Ambiente

Depois de Almaraz, há um novo "conflito" nuclear perto da fronteira portuguesa

TSF / Afonso de Sousa

Uma mina de urânio, em Espanha, na província de Salamanca, a cerca de 40 km de Portugal, está a levantar muitas questões dos dois lados da fronteira.

Nos últimos meses, vozes contra e a favor têm extremado posições e o assunto está mais vivo que nunca no país vizinho. Os trabalhos, numa mina a céu aberto na localidade de Retortillo, deveriam começar por estes dias, mas um pedido de explicações, com mais de 1500 assinaturas, suspendeu por dois meses o arranque.

No centro da polémica está uma plataforma ambientalista espanhola chamada STOP URÂNIO que tem tentado, por todos os meios, que a exploração não avance num território que também é classificado como Rede Natura.

A TSF foi até ao local e encontrou, no cruzamento que dá acesso à localidade de Retortillo, Adolfo Pacheco, sentado num banco de pedra. A única companhia que tem, a meio da tarde, são os pássaros que cantam desenfreadamente numa árvore que também faz sombra ao habitante da pequena aldeia. Ali espera ansiosamente a chegada de uns amigos de Marbella. Tem 64 anos. Fala descomplexado dos assuntos da mina.

"Uns estão felizes e outros não. A maioria está de acordo por causa do trabalho e algum dinheiro deixarão para a povoação, acho eu. Há outros que têm medo por causa da saúde".

Adolfo refere-se aos 200 empregos que a empresa já prometeu e que poderão chegar aos 400 quando atingir o ponto mais alto de laboração. Há também a questão dos terrenos, muitos já comprados pela empresa.

Ao entrar na povoação com pouco mais de 200 habitantes, nota-se bem um pequeno incómodo quando abordamos o tema da mina. Todos parecem ter opinião, mas não querem dá-la. "Há famílias que já não se falam", dizem-nos sem querer gravar. Isso confirma-o Angela Hernandez de 66 anos. Vem a passar, de braço dado com uma amiga, na pequena praça de Retortillo. Diz que o pior, têm sido os ataques pessoais.

"O que eu acho pior é que haja gente que esteja a atacar outros a nível pessoal e isso é o que nos traz chateados, mas com a gente do povo não há nenhum problema. Estão contentes porque pode vir dali trabalho. Se falarem com outros poderão dizer outras coisas, mas aqui também há gente que vendeu os terrenos e parecem-me satisfeitos."

Tudo num território onde os empregos escasseiam. Angela acrescenta que a mina não será assim tão má para a saúde e faz o paralelo com outra ali perto. "Eu não acredito que esta mina seja pior do que aquela que abriram em Ciudad Rodrigo. Porque vai ser esta pior se é igual?"

A empresa mineira tem sido acusada de ter cortado centenas de azinheiras centenárias, espécie que abunda na zona. Sobre isso também a trabalhadora de uma fábrica de eletrodomésticos tem opinião. "Está contratado que têm que plantar as que tirarem. Quando terminar a exploração, se é que se vai explorar, têm que as voltar a por e isso não me parece assim tão mal".

Os primeiros trabalhos de investigação no terreno que a empresa australiana Barkeley Mineira fez começaram há dez anos num espaço ao lado de Retortilho e Vilavieja de Yeltes na província de Salamanca. Em 2010 foram pedidas as primeiras autorizações para exploração de Urânio a céu aberto. Mas só em 2014 conseguiu a concessão mineira dada pela Junta de Castilha e Leon.

Agora estão em falta mais duas. A do Estado e a do Ayuntamiento de Retortilho que se viu confrontado, há pouco tempo, com um pedido de cerca de 1500 pessoas para esclarecimentos. Por isso os trabalhos foram suspensos por dois meses. "O Ayuntamiento de Retortillo tem que dar resposta a todas as perguntas que 1500 pessoas fizeram e têm que responder-nos antes de darem autorização. Isso a nível local e depois ainda fica a faltar a estatal do ministério da energia".

