita-o. Mas curiosamente, já que falámos neste assunto, a exigência, a seriedade, a profundidade das negociações de adesão também são importantes depois para os resultados que se obtêm depois da adesão. A Grécia, que negociou de uma forma muito precipitada a entrada e que foi levada, usando gíria futebolística, ao colo para dentro da CEE, teve tempos muito difíceis no início para se adaptar, teve alguns fracassos e algumas dificuldades. Ao contrário de Portugal, antecipo já, Portugal entrou e conseguiu assumir a dinâmica comunitária sem sobressaltos nem rupturas.

Quando se olha para o que pensavam, então, antes da entrada, para o que pensavam, então, os principais economistas portugueses, o então primeiro-ministro de Mário Soares fez bem em pôr o carro à frente dos bois e avançar com o pedido da adesão à CEE quando o país não estava economicamente preparado para isso?

Aí estamos a falar de um líder com rasgo político e visão.

Foram, sobretudo, razões políticas?

Sem dúvida, mas também económicas. A motivação principal no pensamento de Mário Soares era assegurar a irreversibilidade da democracia e a participação de Portugal num movimento que tivesse expressão internacional, como se estava, nesse momento, a conquistar com a consolidação da comunidade económica europeia. Mas também razões económicas. Aliás, não esqueço que Mário Soares, no seu discurso nos Jerónimos, quando assinámos o tratado de adesão, uma das coisas que ele sublinhou era que agora se abria a oportunidade de Portugal atingir, finalmente, os níveis de desenvolvimento do resto da Europa.

Quando, no caso português, as coisas pareciam ir a um ritmo demasiado lento, numa intervenção em Dublin, tanto quanto me lembro de ter lido no livro, Mário Soares fez aprovar aquilo que se designou por Constat D'Accord. É uma história pouco conhecida da integração europeia. Quer recordá-la aos nossos leitores?

Sim. Houve uma altura nas negociações em que se sentia que estavam a arrastar-se sem conseguir alcançar um compromisso final. E isso gerou descrença, sobretudo na opinião pública portuguesa, mas também em alguns meios europeus. Eu lembro-me de ler artigos que diziam que o processo de adesão de Portugal ia ficar para as calendas, não ia ser tão depressa como queríamos. E Mário Soares, com essa genialidade política que tinha, percebeu que era preciso sinalizar que o processo tinha que ir para a frente e não era para recuar nem para desistir. E assim, combinou com a presidência irlandesa, que na altura estava a presidir à União Europeia, um encontro mediático com uma declaração conjunta em que se afirmava a irreversibilidade da adesão e o compromisso de a acelerar.

No livro, o senhor tem o cuidado de referir vários dos seus chefes e primeiros ministros, desde logo Aníbal Cavaco Silva, que era o primeiro-ministro na altura da adesão, mas principalmente muita gente que o senhor chefiou pelo trabalho que fizeram pelo país em termos de integração europeia. Pensa que Portugal tem sabido honrar esse trabalho de excelência dos funcionários portugueses no processo de integração?

Penso que sim, com muita clareza o digo. Aliás, penso que essa constitui talvez uma das surpresas da adesão, foi ter constatado que a administração pública portuguesa, que é tão criticada, muitas vezes com razão, outras sem ela, no que diz respeito à participação de Portugal na União Europeia, teve uma prestação impecável, é o que me ocorre dizer, a diplomacia, os diplomatas portugueses, os técnicos, os altos quadros do Estado, as chefias, foram não apenas de um comprometimento e de uma mobilização, mas de competência, e isso foi reconhecido pelos nossos interlocutores também.

Após a entrada para a CEE, e como escreve na página 49, a Europa era então para os portugueses a terra prometida. E agora, o que é a Europa para os portugueses, Vítor Martins?

Continua a ser um espaço em que podemos colher, digamos, o apoio para continuarmos a desenvolver-nos e a afirmarmos internacionalmente. Eu direi que chegar à terra prometida que foi a adesão à CEE foi um marco, mas, mais uma vez m, o caminho não fica feito aí, há uma caminhada que continua. Eu penso que Portugal tem sabido colher benefícios da União Europeia e sabido contribuir para a União Europeia. Agora já não se trata da terra prometida porque nós já lá estamos, agora trata-se de saber colher benefícios e contribuir para que o interesse comum continue a ser defendido.

Já sabemos que Portugal foi um bom aluno da Constituição Europeia, aliás essa expressão até é usada às vezes com alguma carga negativa, mas o que é que Portugal trouxe ao Projeto Europeu, o que é que aportou, que iniciativas, na sua opinião, tomou que acabaram por ser benéficas para o conjunto da União ou para outros países e regiões, no mínimo?

Aí poderia dar-lhe imensos exemplos. Importa enfatizar uma coisa que esteve presente logo no início da nossa adesão. Nós percebemos, nessa altura, todos os que estávamos a lidar com o processo, nomeadamente o professor Cavaco Silva, Primeiro-Ministro na altura, mas por exemplo também o Ministro dos Negócios Estrangeiros, João de Deus Pinheiro, com quem trabalhei de muito perto, nós percebemos que a melhor maneira de defender o interesse nacional era conseguir integrá-lo no interesse comum europeu. Ou seja, quando os nossos interesses fundamentais estavam abrangidos pela definição de interesses comuns, era muito mais fácil defendê-los e promovê-los, e por isso Portugal teve sempre um cuidado extremo em ter iniciativas, escolhendo os momentos negociais certos, por exemplo, a negociação do PEDIP, mas um outro exemplo muito interessante...

