O presidente da RTP considera que os comentários políticos de José Sócrates matam dois coelhos de uma cajadada só: são serviço público e trazem audiência.
Entrevistado na TSF e Dinheiro Vivo, Alberto da Ponte explica que o espaço de análise política que o ex-primeiro-ministro vai iniciar na estação pública no dia 7 de Abril serve dois propósitos: o de trazer audiências à RTP e o de prestar um serviço público de informação.
O presidente do grupo de comunicação detido pelo Estado assegura ainda que a ideia partiu da direção de informação, e confessa que ficou surpreendido quando soube da ideia, já as conversas com o ex-primeiro-ministro iam adiantadas: «até perguntei: é O José Sócrates?». Quanto aos méritos da iniciativa, só tem aplausos: «do meu ponto de vista achei uma boa ideia para a estratégia da empresa, que passa por recuperar audiências, e também para o serviço público, que tem de ser pluralista e independente».
Nuno Santos é «caso terminado»
Sobre a polémica em torno da demissão do ex-diretor de Informação Nuno Santos, Alberto da Ponte rejeita que tenha havido um saneamento político, como diz o jornalista. O presidente da RTP fala em deslealdade e faz um paralelo com o universo da comunicação social privada: «se dissesse do seu patrão aquilo que o ex-director de informação disse de mim, tenho a certeza que não seria você a fazer esta entrevista. Já estava despedido».
A decisão, diz Alberto da Ponte, foi tomada de forma totalmente autónoma, sem a intervenção de Miguel Relvas, ministro da tutela que só foi informado do desfecho quando ele já tinha acontecido: «agimos de forma completamente independente. Tal como aconteceu com o caso de José Sócrates [sobre o qual Miguel Relvas também só foi informado da decisão quando ela já estava tomada] o ministro foi informado na véspera por mera cortesia minha. Não tinha o dever de o informar».
Reestruturação da RTP: «Na minha carreira já fiz milagres maiores»
A RTP tem pela frente, tal como o país, um caminho de austeridade. O universo de 2 mil trabalhadores poderá nos próximos meses perder umas centenas: Miguel Relvas disse que os custos com pessoal têm de ser reduzidos em 28 %. São 21 milhões por ano a menos que a RTP poderá gastar em salários e remunerações variáveis. Quando a isto se juntam os cortes nas indemnizações compensatórias - que caminham para a extinção - sobra um orçamento cada vez mais apertado.
Motivos invocados pela administração da empresa para o lançamento de um plano de rescisões amigáveis que paga 1,35 salários por cada ano de trabalho. A esse plano, diz Alberto da Ponte, já terão aderido «70 a 80 funcionários». O prazo para que os trabalhadores mostrem a intenção de chegar a um acordo de saída termina na segunda-feira dia 1 de Abril, mas a Comissão de Trabalhadores quer um alargamento - que provavelmente vai ser feito nos próximos dias: «vejo um racional nesse pedido».
Quanto às vedetas da estação como José Carlos Malato ou Catarina Furtado («prefiro chamar-lhes profissionais da comunicação»), Alberto da Ponte não admite estabelecer um teto salarial: «estamos num mercado competitivo e os profissionais do entretenimento têm que ter um preço que não esteja muito longe do preço do mercado. Mas eu prefiro pagar no quartil mais baixo. É uma política correta de Recursos Humanos. Pagar bem mas não excessivamente bem. Por isso uma das medidas que fizemos - e que já está terminada - foi renegociar os contratos com todos. Não ficaram contentes, mas compreenderam».
A RTP tem hoje, entre RTP1 e RTP2, 15 % de audiência. Alberto da Ponte quer chegar a 2014 com 22 %. Ao mesmo tempo que o orçamento diminui, as receitas publicitárias caem a pique e os trabalhadores se assustam com o futuro. Uma impossibilidade? Nada disso: «já fiz, com as minhas equipas, milagres mais milagrosos do que esse. Portanto tenho confiança que o vou fazer».
Rádios mantêm-se. Antena3 vai mudar
O presidente da RTP considera que o país não pode dispensar nenhum dos três principais canais de rádio da estação: as Antenas 1, 2 e 3: «temos um contrato de concessão segundo o qual temos de manter essas três antenas e as das ilhas». E a noção de serviço público «obriga a RTP a ter conteúdo dirigido a segmentos: não me vejo hipótese de vivermos sem a Antena2; e não vejo hipótese de sobreviver sem a Antena3, embora a Antena 3 tenha claramente de melhorar. Tem de ter originalidade para justificar a existência. Até Junho deste ano teremos de ter uma nova política de informação, entretenimento e desporto para o universo da RTP, que inclui as rádios».
«Trabalho na RTP assumindo que vai ser pública para sempre»
Quando em Setembro Alberto da Ponte tomou posse como presidente da estação pública de televisão, a intenção do Governo era a privatização. Depois, a concessão. Finalmente, a decisão foi suspensa num Conselho de Ministros em Dezembro. Nada que tenha alterado a condução do grupo: «nunca me meti nas questões da privatização. Trabalho na RTP como se ela fosse ser pública para sempre. Tem de ser assim. Convosco é a mesma coisa. Podem ser vendidos, mas isso não altera a forma de trabalhar».
Perfil
Alberto da Ponte tem uma vasta experiência - em Portugal e no estrangeiro - na gestão de grandes empresas, sobretudo na área do consumo.
Ganhou notoriedade entre 2004 e 2012, enquanto presidente da Sociedade Central de Cervejas, produtora da cerveja Sagres e dona da Água do Luso.
Há um ano foi nomeado vice-presidente da divisão da Heineken para a Europa Ocidental; não ficou no cargo muito tempo: em Setembro de 2012 assumiu a presidência da RTP.
É licenciado em finanças pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e pela Harvard Business School. Nasceu há 60 anos em Lisboa e é sportinguista.