Presidente da EDP não se alonga nos comentários ao que aconteceu a Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Ricardo Salgado. Mas diz que Portugal seria um país melhor se estes casos não tivessem acontecido.
Excerto da entrevista ao presidente da EDP no programa A Vida do Dinheiro:
Levar energia acessível a todos numa altura em que mil milhões de pessoas continuam sem ela parece um objetivo ambicioso para 2030. Concorda?
É de facto um número chocante. Há mais de mil milhões de pessoas, ou seja, uma em cada sete, sem acesso à energia, afetando toda a sua vida, dos seus descendentes, e gerações, se esse problema não for remediado. Também é chocante porque há soluções. A tecnologia, como em tudo, vai à frente daquilo que são as próprias empresas, instituições políticas, organizações internacionais. E vai à frente da vontade, infelizmente. O discurso existe, mas não se materializa em coisas concretas que permitam resolver os problemas.
E há falta de vontade política?
É um puzzle com muitas peças que é preciso juntar. Tem que ver com vontade política, enquadramento legal e regulatório. No fundo, a capacidade de atrair capital e investimento para qualquer coisa onde a tecnologia já dá hoje soluções muito competitivas. O acesso à energia, à energia renovável e à eficiência energética, costumo dizer a brincar, que são as três faces da mesma moeda.
Hoje, discutir eficiência energética é essencialmente discutir utilizações inteligentes, a digitalização e a descentralização da geração ajudam particularmente nessa questão, e em último vem então a discussão deste acesso a 1,1 mil milhões de pessoas. Para termos uma ideia, por cada dólar, ou euro, investido na África Subsariana, o impacto seria de 15 dólares. Ou seja, é dos investimentos mais rentáveis.
Se se der às pessoas acesso à energia e se completar isso com um telemóvel, está-se a ter um papel ativo na sociedade e está-se a conseguir dar às suas famílias condições de vida que lhes permitam depois acesso à cadeia de saúde, educação, etc. Esta é uma questão absolutamente indispensável. E o SE for All, que agora presido, em substituição do presidente da Shell - a pedido dele e do resto do conselho -, tem sido consistente nesta narrativa.
O grosso destes 1,1 mil milhões de pessoas está em África e o resto na Ásia e na América Latina - e a EDP tem sido verdadeiramente consistente nesta adoção de eficiência energética, a prioridade número um, renováveis e acesso à energia.
Os EUA acabaram de eleger um presidente que vai no sentido oposto, de desincentivar as renováveis e apostar nos combustíveis fósseis. Tem medo de Trump e da sua estratégia?
Sobre a questão da energia não tenho dúvidas - aliás, ficou claro, com o discurso de Michael Bloomberg aqui em Nova Iorque - de que a realidade não é alterável de uma forma artificial. Quando ouvimos dizer "vamos proteger minas de carvão", isso não é verdade, ou seja, a situação do carvão e da ausência de competitividade estrutural a prazo não se deve à intervenção do anterior presidente nem ao enquadramento sobre o setor elétrico nos EUA.
Aliás, o atual enquadramento foi aprovado pelo presidente Obama, mas com o Senado e a Câmara dos Representantes já com maioria republicana. Havia já o reconhecimento de várias coisas: a existência muito forte de recursos naturais, vento e sol, nos EUA, e em dois terços do território as renováveis são já a fonte mais competitiva de energia; em segundo, há um conjunto crescente de Estados - hoje são já 30 - que têm regulação própria que obriga a ter uma percentagem de energia limpa, independentemente da política federal, e o esquema de reconhecimento de custos e incentivo à introdução de energias mais limpas já estava estruturado precisamente pelas anteriores câmaras. Por isso, praticamente dois terços do investimento da EDP em renováveis estão nos EUA, que têm sido, são e serão no curto prazo o principal motor de crescimento da companhia nas renováveis.