José Barrueco é o porta-voz da plataforma ambientalista Stop Urânio, constituída em 2013 para combater a intenção da empresa em começar ali a exploração de urânio e todos os malefícios que isso poderá causar. Acrescenta que a suspensão de dois meses será tratada rapidamente pelo Ayuntamiento local, mas o mesmo já não deverá acontecer com o ministério da Energia Espanhol que deverá fazer um estudo mais aprofundado, depois de ter sido posta uma ação judicial à primeira autorização prévia de exploração.

"O Conselho de Segurança Nuclear não se vai manifestar até que não tenha tudo bem esclarecido. Até porque agora existe mais pressão social, mais pressão política porque não é a mesma coisa agora do que era na altura quando isto começou, o Partido Popular tinha maioria absoluta. Agora no parlamento os partidos que nos apoiam podem por mais dúvidas e perguntas e o Conselho de Segurança Nuclear vai pensar mais do que no passado quando deu autorização prévia. Agora temos essa autorização em recurso por via judicial e pode demorar dois anos a haver uma decisão sobre de que forma se vai repercutir o tema da radioatividade nas pessoas que vivem à volta da mina".

E essa é a principal preocupação dos ambientalistas. De que forma poderá a exploração de urânio afetar a saúde das pessoas? José Barrueco responde com dois exemplos do passado, um em Portugal. "Que perguntem aos mineiros portugueses que trabalharam em Urgeiriça, perto de Viseu. Mais de 100 pessoas morreram, os que trabalhavam nas minas ou familiares. A empresa diz que não é o mesmo agora do que aconteceu há 30 ou 40 anos, mas é um facto é que os efeitos radioativos do urânio são muito evidentes. Não só em Portugal nos também temos aqui em Salamanca uma mina em Saelices e também, depois de um Instituto Espanhol de Saúde ter averiguado as consequências dessa mina, verificou que aconteceram mais mortes por cancro de pulmão num raio de 15 quilómetros à volta da mina"

José Ramon Barrueco acrescenta que Portugal poderá sentir bem os efeitos da mina de urânio porque o rio Yeltes que passa ali, junto aos terrenos onde está a mina, é afluente do Huebra que desagua no Douro. "Para lavar o urânio utiliza-se ácido sulfúrico e o medo dos portugueses é de que esses desperdícios incontrolados cheguem ao Yeltes e depois ao Douro".

O ambientalista acrescenta que para lá da contaminação das águas, os trabalhos ruidosos das máquinas trituradoras de minério e as inúmeras explosões lançariam no ar uma quantidade significativa de poeiras contaminadas numa área classificada, em parte como rede Natura.

Ora, é precisamente a cerca de um quilómetro da mina que estão, há mais de 100 anos, as termas de Retortillho. É um espaço calmo, turístico e frequentado por muita gente de Espanha e do estrangeiro para curar maleitas e descansar. Ali trabalham mais de 40 pessoas. É o caso dos pais de Raquel Romo. Estão a gerir o bar há uma vida. Raquel teme que com a mina tudo desapareça. "Estão aqui há mais de 60 anos, a trabalhar, vivendo um pouco da agitação das Termas". Raquel Romo tem um comércio em frente às termas, do outro lado da Rua. Está contra a abertura da mina. "Claro que sim, se o balneário fechar por causa da mina os nossos negócios fecham também. Não é só uma questão de saúde é acabar com o nosso trabalho", conclui.

Ali ao lado, o que mais se veem são grandes explorações de gado bovino e ovino. A carne de Campo Charro, como é conhecida aquela parte de Espanha, é muito apreciada no país vizinho, não só a de vaca mas também o presunto de porco e o cordeiro de Salamanca. Genara Moro é, com o marido, proprietária duma dessas explorações na povoação de Boada, junto a Retortilho. Tem 70 vacas e 250 ovelhas "A mina", diz "é exatamente o contrário que queremos para o gado porque acreditamos que as poeiras suspensas contaminarão tudo. As vacas e ovelhas vão andar a pastar a poucos quilómetros da mina quando tudo ficar radioativo? Quem vai querer comprar gado contaminado? Temos uma fama grande com a carne Charra e com o cordeiro de Salamanca. Todas essas azinheiras que estão arrancando dão muitas bolotas com que se criam os porcos que dão um excelente presunto e chouriço desta terra mas acho que tudo vai acabar".

