A chefe da delegação do Parlamento Europeu à Conferência do Clima, em Belém do Pará (Brasil), defende que as questões climáticas não se podem sobrepor à vida das pessoas
Na entrevista TSF/JN deste domingo, a eurodeputada Lídia Pereira confessa: "Nós não podemos de repente tomar medidas que têm depois um efeito brutal nas carteiras das pessoas e no caso em particular nas carteiras dos portugueses."
Por outro lado, Lídia Pereira assume que a utilização pelos Estados-membros de créditos de carbono para reduzirem e compensarem as suas emissões tem de ser muito bem vigiada pela Comissão Europeia. "Houve uma evolução no entendimento de que, de facto, faz sentido definirmos as condições para a descarbonização, mas a integridade e aquilo que está previsto no acordo (desta semana) tem que ficar muito claro nas regras para a utilização de créditos internacionais, a integridade e a valorização desses créditos."
A eurodeptada sublinha que as energias renováveis ainda não são suficientes para cobrirem o mix energético da União Europeia. "A questão da eletrificação tem sido amplamente discutida. Uma das coisas que eu creio que é relevante é garantirmos que há neutralidade tecnológica e, portanto, podemos estar a falar de outras alternativas que possam ajudar no caminho da eletrificação."
Lídia Pereira revela ainda estar na expectativa sobre a atitude da China nesta COP30, depois de Pequim ter, na Organização Mundial do Comércio, abandonado o estatuto de país em desenvolvimento.
"A China tem uma posição de muita assertividade e afirmação no contexto geopolítico, mas eu diria que no esforço diplomático de diálogo, é essencial que países como a China, de facto, tenham aqui uma postura diferente da que tiveram até agora", concluiu.
Uma China que pode subsitiuir a ausência dos Estados Unidos da América que abandonaram o acordo de Paris.
A Europa chega a Belém do Pará, onde se realiza este ano a Conferência das Partes da Convenção do Clima, com um grito do Ipiranga contra o aquecimento global.
A União Europeia reviu as metas do Plano para a Neutralidade Carbónica, o objetivo de ter em 2050 um território 100% limpo, passa por metas intermédias; em 2035, reduzir as emissões até 72% e em 2040 cortar 90% do CO2 face aos níveis de 1990.
As metas do Conselho Europeu a que o Parlamento de Estrasburgo vai estar atento, como é o caso da eurodeputada Lídia Pereira, que pela segunda vez lidera a delegação do Parlamento Europeu a esta Cimeira das Nações Unidas, dedicada à Convenção das Alterações Climáticas.
A Conferência das Partes já se junta há 30 anos, desta vez a COP, como é conhecida, decorre no Brasil Amazónico, na cidade de Belém do Pará.
Vamos ter, nas próximas duas semanas, a Cimeira do Clima, das Nações Unidas. Como é que encara estas negociações climáticas, que já decorrem há 30 anos? A COP ainda faz sentido?
Eu creio que a COP, e todas as outras convenções onde há oportunidade para dialogar fazem sentido, mesmo que o contexto geo-politico seja hoje mais difícil. Mas a prioridade da preservação e da conservação do ambiente mantém-se.
Nós quando falamos de metas climáticas não estamos apenas a falar de objetivos para uma ou outra década, estamos sobretudo a pensar nas novas gerações. Portanto, o problema que nós verificamos nas alterações climáticas e que está amplamente estudado e cientificamente comprovado, deve exigir de todos um esforço significativo para, de facto, nós podermos garantir que as novas gerações não vivem pior no nosso planeta. E isso exige, de facto, liderança, uma liderança que eu creio que tem cabido à União Europeia e que tem conseguido, através do diálogo e através do compromisso, provar que conseguimos, por um lado, baixar as emissões de CO2, entre outras, e ao mesmo tempo promover o crescimento económico.
Mas é verdade também que a União Europeia hoje é responsável por apenas 6% das emissões globais de CO2 e, portanto, é essencial que haja aqui o compromisso de outros atores internacionais, nomeadamente os Estados Unidos, a China, a Índia, mas em particular a China, que nas últimas semanas abdicou do seu estatuto de país em desenvolvimento no quadro da Organização Mundial do Comércio e que eu creio que seria desejável ver também assumir esse papel no que diz respeito às contribuições obrigatórias, no que diz respeito ao financiamento climático e, portanto, passar aqui a ter a responsabilidade de um país desenvolvido, aliás, com os dados económicos que hoje existem, é fundamental que haja esse movimento por parte da China.
