Como os algoritmos definem o que aparece nos telemóveis e ecrãs, não foram só os políticos que tiveram de se adaptar à nova realidade, mas também os jornalistas e comentadores de televisão, assinala Adolfo Mesquita Nunes
O advogado Adolfo Mesquita Nunes defende, em entrevista à Lusa, que é importante que as instituições que intermedeiam o conhecimento reflitam sobre o seu papel e o desafio dos políticos é tornar a moderação "sexy" para os algoritmos.
"O importante é que as instituições que tipicamente filtram e intermedeiam o conhecimento reflitam sobre o que aí está e o seu papel", incluindo jornalistas, diz o autor do livro Algoritmocracia, que aborda o tema como a inteligência artificial (IA) está a transformar as democracias.
Mas "também que os agentes políticos reflitam" sobre que tipo de sociedade, de debate político e que tipo de Parlamento "estamos a querer criar e até onde vão as nossas fronteiras", prossegue.
O desafio para os políticos "é encontrar forma de tornar (...) a moderação sexy para os algoritmos, de encontrar um projeto político pela positiva que seja viral para os algoritmos", perspetiva o sócio da Pérez-Llorca.
Ou seja, "fazer da esperança algo viral e não apenas o medo, as fronteiras abatidas, a pátria em risco, os imigrantes a entrarem em hordas", mas ser capaz de construir uma linguagem que permita que os algoritmos premeiem tanto quanto os conteúdos que chocam.
Como os algoritmos definem o que aparece nos telemóveis e ecrãs, não foram só os políticos que tiveram de se adaptar à nova realidade.
"Uns aproveitando-se porque eles casam na perfeição com a linguagem populista, outros começando" a mudar os tons, palavras, "a utilizar um tom mais bélico, (...) vídeos comunicacionais com bastante mais caráter bélico, para poder passar nos algoritmos", aponta o ex-secretário de Estado.
Nos comentadores de televisão assiste-se a momentos mais conflituosos: "agora começa a ser comum que as pessoas saiam dos estúdios", o que "faz parte dessa encenação porque é isso que depois faz com que no algoritmo esse vídeo dispare", seja do lado de quem ofendeu ou quem foi ofendido, prossegue.
Mas também os jornalistas, "seja nos títulos que escolhem para as notícias, seja nas perguntas que fazem, seja até na circunstância de termos um líder político que é convidado permanentemente para dar entrevistas, como se fosse o único líder em Portugal", porque como dá audiências "tem uma exposição mediática que é totalmente desproporcional à sua representatividade política", diz.
Adolfo Mesquita Nunes refere que isso "significa que o ecossistema que está a ser alterado não é só o partidário, é o ecossistema da discussão e do debate político, da deliberação política".
Quando "passamos a ter processos políticos, processos de sindicância política, processos de debate político, de jornalismo político filtrados pelos algoritmos, então estamos de facto a contaminar todo o processo com esta lógica que vai terminar em radicalização e polarização".
Apesar dos desafios que os algoritmos colocam, Adolfo Mesquita Nunes mantém um otimismo e explica a razão.
Se há uma expectativa fundada de que a tecnologia possa ajudar erradicar doenças e atravessar fronteiras do conhecimento para uma sociedade mais próspera, culta, justa e solidária, "por que carga de água é que não devemos ter a expectativa de que a tecnologia também pode encontrar soluções para nos ajudar a ter um ecossistema algorítmico que não tenha este efeito nefasto", argumenta.
A questão dos algoritmos é "um problema muito complexo": do ponto de vista das soluções, "quando algo é muito difícil e eu não sei muito bem como resolver, eu recorro aos meus valores principais e o meu valor principal é o da liberdade", sublinha.
"Quero ter alguma liberdade na forma como personalizo esse algoritmo", saber como funciona, como prioriza, defende.
Acima de tudo, é preciso que surja um debate para que seja possível apurar melhor o problema e as soluções.