Genaro está preocupada com o seu futuro e o de muitos agricultores da zona. Acrescenta que os empregos anunciados pela mina podem acabar com muitos que já existem na terra. "As pessoas pensam nos empregos que a mina vai criar e eu pergunto: e todos os que se vão destruir? E os agricultores e criadores de gado o que é que vamos fazer? Vamos vender o nosso gado para ir trabalhar para a empresa durante dez ou doze anos. Ainda se fosse para toda a vida mas não é só para dez anos. E depois que fazemos?"

Uma pergunta à qual José Barrueco, porta- voz da plataforma ambientalista Stop Urânio não consegue responder. Diz que estão a fazer tudo para parar o empreendimento mas também tem presente que a empresa já ali investiu cerca de 70 milhões de euros e isso pesa. "Parar vai ser difícil. Dizem que já lá puseram mais de 70 milhões de euros. Não sabemos. Há implicações com a rede natura, com o rio Yeltes, há preocupações europeias. Talvez se possa parar por via judicial porque por eles não vão parar".

Esse é também o receio do lado português. Artur Nunes, presidente da Câmara Municipal de Miranda do Douro já esteve em Retortilho e toda esta questão está a preocupá-lo sobremaneira. Por isso já o fez saber junto das autoridades espanholas e portuguesas.

"Embora seja do lado espanhol poderia ter implicações futuras também para o lado português. Primeiro por causa do Parque do Douro Internacional, depois por causa da Reserva da Biosfera que está criada de um e de outro lado da fronteira e também para o Douro Vinhateiro por causa da relevância e preocupação da contaminação que poderia acontecer pela própria extração, limpeza e contaminação das águas, a poluição do ar. Há as partículas que são postas à superfície e por isso havia ali um grave problema. O que nós queríamos não era uma suspensão temporária mas uma suspensão definitiva da tentação da extração e produção de urânio nesta região".

Artur Nunes acrescenta que já se acumulam na fronteira vários casos ligados ao nuclear e que as questões ambientais têm, de uma vez por todas, que entrar na agenda das Cimeiras Ibéricas. "Quando se fala em matéria prejudicial ambiental para a saúde humana fala-se sempre em territórios de fronteira. Estamos a falar de Almaraz, fecha não fecha, e aconteceu já o que aconteceu e Retortillo pode ser também um dos problemas. Nós já tivemos, há uns anos a questão de Saiyago e parámos. Mas volta outra vez esta questão do nuclear, do urânio aos territórios de fronteira. Por isso eu acho que a grande preocupação devem ser as políticas de cooperação em zonas transfronteiriças e que a próxima Cimeira (Ibérica) deveria ter este ponto em agenda de cooperação em matéria ambiental".

Também Maria do Céu Quintas, presidente de Freixo de Espada à Cinta está preocupada com a questão. Ficou satisfeita com a notícia da suspensão mas entende que o projeto não deveria ir para a frente. Há pouco tempo falou com o ministro Eduardo Cabrita e disse-lhe das implicações que a mina de urânio pode ter, não só para o seu concelho. "Claro, não é só para Freixo, seria por todo o rio Douro. Eu, há dia, falei do assunto com o ministro Eduardo Cabrita e ele ficou de ver o que se passava. Da parte dos espanhóis há um certo comprometimento entre eles porque geraria empregos e o facto de estarmos numa zona de interior e desertificada quase que é bem-vindo mas naquele caso não pode ser bem-vindo e espero bem que esse projeto não vá para a frente".

A contestação, as preocupações, os argumentos a favor e contra à exploração a céu aberto da mina de urânio em Retortilho têm aumentado de um e de outro lado da fronteira e não deverão ficar por aqui, num assunto muito particular que afeta, direta ou indiretamente, várias populações de Espanha e Portugal.