Mas, é claro que é uma responsabilidade partilhada e, portanto, a União Europeia não pode carregar sozinha as dificuldades que existem do ponto de vista de investimentos, do ponto falamos da descarbonização e quando falamos de transição energética é fundamental para a Europa, porque nós não temos os recursos energéticos que outras geografias do mundo têm e, portanto, a descarbonização, quando falamos da transição energética, também diz respeito a encontrarmos formas alternativas do fornecimento de energia para que a competitividade europeia também se afirme, ou continue a afirmar, e que haja essa capacidade de diálogo e de influência da União Europeia junto de outros países do mundo neste desígnio do ambiente.
A Lídia Pereira tem defendido a ideia de colocar o contador a zeros. Este reset passaria pelo quê? O que é que podemos definir como pôr o contador a zeros, o quilómetro zero das negociações passados 30 anos que já temos de história de negocial?
Eu creio que há várias vitórias destes 30 anos da conferência entre as partes, que é assim que se chama a COP, e exemplos disso mesmo são os avanços que foi possível fazer, e que para tal houve um conjunto de iniciativas e de compromissos e que permitiram coloca o contador a zero, continuarmos a caminhar para o cumprimento do Acordo de Paris, para o cumprimento das metas climáticas, da neutralidade carbónica,
Na Europa, as questões climáticas têm estado na chaneira, mas sabemos que há aqui governos de países como a Eslováquia, a Hungria e a Polónia, que são negacionistas. Tem receio que a direita mais populista da Europa seja um entrave às políticas ambientais desenvolvidas pela União Europeia?
È claro que existe um conjunto de desafios, mas eu, sobre essa questão em particular, gostava de trazer aqui uma reflexão que tenho feito há já algum tempo.
Reparem onde nós estávamos em 2019, com manifestações populares na rua, manifestações de jovens, havia o "Fridays for Future", eu própria cheguei a participar numa dessas manifestações no Porto.
Um movimento encabeçado por Greta Thunberg...
Um movimento encabeçado por Greta Thunberg, que além da questão do ambiente tinha outras componentes ideológicas, podemos dizer assim, mas havia de facto apoio popular nas ruas para a agenda do clima e a agenda climática. E o que é que aconteceu a seguir? Aconteceu a apresentação do Green Deal, em dezembro de 2020, feita pela Presidente von der Leyen, em dezembro de 2021, no pico da pandemia, acontece a aprovação da Lei Europeia do Clima, e a partir de 2021, todo um pacote de medidas legislativas para ir ao encontro da neutralidade carbónica em 2050, aliás, firmada ou traduzida à letra da lei ainda em 2021.
E, portanto, isto tudo foi possível e, se nós repararmos já tínhamos populistas e negacionistas, e ainda assim foi possível avançar nesta matéria. Mas hoje em dia há uma pressão diferente porque o contexto político mudou radicalmente.
Mas a verdade é que, como eu dizia há pouco, e não é desresponsabilizar a União Europeia, nós somos responsáveis por 6% das emissões globais.
Portanto, mesmo num quadro difícil de fragmentação com desafios distintos face àqueles que encontrávamos há 5 ou 6 anos atrás, a União Europeia tem conseguido, através da negociação no Conselho e também no Parlamento Europeu dar resposta do ponto de vista legislativo à causa ambiental e à causa climática.
Mas, eu creio que é importante dizer-se isto, eu estive em várias negociações do pacote para a descarbonização, chamado "Fit for 55", e houve sempre uma resistência muito grande por parte dos partidos mais à esquerda para a evidência que muitas vezes trazíamos para as negociações, que é temos que garantir que protegemos as pequenas e médias empresas, que protegemos as empresas europeias num contexto de altíssima competição no mundo global. E, houve sempre um certo determinismo ideológico em ir além daquilo que seria possível e a verdade é que ao mesmo tempo havia uma resposta positiva por parte das empresas que sabem e que percebem que a sustentabilidade também passa pelo seu compromisso nas questões ambientais e com a necessidade, digo uma vez mais, de descarbonização. Portanto, para concluir, nós temos tido sempre uma postura de diálogo e de compromisso e que até ver não se colocou em causa.