A aposta nos EUA, especialmente na Horizon, continua a ser uma boa aposta? E a nova política americana não fará a EDP recuar?
Não, e até costumo dizer que se não tivéssemos feito a aposta nas renováveis, hoje a EDP seria uma empresa irrelevante, com um problema enorme, que aconteceu, aliás, à maior parte das grandes companhias europeias. Algumas delas tinham quatro ou cinco vezes o tamanho da EDP, e uma década depois, algumas são mais pequenas do que a EDP hoje. Isto porque perderam a noção daquilo que tinha sido a mudança do setor: renováveis, importância da eficiência energética. E falharam na noção de que o cliente tem de estar no centro e de que a descentralização da geração seria uma realidade - e quase desapareceram.
Houve companhias que no passado tentaram comprar a EDP porque eram quatro ou cinco vezes maiores e hoje são mais pequenas. Por isso seríamos uma empresa irrelevante. Se ao contrário tivéssemos feito aposta noutras áreas como o nuclear, hoje seríamos, provavelmente, uma empresa falida. Isto mostra claramente a escolha de ir, no ponto de vista da geração, para energias limpas, mas que tivessem visibilidade sobre aquilo que são a regulação e a legislação, e ao mesmo tempo perceber que a cadeia de valor está cada vez mais centrada no cliente. Esse aspeto é crucial e permitiu à EDP crescer, valer hoje mais do que valia há dez anos e incomparavelmente mais do que algumas que a quiseram comprar. Nos últimos dez anos fomos a segunda melhor utility de energias integradas quer em criação de valor quer em remuneração para os acionistas.
Na economia portuguesa, falta sobretudo investimento?
Temos sido o maior investidor em Portugal. O país só consegue crescer se houver mais investimento. O principal problema que Portugal teve nos últimos tempos foi o sistema financeiro. Havia primeiro que resolver coisas que não permitem sequer que os investidores olhassem para Portugal.
E está a ser bem resolvido?
A questão essencial é resolver. A capitalização do BCP foi importante, aliás o Fundo de Pensões da EDP esteve envolvido como principal acionista português. A resolução do Novo Banco é importante, tal como a do Banif. Logo, é preciso que não haja nenhum problema por aí.
O que interessa é ter solução?
Nos roadshows, durante o ano de 2012, passava 70% a 80% do tempo a falar dos problemas de Portugal. Esse tempo caiu a pique. O primeiro tópico era o sistema financeiro, associado à disciplina orçamental e controlo do défice.
O tema da geringonça não surgia nessas conversas?
Obviamente houve sempre interesse em saber como funcionava.
E tem funcionado bem?
Não me apetece falar de eficiência política. Já fiz um ano de vida política, gostei imenso e aprendi com essa experiência. Acho que as pessoas criticam com demasiada facilidade os políticos, era bom que lá estivessem para perceber aquilo que é a dificuldade do exercício dessa função. É claro que este governo tem conseguido encontrar soluções para aquilo que são algumas das restrições, nomeadamente no equilíbrio do défice governamental. Não concordo com todas as escolhas, faria outras diferentes, com certeza.
Quando vê caírem nomes como Bava, Salgado, Granadeiro, o que lhe provocam estas notícias?
São casos que, claramente, não deviam ter acontecido. Nenhum destes casos polémicos deveriam ter acontecido, e, com certeza, que seríamos um país melhor se não estivéssemos a lidar com eles. Isso é absolutamente óbvio.
Está desiludido com esses gestores? E com Salgado?
Sabe que felizmente guardo os meus estados de alma para aquilo que é essencial. Não me verá falar daquilo que é a vida dos outros. Gostaria que toda a gente fizesse um bocadinho mais isso, assumir a sua responsabilidade e dar contributos pela positiva, que é mais uma vez o que estamos a discutir aqui em Nova Iorque, e a falar de realidades das pessoas que têm efetivamente de mudar, de melhorar condições de vida.