António Barreto acredita que a austeridade vai continuar. O sociólogo entende que o PS sofreu um «golpe de partido», que as primárias foram «uma trapalhada» e que António Costa se limita a dizer «a Europa que pague»
António Barreto acredita que a austeridade vai continuar. Entrevistado na TSF e Dinheiro Vivo, o sociólogo afirma que ainda há 10 mil milhões de euros a cortar na despesa pública, e adivinha que «vamos ter mais 3 a 5 anos de dificuldades». Barreto admite que as dificuldades possam manifestar-se através de várias formas: «não sei se vai ser um novo resgate, se vai ser uma reavaliação da dívida, se vai ser uma nova maneira de fazer a austeridade. E acho que isto vai depender da capacidade negocial do Governo junto das instâncias europeias. E da própria situação europeia», afirma.
Uma situação europeia que não deixa adivinhar nada de bom: «as notícias que vêm da União Europeia são todas más. Nada leva a crer que Portugal possa ser ajudado. E já percebemos que nestas coisas ninguém ajuda ninguém, a não ser que seja interessado», garante.
E essa dificuldade, acredita, é mais uma razão para que o país tenha de «zelar o mais rapidamente pelas condições políticas de gestão das dificuldades económicas e financeiras. Isso foi muito mal feito até agora. Não houve um compromisso partidário. Falharam os partidos, falhou o Presidente da República, toda a gente falhou. Agora há que zelar muito seriamente pelas condições políticas da gestão futura da economia e das finanças, que vai ser muito dura»
António Costa fez um «golpe de partido» e limita-se a dizer «a Europa que pague»
António Barreto - que já foi eleito deputado pelo PS, estando há 15 aos desligado da política ativa - não poupa adjetivos na crítica ao líder de facto do Partido Socialista. A começar pela forma como chegou ao poder: «não é um golpe de Estado, porque não foi num Estado, mas é um verdadeiro golpe de partido. Não havia bases estatutárias suficientes para consolidar o que for feito. Isto foi uma trapalhada», argumenta.
E o sociólogo vai mais longe: entende que depois de uma campanha sem ideias, Costa «vai ter de dizer onde vai buscar recursos para as finanças públicas. Até agora limitou-se a dizer que «é preciso que a Europa pague». Isto não faz sentido. A Europa paga? Paga o quê? Como? Quando? E isso é um programa político, ir pedir à Europa que pague?», questiona.
Quanto à abertura manifestada por António Costa para entendimentos à esquerda no congresso do recém-criado Partido Livre, António Barreto entende que esse momento foi uma «encenação com o partido mais pequeno, o que compromete menos».
Barreto avisa no entanto que a procura de entendimentos com os partidos à esquerda do PS pode levar a dificuldades no próprio Partido Socialista, que tem um «ADN anti-comunista». O sociólogo entende que «está aberta a discussão, timidamente. O António Costa não quis dizer diretamente o que quer fazer. Acho que ele vai esperar pelos resultados do debate, porque ele está em risco de perder o próprio partido, ou do partido se perder».
Cavaco está a «construir memória final do mandato»
António Barreto, que há muito defende a antecipação das legislativas do próximo ano, concorda com a mensagem de Cavaco Silva no 5 de Outubro, quando o Chefe de Estado avisou para os riscos que o sistema partidário corre. Mas a concordância fica por aí: «o Presidente da República contribuiu para isso. O mandato poderia ter sido feito de outra maneira, com mais visibilidade pública». E se Cavaco está preocupado há muito tempo, já o deveria ter dito: «se estas preocupações têm 10 anos, já o devia ter dito há muito tempo. Já devia ter informado o país disso, devia ter dado sinais suficientes no trabalho com os partidos políticos e com o parlamento para mostrar essa preocupação e para apontar caminhos para a solução. Só o faz agora, no final do mandato, porque está a construir a memória final do seu mandato», afirma.