E Portugal tem condições para atingir as metas agora assumidas pela Europa?
Portugal tem até uma lei de bases do clima mais ambiciosa do que a neutralidade carbónica em 2050, se não estou em erro, a neutralidade carbónica para Portugal ficou definida em 2045, há cerca de dois anos, e Portugal, de resto, foi noticiado recentemente, Portugal conseguiu crescer, foi um dos bons alunos na Europa, conseguiu crescer e baixar as emissões de CO2, creio que foi o país que mais se destacou neste duplo compromisso e, portanto, eu creio que Portugal tem todas as condições para se afirmar como um dos players, um dos países que puxa pela ambição, mas também pelo pragmatismo e, portanto, eu creio que estes dados do crescimento económico e da redução das emissões de CO2 de Portugal são, nesse aspecto, bastante positivos.
Essa ambição resulta apenas numa eletrificação de toda a atividade económica?
A questão da eletrificação tem sido amplamente discutida. Uma das coisas que eu creio que é relevante é garantirmos que há neutralidade tecnológica e, portanto, podemos estar a falar de outras alternativas que possam ajudar no caminho da eletrificação.
Nomeadamente os gases?
Nomeadamente os gases. Eu vou dizer uma coisa que eu creio que não é polémica, mas nós, se continuarmos no pela opção das renováveis. Podemos chegar à conclusão, e eu creio que há vários especialistas que já disseram isso, poderá ser difícil neste momento, com o estado da tecnologia, dependermos apenas e só de energias renováveis. Isso não é credível. Mas, no médio prazo, podemos encontrar outras formas alternativas de tecnologias.
Eu tenho defendido no Parlamento Europeu, até sou co-presidente de um grupo de amizade para as novas tecnologias limpas e tenho defendido que a Europa deve investir massivamente, e há um compromisso da Comissão Europeia.
Faz parte da Comissão de Assuntos Económicos e Monetários e da Comissão de Ambiente, Clima e Segurança Alimentar do Parlamento Europeu. Como é que está a trabalhar o lobby das petrolíferas no Parlamento Europeu?
Eu vejo a questão da participação de grupos de interesses, de lobbies, com naturalidade.
Mas é muito ativo?
É ativo como são outros grupos de interesse, quer dizer, eu não consigo atestar-lhe que são mais ativos do que os outros. Há uma abertura e há um espaço de participação no processo legislativo europeu que eu acho que é muito, que é desejável, precisamente porque é participado e, portanto, é possível afinar com mais detalhe, sabendo o impacto que tem em determinados setores.
Portanto, eu creio que, e eu tenho um espírito bastante aberto, pelo menos nos dossiers que tenho liderado, em ouvir o setor público, o setor privado, o setor social e creio que é, no fundo, em benefício de todos.
Centrando a conversa na COP, nós sabemos que as últimas três cimeiras realizaram-se em países produtores de petróleo. Esta semana o Presidente Brasileiro Lula da Silva frisou que seria incoerente impedir a prospecção de petróleo perto da foz do Amazonas. Que sinal dá este anúncio, a poucos dias do início da semana?
Bom, eu creio que um dos temas que o Parlamento Europeu, ao longo dos últimos anos, tem sempre pugnado e defendido é o abandono da utilização dos combustíveis fósseis. E, portanto, eu creio que este anúncio, no fundo, é coerente com esse desígnio, com esse pedido que o Parlamento faz todos os anos. E como eu dizia, é fundamental e esse também tem sido um aspecto bastante discutido e debatido nestes fóruns, como é a COP, encontrarmos alternativas tecnologicamente desenvolvidas e que substituam com eficácia aquilo que é a utilização dos combustíveis fósseis ao dia de hoje.
