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Gabriel García Márquez - o pai do realismo mágico da literatura

REUTERS/Eliana Aponte

García Márquez, ou simplesmente Gabo para os amigos, foi o mágico da literatura colombiana que se tornou universalmente conhecido pelo seu talento de romancista, novelista, escritor de contos, cronista e jornalista.

Prémio Nobel da Literatura em 1982, pelo conjunto da sua obra, foi com «Cem anos de solidão» que atingiu o apogeu ao consagrar a união perfeita entre o épico e o realismo fantástico. Da Colômbia para o mundo, foi um grito de desassossego político como ativista das causas revolucionárias de América Latina.

Gabriel José García Márquez nasceu na cidade colombiana de Aracataca, em 6 de março de 1927, no seio de uma família de 11 filhos. O pai era farmacêutico, e ainda Gabriel não tinha completado dois anos a família mudou-se para Barranquilla, deixando menino confiado aos cuidados dos avós maternos. O avô, um coronel veterano da guerra civil colombiana, contava-lhe inúmeras aventuras militares, enquanto a avó lhe preenchia o imaginário com fábulas e lendas que transmitiam a sua visão mágica e algo supersticiosa da vida.

Com a morte do avô, aos oito anos, Gabriel juntou-se aos pais, passando a frequentar as escolas de Barraquilla, e, mais tarde, o liceu nacional de Zipaquirá, onde teve um professor de literatura que acabaria por muito influenciar o seu futuro de escritor. De tal sorte que, em 1955, Gabo lhe dedicaria o seu romance «O enterro do diabo».

Concluídos os estudos secundários, e por insistência dos pais, Gabriel matriculou-se na universidade pública de Bogotá, e ali iniciou os estudos de direito e ciência política. Mas pouco depois optou por se estrear no jornalismo, assumindo uma coluna diária no recém-fundado jornal «El Universal».

Em 1948 foi para Cartagena das Índias, dedicando-se ao jornalismo a tempo inteiro. No ano seguinte regressou a Barranquilla, onde trabalhou como repórter do jornal «El Heraldo». Nesse mesmo período juntou-se a um grupo de escritores, cujo objetivo era estimular a literatura e potenciar o talento de novos autores. A partir de 1954 passou a trabalhar na redação do «El Espectador», onde se tornou o primeiro crítico de cinema no jornalismo colombiano, e depois um brilhante cronista e repórter com forte influência na vida cultural do seu país.

Relato de um naufrágio empurrou-o para a Europa

Em 1955, quando trabalhava no jornal «El Espectador», García Márquez publicou, durante 20 dias, uma série de crónicas em forma de reportagem, sob o título «Relato de um náufrago», onde descrevia o naufrágio de Luís Alexandro Velasco, o tripulante de um navio militar que caiu ao mar, com outros marinheiros, arrastados pela queda de uma carga de contrabando que viajava clandestinamente na embarcação acidentada. O náufrago sobreviveu 10 dias no alto mar, sem receber qualquer apoio ou socorro.

Esta série de reportagens teve enorme repercussão na Colômbia, com o governo do general Roja Pinillas a desmentir o relato de García Márquez, e a manifestar o seu profundo desagrado por este trabalho jornalístico. De comum acordo com os responsáveis do jornal «El Espectador», García Márquez viajou para a Europa, tendo como primeira missão fazer a cobertura jornalística da conferência dos «Quatro Grandes», em Genebra. Daqui seguiu para Roma, onde o Papa Pio XII aparentemente estava em agonia. Na capital italiana aproveitou a sua estada de algumas semanas para frequentar o Centro Experimental de Cinema, onde aprofundou os seus conhecimentos na sétima arte.

Durante três anos García Márquez permaneceu na Europa, como correspondente do «El Espectador». Viveu em Paris e percorreu a Polónia, a Hungria, a República Democrática da Alemanha, a Checoslováquia e a União Soviética. Não foram fáceis os seus dias como correspondente internacional, já que o jornal retardava-lhe o pagamento do magro salário, sobretudo pelas dificuldades que o regime de Rojas Pinilla lhe impunha. Quando o jornal foi encerrado pela ditadura de Pinilla, García Márquez passou a escrever para «El Independente»", colaborando também com a revista venezuelana «Elite», e a colombiana «Cromos».

Um novo olhar sobre a América Latina

A passagem de García Márquez pela Europa criou-lhe uma nova perspetiva sobre a América Latina. Em Paris, teve oportunidade de testemunhar os diferentes olhares políticos sobre os países do hemisfério sul, sobretudo analisando as diferenças de tratamento dado aos latino-americanos provenientes dos diferentes países.

Márquez aprendeu a desconfiar dos intelectuais franceses, e das suas abstrações e esquemáticos jogos mentais. Interiorizou que a Europa era um continente envelhecido, enquanto a América Latina era um continente novo, virado para a renovação.

No final de 1957, García Márquez vinculou-se à revista venezuelana «Momento», viajando para Caracas onde pôde testemunhar os últimos dias da ditadura do general Pérez Jiménez. Na primavera seguinte casou em Barranquilla com Mercedes Barcha, de quem viria a ter dois filhos. Mas logo a seguir ao casamento regressou de novo à Venezuela, deixando de trabalhar para a revista «Momento» para se dedicar à extenuante direção da «Venezuela Gráfica».

