Sociedade

Montijo: A mudança vai ser inevitável

Carlos Santos/Global Imagens

Com a Base do Montijo a preparar-se para ser a alternativa ao Aeroporto de Lisboa, a cidade está na expectativa e aguarda por mais informações.

À porta do café de Carlos, junto à Câmara Municipal do Montijo, há uma chuva de cartazes manuscritos. Todos dizem: "Sopa+Bifana = 2.80 euros".

"É o mais procurado, bem gostava de aumentar o preço. Mas bom, bom era haver muito mais gente a pedir esta ementa!". Está pessimista desde que lhe levaram o cais da Transtejo para o Seixalinho. Com a mudança foram-se os fregueses. "Isto está num beco sem saída!".

Não tem medo dos impactos negativos do novo aeroporto. Tem é medo que os passageiros passem pelo aeroporto sem pôr um pé no Montijo, sem lhe passarem à porta.

Carlos também tem algum receio que o céu lhe caia um dia na cabeça. Afinal, quando era miúdo, estava na escola quando um caça se despenhou ali pertinho do edifício, "Caíram três aviões no Montijo, um foi perto da escola, até morreu uma senhora e um homem ficou ferido. Foi há muitos anos, mas a gente lembra-se de vez em quando".

A resposta chega de outro café, no Samouco. Rosália não tem dúvidas de que os acidentes tiveram só um culpado. "Era um piloto que tinha mania de fazer voos muito baixinhos. Tantos fez que um dia morreu num desses acidentes".

Pode ser lenda, mas é difícil encontrar quem tenha medo de acidentes aéreos. São muitos anos de convivência, boa convivência. "Todos os comandantes da Base têm boas relações com as pessoas da terra. Convidam-nos para cerimónias e almoços. Nós também os convidamos para as festas. "Fazem parte da terra", conta António Almeirim, o Presidente da Junta de Freguesia de Samouco.

Há uns tempos que António Almeirim anda irritado. Trabalhou na Base, como civil durante quase metade da sua vida. Tem 78 anos, andou por lá 35. "Acho muito mal não dizerem nada aos autarcas. Tínhamos o direito de saber, pelo menos para responder às pessoas. Só nos perguntam se o aeroporto vem para cá ou não." E que lhes diz? "Parece que sim...".

Sem certezas ainda não há obras. Mas há planos. "Há muita gente com casas devolutas que estão a preparar-se para fazer obras. Para vender ou arrendar. Para fazer dinheiro".

A Junta de Freguesia do Samouco é da CDU, como a Câmara Municipal de Alcochete. Parece que nenhum dos autarcas goza do mesmo protagonismo de Nuno Canta, o socialista que preside à Câmara do Montijo.

Na mercearia do Samouco, ao fim do dia, há donas de casa menos aventureiras em opiniões sobre grandes obras. Graça torce o nariz ao aeroporto. Andou toda a vida à procura de sossego. "Já vivi em Lisboa e mudei-me para o Montijo. Depois vim para aqui. Estou preocupada por causa do barulho". Não quer mudar outra vez de casa.

A mudança vai ser inevitável. Ninguém sabe ainda em que sentido.