Estive há relativamente pouco tempo, há umas semanas, e reuni-me com dois representantes da indústria automóvel norte-americana. É óbvio que os tempos nos Estados Unidos são bastante desafiantes, pela sua administração Donald Trump ser sempre bastante imprevisível, mas a verdade é que aqueles dois representantes nos diziam que o futuro passa em larga escala, em larga medida pela eletrificação e, portanto, mesmo num contexto em que ouvimos um presidente dos Estados Unidos a dizer "drill, baby drill", a verdade é que a indústria e os setores económicos reconhecem que a competitividade passa mais pela eletrificação do que por uma continuidade na exploração de recursos energéticos, como são os combustíveis fósseis.
A União Europeia estabeleceu que até 2050 será neutra em carbono e definiu várias metas intermédias, por exemplo, a redução das emissões de CO2 em 90% até 2040, em relações aos níveis de 1990, para chegarem a este nível, os Estados-membros podem comprar até 5% de créditos de carbono internacionais. Pergunto-lhe se a política climática não transformou o carbono num ativo financeiro?
A política climática tem que passar também por alternativas de mercado ou iniciativas de mercado e, portanto, eu creio que é desejável que possamos encontrar formas que sejam devidamente flexíveis e, portanto, que responsabilizem os Estados-membros no cumprimento desse compromisso da neutralidade carbónica.
Portanto, eu creio que não havendo essa barreira ou esse modelo económico, nós estamos a criar as condições que as empresas podem ter, de saber que a União Europeia, de facto, não quer titubear no caminho que definiu do ponto de vista da competitividade, e como eu dizia há pouco, que haja um grau de flexibilidade que, por um lado, dê margem de manobra aos Estados-membros, aqueles que não têm as condições económicas com mais capacidade de investimento, mas que mesmo assim se mantenham neste comboio, se quisermos, da descarbonização e, portanto, eu creio que é essencial que haja medidas de mercado, que haja condições de mercado, que haja integridade no mercado, que haja confiança no mercado.
Mas levantando a possibilidade de os países comprarem créditos de carbono através do mercado de carbono, isso de certa forma não estará a subsidiar os combustíveis fósseis?
Por isso é que eu dizia que a integridade do mercado de carbono é essencial e, portanto, aquilo que está previsto na proposta que tem sido negociada e que foi aprovada pelos Ministros do Ambiente dos 27 Estados-membros, à exceção da Polónia, Eslováquia, e a Hungria votaram contra, mas, como vemos, todos os outros manifestaram-se favoravelmente, inclusivamente países que estavam no início deste processo absolutamente contra, como, por exemplo, a Itália e, portanto, houve uma evolução no entendimento de que, de facto, faz sentido definirmos as condições para a descarbonização, mas a integridade e aquilo que está previsto no acordo tem que ficar muito claro nas regras para a utilização de créditos internacionais, a integridade e a valorização desses créditos.
Mas há uma supervisão desse mercado de carbono, como há, por exemplo, no mercado da Bolsa?
Caberá à Comissão Europeia fazer essa monitorização e essa fiscalização.
Entretanto, Portugal tem utilizado, de certa forma, o Fundo Ambiental para subsidiar o ISP, o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos. Como é que vê a participação de um fundo ambiental para fazer descontos nas petrolíferas, nos combustíveis?
Bom, o fundo ambiental tem muitas outras valências. Relativamente à pergunta que me faz sobre o ISP e se a política que o Governo tem adotado faz ou não faz sentido, eu creio é que, e já tem de resto havido vários avisos por parte da Comissão Europeia sobre o recurso à utilização do desconto no ISP, mas eu creio que é relevante dizer o seguinte, nós não podemos de repente tomar medidas que têm depois um efeito brutal nas carteiras das pessoas e no caso em particular nas carteiras dos portugueses.
E portanto, eu creio que esta gradualidade que existe por parte do Governo relativamente ao ISP é uma gradualidade avisada, responsável e cujo o objetivo é gerir as condições para que as famílias portuguesas possam não ser afetadas perante exigências que vão sendo colocadas, inclusivamente, por parte da Comissão Europeia.
E, por isso, eu creio que seria desejável utilizar o Fundo Ambiental exclusivamente para aquilo que, para as funções, como de resto tem sido bastante disseminado pela própria Ministra relativamente às iniciativas de pobreza energética, de mobilidade suave, mas creio que estão a ser estudadas formas alternativas para que haja uma gradualidade e também um phase-out dos descontos no ISP.
