Justiça

José Sócrates: "Nunca, em consciência, poderia dar consentimento"

Leonel de Castro / Global Imagens

O antigo primeiro-ministro recusa a prisão preventiva com pulseira eletrónica, e ao consentimento pedido pelo Ministério Público responde: "Nas situações mais difíceis há sempre uma escolha. A minha é esta: digo não".

Numa curta declaração escrita, José Sócrates afirma que passados "seis meses sem acusação. Seis meses sem acesso aos autos. Seis meses de uma furiosa campanha mediática de denegrimento e de difamação, permitida, se não dirigida, pelo Ministério Público", não vai dar o acordo dele à prisão domiciliária com vigilância eletrónica.

O antigo Primeiro-ministro afirma que não pode pactuar com uma prisão preventiva que teve como objetivo investigar, quebrar, calar, e "obter sabe-se lá que "confissões"", e sublinha que também não pode pactuar com uma "prisão domiciliária com vigilância eletrónica como instrumento de suavização, destinado a corrigir erros de forma a parecer que nunca se cometeram".

Classificando os últimos seis meses, passados no Estabelecimento Prisional de Évora, como uma "enorme, e cruel injustiça", o antigo líder socialista afirma que a prisão preventiva contou sempre com o seu "protesto e repúdio", e nunca "com o silêncio e muito menos com o assentimento" dele. Proposta a prisão domiciliária com pulseira eletrónica, José Sócrates diz que "nunca, em consciência, poderia dá-lo".

O antigo Primeiro-ministro considera que foi sujeito a "seis meses de imputações falsas, absurdas e, pior - infundamentadas, o que significa que o Ministério Público não as poderia nem deveria fazer, por não estarem sustentadas nem em indícios, nem em factos, nem em provas. Seis meses, enfim, de arbítrio e de abuso". Agora, diz José Sócrates, "cada um que assuma as suas responsabilidades".

Sócrates confessa que "meditou longamente" esta decisão, e no que ela significa de "sacrifício pessoal", e sacrifício para a família e amigos. O antigo líder do PS explica ainda que o critério da decisão é simples: "tem que estar de acordo com o respeito que devo a mim próprio e com o respeito que devo aos cargos públicos que exerci".

Leia na íntegra o comunicado:

"A minha prisão constituiu uma enorme e cruel injustiça. Seis meses sem acusação. Seis meses sem acesso aos autos. Seis meses de um furiosa campanha mediática de denegrimento e de difamação, permitida, se não dirigida, pelo Ministério Público. Seis meses de imputações falsas, absurdas e, pior - infundamentadas, o que significa que o Ministério Público não as poderia nem deveria fazer, por não estarem sustentadas nem em indícios, nem em factos, nem em provas. Seis meses, enfim, de arbítrio e de abuso.

Aqui chegados, que cada um assuma as suas responsabilidades. A minha prisão foi uma violência exercida injustamente contra mim, mas foi-o de forma unilateral - foi-me imposta. Esse ato contou sempre com o meu protesto e o meu repúdio; nunca com o meu silêncio e muito menos com o meu assentimento. Agora, o Ministério Público propõe prisão domiciliária com vigilância eletrónica, que continua a ser prisão, só que necessita do meu acordo. Nunca, em consciência, poderia dá-lo.

Por outro lado, não posso ignorar - nem pactuar - com aquilo que, hoje, para mim, está diante dos olhos: a prisão preventiva usada para investigar, para despersonalizar, para quebrar, para calar, para obter sabe-se lá que "confissões". Também não ignoro - nem pactuo - com a utilização da prisão domiciliária com vigilância eletrónica como instrumento de suavização, destinado a corrigir erros de forma a parecer que nunca se cometeram. Estas "meias-libertações" não têm outro objetivo que não seja disfarçar o erro original e o sucessivo falhanço: depois de seis meses de prisão, nem factos, nem provas, nem acusação.

Meditei longamente nesta decisão, no que ela significa de sacrifício pessoal e, principalmente, no sacrifício que representa para a minha família e para os meus amigos, que têm suportado esta inacreditável situação com uma extraordinária coragem. Todavia, o critério de decisão é simples - ela tem que estar de acordo com o respeito que devo a mim próprio e com o respeito que devo aos cargos públicos que exerci. Nas situações mais difíceis há sempre uma escolha. A minha é esta: digo não."