A venda de discos tem aumentado, mas as dúvidas sobre quem os compra não têm sido desfeitas por estudos que parecem ter mais em conta o potencial de partilhas no Facebook do que o método científico.
A empresa britânica de estudos de opinião e sondagens YouGov divulgou há dias um estudo sobre o consumo de música em vinil no Reino Unido que conclui que é mais provável pessoas com idades entre os 45 e os 54 comprarem discos do que o resto da população adulta britânica. O mesmo estudo indica ainda que os compradores de vinil têm uma relação mais intensa com a música e que existe uma tendência ligeiramente maior para gostarem de estar sozinhos (69% contra 66% da população adulta britânica) e para não partilharem os seus sentimentos (56% contra 53% dos adultos britânicos).
Numa espécie de homenagem ao jogo do telefone estragado, estas conclusões deram origem nos meios da especialidade a títulos como "Estudo diz que compradores de vinil são pessoas de meia idade solitárias e introvertidas" e "Aparentemente, a maioria dos compradores de vinil são pessoas de meia idade solitárias". Há que tornar as coisas mais interessantes. E transformar a maior tendência para a compra de discos dentro de um grupo etário numa "maioria" e uma variação de três pontos percentuais numa diferença absoluta (há os solitários e os outros) são maneiras de o fazer. Mas, convenhamos, são exageros pouco aceitáveis por parte dos meios em causa.
Em 2015, curiosamente, a MusicWatch, uma empresa norte-americana de estudos de mercado focada na indústria musical, tinha chegado a uma conclusão bastante diferente: cerca de metade das compras de vinil nos Estados Unidos são feitas por pessoas com menos de 25 anos. Ora, há três explicações possíveis para isto: a primeira hipótese é os norte-americanos e os britânicos que compram vinil serem muito, muito diferentes; a segunda é ter havido uma mudança significativa nos hábitos de consumo de música em vinil de um ano para o outro; a terceira (e mais provável) é pelo menos um dos estudos ter falhas graves de metodologia e, por isso, ter resultados enviesados.
Esta é, de resto, uma tendência que não afeta só a indústria da música. Os estudos que dizem que o café faz mal para logo a seguir serem contrariados por outros estudos que dizem que o café faz bem, por exemplo, demonstram-no bem. Mas é indiferente, desde que haja partilhas no Facebook e no Twitter, aparentemente.
Ainda assim, o ressurgimento do vinil é uma realidade interessante e merece ser estudado. Quem são os principais responsáveis pelo regresso deste velho formato? Existe alguma relação entre ouvir música em streaming e a compra de vinil? Confirma-se que a relação destes consumidores com a música é mais intensa e, por isso, gastam mais dinheiro em concertos e merchandising, por exemplo? Uma mistura entre preconceito e senso comum pode levar-nos a assumir que sim, mas não há nada como a ciência para nos ajudar a verificar hipóteses como estas. Certo é que as vendas de vinil têm vindo a aumentar nos últimos anos - ainda que estejam muito abaixo dos números atingidos nas décadas de 1970 e 1980 - e que os retalhistas começaram a dar mais atenção ao formato. A cadeia de supermercados britânica Tesco, a cadeia de livrarias Barnes & Noble e, no caso português, lojas como a Fnac e a Worten, que têm dado mais espaço ao vinil, são bons exemplos. Mas entretanto é melhor começarem a preparar-se já para o regresso das cassetes.
* Editor do site strobe.pt