Não podemos é fazer políticas contra as pessoas. E, portanto, quando falamos de ambiente e tem havido uma narrativa muito negativa relativamente ao ambiente.
Nesse sentido, deixa-me lhe perguntar, não está a defender um pouco a ideia que tudo é bom desde que não fosse no meu quintal Não está um pouco a defender essa ideia?
Não, eu creio que é muito interessante quando falamos da parte mais ideológica do ambiente, há um autor, Roger Scruton, um autor conservador, que sempre criticou os movimentos ecologistas globais, porque defendia, capacidade de resposta por parte, por exemplo, de outros níveis de governança, como, por exemplo, os municípios, depois a nível distrital, a nível nacional e internacional.
Eu creio que há, de facto, um entendimento generalizado em como as questões do ambiente, por um lado, passam por soluções mais locais, mas do ponto de vista europeu há um caminho que tem sido percorrido e sobre o qual não devemos titubear sob pena de causarmos frustração suficiente para que os setores económicos abandonem determinadas práticas que têm sido também um sucesso a nível mundial.
E o lobby da banca? A aplicação aqui dos critérios ESG consegue ser uma realidade?
O lobby da banca. É interessante a pergunta que me faz. Eu, antes de estar no Parlamento, antes de ser eleita para o Parlamento Europeu, trabalhei no setor financeiro, como consultora na área de compliance e, recordo-me que naquela época o mercado começou a definir determinadas categorias de investimento, daí vem a sigla ESG, Ambiente, Social e Governança. Creio que houve uma antecipação do mercado sobre a orientação das grandes decisões. Mas é preciso distinguir esta resposta do "green hushing".
Sobre o financiamento climático e o mecanismo polémico de perdas e danos, na sua opinião, qual é o modelo ideal de financiamento a longo prazo?
Eu creio que, da minha experiência, não só como chefe da delegação do Parlamento Europeu na COP, mas também como delegada nas várias outras conferências em que já participei, houve uma coisa que várias pessoas, várias delegações parlamentares de outros países nos alertaram. Uma é, talvez, a falta de transparência sobre a utilização desses recursos, desses fundos.
Eu creio que a questão da transparência deve ser, de facto, priorizada e, portanto, eu gostava que nesta COP também houvesse esse compromisso global, porque parece-me essencial.
Falta de transparência no destino do financiamento? Falta de transparência na execução dos projetos?
Quando eu digo falta de transparência, eu também me refiro às vezes à falta de comunicação, porque as pessoas não conhecem, muitas vezes, os projetos para os quais o financiamento está a ser canalizado. E depois, claro, do lado da governança, também me parece muito relevante que haja mais transparência nesse financiamento.
Mas neste caso em particular, eu creio que é essencial, precisamente até ligando à pergunta que me fez há pouco de uma direita mais populista, Enfim, há várias direitas, tal como também há várias esquerdas no Parlamento Europeu, mas de facto há um conjunto significativo de eurodeputados que negam a existência de alterações climáticas.
Da mesma forma que também reconheço que, por exemplo, países como as Maldivas, que nos dizem reiteradamente, todos os anos em que temos uma reunião, já se tornou prática entre o Parlamento Europeu e o Ministro do Ambiente das Maldivas, nos diz, "nós gastamos 50% do nosso orçamento anual na adaptação às alterações climáticas".
As pessoas têm que saber disto, porque estamos a falar, quando falamos de ambiente e de alterações climáticas, não estamos só a falar de regulação e de necessidade de relatórios, estamos a falar também da existência cultural de povos, de culturas, que podem, mais cedo ou mais tarde, terem que ser forçados a encontrar outros sítios para viver e para sobreviver.
E, portanto, eu creio que é desejável que haja, de facto, mais esta capacidade de comunicação e que as pessoas possam conhecer aquilo que de bom se vai se fazendo e aquilo que de menos bom acontece e é corrigido e deve ser fiscalizado e monitorizado.
Esses países têm tido apoio internacional e um terço dos financiamentos necessários na luta climática são provenientes da União Europeia, que não é, e já vimos aqui, que não é um dos principais poluidores globais. Até quando é que vai ser possível manter este compromisso se temos países que não mudam de postura?
