Um estudo da Universidade de Coimbra conclui que se «apagou a História» da fachada de cerca de um quarto dos edifícios da Alta de Coimbra na reabilitação feita nos últimos 15 anos.
«Para cima de 100 edifícios», de 417 analisados, perderam a sua identidade histórica nas intervenções realizadas desde os anos 2000 na Alta de Coimbra, utilizando-se técnicas não aceites pelas «convenções e normas de restauro», concluiu Pedro Providência, investigador do Centro de Estudos Sociais e responsável por um doutoramento sobre a salvaguarda dos revestimentos e acabamentos tradicionais da Alta de Coimbra.
Segundo o especialista, nos últimos 15 anos, aquando das reabilitações feitas, grande parte com fundos europeus com comparticipação nacional, utilizaram-se «técnicas modernas que não são compatíveis» com os revestimentos tradicionais existentes nos edifícios.
Durante essas intervenções, aplicaram-se «argamassas de cimento», mais baratas que as técnicas tradicionais, e removeram-se as argamassas antigas, o que levou a que «os elementos pétreos [nomeadamente molduras dos vãos e das janelas] se começassem a soltar e a degradar», disse Pedro Providência.
«Por dentro, as paredes que foram revestidas por argamassa de cimento Portland e tintas acrílicas também se vão degradar porque não respiram e as respetivas argamassas de cimento modernas vão estalar e fendilhar», explanou.
Esta prática vai levar à necessidade de se remover de novo a argamassa de cimento, fazendo-se nova intervenção, o que acaba por tornar o processo «mais caro», referiu, notando que em algumas das reabilitações feitas já se observa «o apodrecimento» das fachadas e que em alguns edifícios se tem feito «sistematicamente o mesmo tipo de intervenções».
Para além da componente económica, este processo, ao remover a argamassa tradicional, leva a que se apague «parte do património arquitetónico de um povo e de uma cidade e consequentemente a sua identidade».
«Durante o Estado Novo, pintava-se de cal por cima das fachadas. Apesar de se terem perdido as cores da Alta, este não foi um processo irreversível», observou, frisando que utilizando-se o reboco de cimento e removendo a argamassa original «deixou de ser possível» recuperar a fachada original.
Apesar disso, o especialista enalteceu o trabalho desenvolvido por instituições como a Direção Regional da Cultura do Centro e a Direção Geral do Património Cultural, considerando que é à Câmara de Coimbra «que compete fiscalizar».
Pedro Providência espera agora que a autarquia «tenha em conta este trabalho» para futuras reabilitações, realçando que uma maior sensibilidade para estas questões pode também «ajudar em termos de dinâmica de turismo».
«Em Praga, usam-se técnicas tradicionais nos revestimentos históricos», tornando a cidade «mais autêntica», exemplificou.
Apesar de o turista «não ser um grande conhecedor, quando percorre a cidade sente um carisma diferente. Faz mais sentido e é mais coerente».
O projeto de doutoramento foi realizado entre 2009 e 2014 no Departamento de Arquitetura da Universidade de Coimbra.