O Plano Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa...

Exatamente. E um outro exemplo, talvez ainda mais gritante, que foi o programa para as regiões ultraperiféricas, que abrangeu os Açores e a Madeira, mas abrangeu também as Canárias e os territórios franceses, nas zonas das Antilhas da América do Sul. Essa iniciativa foi apresentada por Cavaco Silva num Conselho de Rodes, nos finais dos anos 1980, e veio a ser adotada com um programa que a Comissão fez para responder a essas regiões, e hoje já faz parte do Tratado, o Tratado hoje já acolhe o Conceito de Regiões Ultrapediféricas.

Falava há pouco na importância da Europa para os portugueses e daquilo que Portugal trouxe para o projeto europeu, mas por vezes dá a ideia que a Europa é algo de que nós não cuidamos muito bem, algo que já damos por adquirido provavelmente, quando sistematicamente são tão elevadas as taxas de abstenção nas eleições para o Parlamento Europeu...

Sim, é uma excelente questão. Penso que os portugueses, até por sondagens que têm sido feitas, estão sempre entre aqueles que mais acreditam e mais esperam da União Europeia. Todavia não parecem estar muito mobilizados para serem cidadãos ativos nessa construção europeia, e uma das razões referiu-a, e eu concordo, há um sentimento de adquirido, que uma vez estando na CEE, tudo está adquirido. Ora, a integração europeia nunca é uma construção irreversível, ela pode sempre reverter-se, e por isso os cidadãos têm que cuidar desse processo, ser proativos, ser intervinentes, votar quando são os momentos de votar e de fazer as escolhas, e, por exemplo, introduzir no debate político em Portugal a Europa, em que muitas vezes, como bem sabemos, no debate político interno as questões europeias estão quase ausentes.

Sei que já deu uma pincelada sobre isso há pouco, mas lembrei-me de um país da União Europeia, quando li esta frase no seu livro, uma frase que atribui a Giulio Andreotti, quando ele disse que, no âmbito da integração europeia nunca existiu, nem pode existir, um retrocesso de liberdade, e eu dei por mim a pensar, então e a Hungria de hoje?

Mais uma vez é uma boa questão. Nós estamos confrontados com alguns sinais de Estados que aparentam estar numa deriva que pode por em causa esse estatuto de Estados, onde o Estado de Direito é fundamental, onde as liberdades fundamentais são inquestionáveis. A Hungria é um exemplo disso. Eu penso, que a União Europeia está extremamente atenta a isso, tem sinalizado isso de alguma maneira, julgo que não chegará ao ponto de ser necessário encarar medidas drásticas que estão previstas no Tratado de Direito. É possível prever a saída de um Estado hoje incumpridor, julgo que não vamos chegar aí, é o que espero, mas há sinais que por vezes nos preocupam.

O que é que em síntese, se calhar para usarmos no dia 1 de janeiro aqui na rádio, o que é que em síntese representou para o país a integração na CEE?

Desenvolvimento, reconhecimento internacional e a sociedade civil com a possibilidade de integrar sistemas e redes europeias que nos pôs num patamar de modernidade que não tínhamos antes. Claro, o exemplo da investigação, do ambiente, da educação, o Erasmus, há toda uma dinâmica que com a adesão de Portugal se construiu no relacionamento com a Europa e que projetou o país em termos de desenvolvimento. E depois há um outro aspecto, para mim sempre fundamental, quando se fala do dia 1 de janeiro de 1986, quando a adesão se confirmou, ou melhor, se consumou, que é a relação Portugal-Espanha. Há um anntes e um depois dessa data, antes. Como se sabe, as relações eram conflituosas, de desconfiança mútua, de conflitualidade intensa, e no dia 1 de janeiro de 1986 descobrimos que afinal éramos parceiros, aliados, e podíamos fazer o caminho lado a lado.

E agora, nesses caminhos cruzados, provavelmente já é mais difícil as delegações espanholas perderem-se entre Porto e Guimarães, não é? Quer contar essa história?

Isso foi a primeira cimeira depois da adesão, que foi em Guimarães por escolha do primeiro ministro Cavaco Silva, e penso que foi uma escolha emblemática dessa cidade. Os ministros e o primeiro ministro espanhol foram recebidos no aeroporto do Porto, em Pedras Rubras, como se chamava então o pequeno aeroporto ainda, e de lá fomos de carro com os colegas e homólogos até Guimarães. Aconteceu que a viatura onde ia o ministro espanhol dos negócios estrangeiros, o saudoso Fernandes Ordóñez e o saudoso MNE português Pires de Miranda, naquele emaranhado de estradas e ruas e povoações que se atravessavam para chegar a Guimarães, porque era uma travessia penosa em certas horas do dia, perderam-se. E portanto a cimeira teve que começar antes da chegada dos dois ministros que chegaram esbaforidos, já Filipe Gonzalez e Cavaco Silva tinham iniciado os debates entre as duas delegações.

Ricardo Alexandre