Estou na expectativa sobre o que a China vai fazer. Eu creio que, de facto, tem que haver esta pressão internacional e diga-se que os países mais vulneráveis, o grupo de países das pequenas ilhas, aqueles que estão mais expostos às alterações climáticas, têm nos últimos anos sido bastante vocais em trazer, em expor a maior responsabilidade que os países grandes poluidores têm face àquilo que está a acontecer no nosso planeta.
A China faz parte do G77, o grupo dos 77, que são os países economicamente mais vulneráveis do mundo. Está a ver a China a deixar essa liderança?
Eu estou na expectativa para perceber o que é que vai suceder nesta COP. Porque a China tem uma posição de muita assertividade e afirmação no contexto geopolítico, mas eu diria que no esforço diplomático de diálogo, é essencial que países como a China, de facto, tenham aqui uma postura diferente da que tiveram até agora.
A União Europeia, nós não podemos ir ainda mais além do que fomos se não trouxermos os outros connosco e a China é um player essencial, tal como é também os Estados Unidos.
De resto, deixe-me só dizer uma coisa que parece-me relevante: É curioso depois ver que há Estados nos Estados Unidos, por exemplo, como o Texas, (oil and gas) produtor de combustíveis fósseis e que, ao mesmo tempo, são dos maiores investidores em energias renováveis nos Estados Unidos.
Mas, portanto, uma vez mais relativamente à pergunta que me fez, eu estou na expectativa para perceber se de facto a China vai assumir a responsabilidade que lhe é devida nesta COP, ou se uma vez mais se vai refugiar no estatuto de país em desenvolvimento e, portanto, quanto de querer continuar a liderar o grupo dos G77.
E em termos de mobilização dos empresários, dos privados e também do papel das grandes empresas nesta luta climática, como é que avalia essa participação das grandes empresas em função daquilo que podem ter como redução da sua pegada carbónica?
É muito curioso, porque desde 2019 que estou no Parlamento Europeu e, portanto, tenho um contacto muito próximo com várias empresas, com as empresas que também solicitam reuniões e, portanto, e sempre nesse diálogo, eu nunca estive com uma empresa, provavelmente porque não faria sentido virem-me dizer que não estão empenhados no compromisso climático, mas eu nunca vi ou nunca observei resistência no que diz respeito ao ambiente e à sustentabilidade, como às vezes pode fazer parecer por algumas notícias que são veiculadas.
Eu sempre vi empresários muito empenhados com a causa climatica mas também preocupados com os ajustamentos que devem existir para os investimentos que devem fazer. E, portanto, eu vejo, e aliás tenho essa preocupação, desde a COP29 no Azerbaijão, e este ano não será diferente, no programa oficial do Parlamento Europeu em Belém do Pará, eu tenho sempre o cuidado de envolver também as empresas, coligações de empresas, a estarem próximas do diálogo com os parlamentares e, no fundo, também a partilharem as boas práticas que vão adotando e, portanto, sempre disse, a economia e ambiente não são incompatíveis, pelo contrário, os recursos no planeta são finitos e, por isso, é essencial que possamos fazer este esforço de forma coletiva e não vamos fazer, nunca vamos conseguir chegar a bom porto se tivermos uma postura contra as empresas ou contra as pessoas.
E na área da fiscalidade, há aqui lugar para uma fiscalidade verde?
Eu creio que é, quando falamos, por exemplo, de energia, há muito essa preocupação e essa sensibilidade, isto é, nós temos o mercado de energia na União Europeia é altamente fragmentado e depois com estruturas fiscais muito distintas de país para país e, portanto, eu creio que se nós queremos, quando discutimos o custo da energia e o impacto que tem na competitividade, temos mesmo de discutir o mercado para a energia, o mercado europeu, o verdadeiro mercado europeu de energia e eu creio que é algo que tem faltado nesta discussão e neste âmbito e, portanto, gostava que nos próximos anos houvesse, de facto, um compromisso firme com esse desígnio e que não continuássemos numa lógica de acordos bilaterais, como, aliás, acordos que foram no passado celebrados e que vão contra, ou vão na direção contrária daquilo que a União Europeia deve fazer.