Em 1959 foi nomeado diretor da recém-criada agência de notícias cubana «Prensa Latina», vivendo seis meses em Cuba, no ano seguinte. Em 1961 foi deslocado, como correspondente, para Nova Iorque, mas teve enormes problemas com a comunidade de exilados cubanos, vendo-se obrigado a renunciar ao cargo que desempenhava. Viajou longamente pelo sul dos Estados Unidos, e daqui seguiu para o México, onde passou a residir depois de lhe ter sido recusado o visto de permanência nos Estados Unidos, acusado de ser um militante comunista.

As coroas de glória a partir do México

De novo regressado ao México, onde já tinha vivido antes, Márquez dedicou-se a escrever guiões para cinema, continuando, também, com presença permanente na imprensa, nomeadamente na revista «Familia y Sucesos», de que, aliás, chegou a ser diretor. Já conhecido internacionalmente , foi neste país que atingiu a verdadeira consagração.

Num certo dia de 1966, quando seguia da Cidade do México para as praias de Acapulco, Gabriel García Márquez sentiu um impulso interior sobre o projeto de uma novela que lhe ocupava o espírito desde há muitos anos. Entendeu que aquela era a hora de se lançar à escrita. Durante ano e meio trabalhou exclusivamente na redação da sua nova obra, oito horas por dia, deixando que a mulher cuidasse do sustento da casa.

Em 1967 deu à estampa »Cem anos de solidão», a sua verdadeira obra prima, que o consagrou para sempre como o pai do "realismo mágico da literatura", e como um dos maiores escritores de todos os tempos. Desta obra disse Pablo Neruda que «es la mejor novela que se há escrito en castellano después del Quijote». De facto, o livro ficou consagrado como a "obra magna" de García Márquez, sendo uma das obras mais traduzidas de sempre, editada em 37 línguas, e convertida num verdadeiro bestseller mundial, com mais de 30 milhões de exemplares vendidos.

Depois deste sucesso, García Márquez fixou-se em Barcelona, com largas temporadas em Bogotá, México, Cartagena e Havana. Nas últimas três décadas escreveu mais quatro novelas, três volumes de contos e de relatos, e importantes recapitulações de escritos jornalísticos e narrativas das mais variadas espécies. No final da década de quarenta Gabriel García Márquez publicou os seus primeiros contos, «La Tercera Resignación»" e «Eva está dentro de su gato».

Entre os mais de 30 títulos publicados, relevam ainda obras emblemáticas como "O enterro do diabo: a revoada", em 1955; "Relato de um náufrago", em 1959; "Ninguém escreve ao coronel", em 1961; "Má hora: o veneno da madrugada" , em 1963; "Crónica de uma morte anunciada", em 1981; "O amor nos tempos da cólera", em 1985; "Doze contos peregrinos", em 1992; "Do amor e outros demónios", em 1994. Em 2002 García Márquez publicou o primeiro livro de memórias "Viver para contá-la", e em 2004 publicou a novela "Memória das minhas putas tristes".

Prémio Nobel da literatura e muitas condecorações

Em 1982, Gabriel García Márquez recebeu o Prémio Nobel da Literatura, justificando a academia sueca esta distinção «pelas suas novelas e histórias, onde o fantástico e o real se combinam num tranquilo mundo de rica imaginação, refletindo a vida e os conflitos de um continente». No discurso de entrega do prémio, a que García Márquez deu o título de "A solidão da América Latina", o laureado fez questão de dizer que tinha a «impressão que ao atribuírem-me este prémio devem ter tido em conta a literatura do subcontinente, e hão de mo ter outorgado como uma forma de adjudicação à totalidade desta literatura».

Para além do maior galardão mundial, García Márquez recebeu muitos outros prémios, distinções e homenagens. Entre outras distinções relevam-se o doutoramento "honoris causa" da universidade de Colúmbia, em Nova Iorque; medalha da Legião de Honra Francesa, em Paris; prémio Rómulo Gallegos por "Cem anos de solidão"; condecoração "Águila Azteca", no México; prémio "Círculo de Periodistas", em Bogotá, etc.

García Márquez foi particular amigo de Fidel Castro, por quem cultivava uma enorme admiração, para além de outros "caudillos" sul-americanos. Politicamente envolveu-se em quase todos os grandes movimentos de libertação em vários países da América Latina, tendo ainda recentemente assinado o documento de intelectuais que defendem a independência de Porto Rico.

Em 1999 foi-lhe diagnosticado um cancro linfático, que ainda assim García Márquez superou. Todavia, a partir de 2012 o famoso escritor deixou praticamente de aparecer, sabendo-se que sofria de degenerescência da memória.

(Fontes consultadas em fevereiro de 2014: biografiasyvidas.com; es.wikipedia.org; pt.wikipedia.org; releituras.com/ggmarquez; netsaber.com.br; suapesquisa.com/biografias/gabriel_garcia_marquez; educacao.uol.com.br/biografias/gabriel-jose-garcia-marquez.jhtm)