É a primeira condenação do supervisor no caso BES. Ricardo Salgado, Morais Pires e outros ex-administradores do grupo com penas graves. Sentença tem 800 páginas. E seguirá para tribunal.
O Banco de Portugal concluiu esta semana o primeiro dos cinco processos sancionatórios que abriu contra a comissão executiva do antigo BES - e aplicou medidas graves para os que entendeu serem os principais responsáveis. Ricardo Salgado foi condenado a pagar 4 milhões de euros, o limite máximo que a antiga lei permitia (agora já é de 10 milhões); Morais Pires 600 mil euros; e José Manuel Espírito Santo 525 mil euros.
Em causa está a colocação de dívida da ESI (Espírito Santo International) através dos balcões do antigo BES e da ESAF, num esquema que o Banco de Portugal considera provado de ocultação de 1,3 mil milhões de dívida entre final de 2011 e final de 2013. Exemplo prático disso é o polémico papel comercial, que levou milhares de pessoas a apresentarem queixa na Justiça.
Nas cerca de 800 páginas da decisão (dezenas de milhares no total do processo, que ontem chegaram aos advogados), segundo apurou a TSF, o regulador conclui que as contas da ESI estavam a ser falsificadas desde 2008, descrevendo em pormenor cada passo desse processo - com a colaboração de alguns participantes no esquema, que estiveram entre os cerca de 100 arguidos e testemunhas ouvidos nos últimos dois anos. Em suma, as contas eram elaboradas na Suíça, enviadas para Lisboa e devolvidas depois com indicações para serem alteradas - com ordem direta de Salgado, segundo o regulador.
Salgado e Morais Pires recusaram ser ouvidos no processo, alegando falta de isenção do regulador que decidiu depois a resolução do banco. E podem contestar a decisão nos próximos dias, levando o caso para o Tribunal da Concorrência - e depois para a Relação de Lisboa e TC.
CULPAS REPARTIDAS, MAS UNS MAIS QUE OUTROS
Salgado é condenado por cinco infrações dolosas, três delas "especialmente graves" (atos graves de gestão ruinosa) e uma de prestação de informações falsas ao regulador, correspondente aos 1,3 mil milhões de ativos que apresenta de Angola quando o BdP descobre as irregularidades na ESI. Por tudo isto, soma-se aos 4 milhões de coima uma inibição de funções por dez anos e à publicação da sentença num jornal.
Salgado e José Manuel Espírito Santo são também dados como culpados de violação das regras de conflito de interesses (porque eram acionistas da ESI, beneficiando assim da colocação de dívida). Ao passo que Salgado e Morais Pires são condenados ainda por ocultar informação essencial da Comissão Executiva do banco, e até por não ter sido feita análise de risco ao BES por colocar dívida nesta dimensão.
Neste último caso, também Joaquim Goes e José Maria Ricciardi são condenados (100 mil e 60 mil euros, mas suspensas em 75% do valor), por terem a cargo na época a área da gestão de risco e terem sido negligentes. Ricciardi é, entre todos, o único que está no ativo - à frente do ex-BESI, agora Haitong Bank. Mas livra-se das acusações mais graves, tendo sido provado que não teve participação no processo nem conhecimento, tendo apenas formalmente desde 2012 essa área a cargo.
NORMA ALTERADA, SEM NINGUÉM SABER
O Banco de Portugal diz, a propósito desta questão da análise de risco, que havia uma norma interna que obrigava a que essa análise de risco fosse feita para produtos como os comprados pelos lesados, mas que ela foi alterada em 2012, por indicação informal de Salgado e Morais Pires, sem que o resto da comissão executiva soubesse.
Há, por isso mesmo, pessoas ilibadas no processo - que tinham sido acusadas inicialmente. É o caso dos ex-administradores João Freixa, Jorge Martins, Manuel Fernando, Ricardo Abecasis, Rui Silveira e Stanlislau Ribas.
Há também outras sanções aplicadas, duas das quais suspensas ao BES e ESFG dada a situação de liquidação das duas instituições. José Manuel Souto e Pedro Costa também terão de pagar coimas, por negligência.
Este é o maior processo que o Banco de Portugal já levou a cabo, sendo também a primeira sentença relativa ao caso BES/GES, acabando por demorar bem menos do que os casos do BPN e BPP, por exemplo. Mesmo na Suíça e Luxemburgo, os processos em curso ainda não terminaram. A Justiça portuguesa ainda não produziu a acusação sobre o caso.