O Presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações, Rogério Carapuça, afirma que "as pessoas vão mudar de trabalho com mais frequência".
Na entrevista ao programa da TSF e do Dinheiro Vivo, a Vida do Dinheiro, Rogério Carapuça, ex-líder da Novabase, diz-se chocado com Zeinal Bava e Granadeiro e faz uma análise ao futuro do setor das telecomunicações.
O presidente da Associação Portuguesa para o desenvolvimento das Comunicações diz que o país precisa de ver regressar os jovens que emigraram. Rogério Carapuça admite que as condições ainda não são as ideais, mas a falta de quadros qualificados em Portugal é um problema que se podia resolver com o regresso desses jovens.
Por outro lado, um futuro mais digital e tecnológico vai obrigar as pessoas a mudar de trabalho com mais frequência e a adaptarem-se. Assim as pessoas vão ter que estudar mais e, provavelmente, voltar aos bancos da escola com mais regularidade.
As receitas das empresas de telecomunicações têm vindo a cair e a publicidade no caso das empresas de media caiu quase 40% nos últimos sete anos. Preocupações que fazem parte do dia-a-dia do presidente da APDC. É ainda membro do conselho de administração de empresas do universo Novabase, onde foi CEO e chairman. O setor que representa está hoje a atravessar uma crise?
Não diria isso, diria que há problemas, mas também há oportunidades, e acho que o setor é bastante diverso, pois tem operadores de telecomunicações, grupos de media, operadores postais e empresas de tecnologias de informação. Todos têm em comum usar as tecnologias de comunicação e informação de formas diferentes.
Nem todos têm o mesmo contexto. Quais atravessam uma crise?
Há problemas nos media bem conhecidos, como a perda de receitas de publicidade. Nas telecomunicações houve uma enorme concorrência entre operadores que fez que hoje as empresas sejam bastante competitivas quando comparadas com os seus congéneres internacionais, mas por outro lado os preços caíram e as receitas não são as mesmas que eram no passado e a receita por pessoa também decresceu, porque tinham menos dinheiro para investir durante os anos da crise. Outras, como as de tecnologias de informação, tiveram um desafio grande de internacionalização, que foi bom, mas que, por outro lado, foi por reação à quebra do mercado doméstico. É melhor fazer internacionalização porque é bom para o negócio e não porque o mercado doméstico tenha caído.
Foram empurrados?
Alguns foram empurrados, outros tinham no seu ADN ser uma empresa internacional, mas é sempre bom ter o mercado doméstico como laboratório, porque é melhor aprender nele e depois o internacional com aquilo que já se sabe fazer. É mais difícil fazê-lo quando o mercado doméstico está em contração e é preciso urgentemente encontrar receitas internacionais para substituir as receitas domésticas.
Falando de contração, só neste ano dois grupos de media tiveram de despedir. É possível que volte a acontecer?
Há uma grande transformação digital, ou seja, a modificação das empresas, dos modelos de negócio, o aparecimento de novos players com modelos de negócio completamente distintos, porque hoje estamos numa economia e numa sociedade cada vez mais digital. Não existe a economia digital e a outra. O que existe é uma economia cada vez mais digital. A transformação digital não é como há 20 anos, em que falávamos em transformar o negócio mais produtivo por causa da utilização de tecnologias da informação. A transformação digital é mais radical: é a transformação de alguns negócios e o aparecimento de outros, é a mudança de forma de vida, a mudança de profissões, é a mudança de valor. Gosto muito de citar um exemplo que não sendo nacional é neutro para o nosso mercado, que é o exemplo do WhatsApp, que tocou num mercado que no início era o das mensagens de texto e esse mercado valia bastante para os operadores, cerca de cem biliões por ano em termos mundiais.
Acontece que ao fim de cinco anos apenas a empresa passou de uma pequena startup para ser uma empresa vendida por 24 biliões. No dia em que foi vendida, a empresa tinha 55 funcionários; nesse mesmo dia, um grande operador de telecomunicações internacional teria qualquer coisa como quatro, cinco vezes o valor do WhatsApp com cem mil trabalhadores, por exemplo. Estamos a falar de uma transformação profundíssima. Houve aqui uma transferência de valor do bolso dos operadores de telecomunicações por causa do segmento das sms, esse valor ou foi captado por esse novo player ou reduziu-se fortemente e foram gerados 24 biliões que foram para os bolsos dos acionistas desse novo player.
Houve transferência de valor imensa de uns players para outros e até de regiões do mundo. Isto é a revolução digital, em todos os negócios. Não se invertendo esse ciclo, não se pode excluir que possa haver novos despedimentos?
Não me cabe dizer como presidente da associação dizer se vai ou não haver despedimentos, isso é das empresas, mas posso dizer que as profissões se vão transformar, as empresas vão reinventar o seu negócio e o trabalho pode-se deslocar de umas funções para outras como genericamente acontece na economia. Vemos hoje uma grande quantidade de serviços que há pouco tempo não existiam e que hoje dão emprego a muitas pessoas.
A questão é: e a seguir?
A robotização e a automatização estão a chegar aos serviços, hoje vemos serviços online que as pessoas utilizam em regime de self service e que substituem trabalho que era feito por outras pessoas, e a grande pergunta é para onde é que se vão deslocar esses empregos? Vão deslocar-se para funções sofisticadas de outros negócios, de outras profissões que hoje não existem mas vão existir daqui a cinco anos.
O que aconteceu à PT é parte da explicação dessas dificuldades?
Há formas de olhar para os temas que são positivas e há formas negativas, tudo depende do observador. Aquilo que devemos fazer é conservar uma visão otimista. Nesse caso houve um grupo internacional que resolveu comprar uma empresa que achou que era boa, que era uma empresa de ponta, que até chegou ao ponto de fazer que os seus laboratórios de investigação fossem os que a PT tinha e, portanto, hoje os Altice Labs são os antigos laboratórios de investigação da PT de Aveiro. Significa que houve um grupo internacional que olhou para Portugal e viu uma empresa sofisticada, competitiva e que valia a pena ter e escolheu comprá-la, e isso é positivo. A reação dos outros players teria naturalmente de existir e hoje há uma concorrência forte no mercado das telecomunicações. É dos setores em Portugal que pode mostrar cartas ao mundo. O que nos falta é procura, por duas coisas: uma, a demografia que não nos ajuda e, outra, o nível de escolaridade média nossa população ativa que faz que use menos internet do que a média europeia, faz menos compras online do que a média europeia, há menos empresas a utilizar a internet do que a média europeia.
A PT não perdeu valor no meio de todo o processo a que assistimos? E não me refiro à compra, mas às polémicas em tribunal.
Obviamente que houve muitas coisas que não correram bem. Em todos os setores em Portugal que correram mal e até de outros setores que se propagaram a este....
Está a falar da banca?
Estou a falar da banca. É preciso olhar para a frente e tirar as ilações...
Mas perdeu valor, a PT?
Eu diria que não. A empresa, em si, continua a ser uma empresa competitiva, continua a crescer em clientes, tem os seus laboratórios.Neste setor idolatraram-se muitos gestores, como Zeinal Bava e Granadeiro, que hoje são arguidos.
Ficou chocado?
Ficamos sempre chocados com histórias desse tipo mas que a Justiça terá de resolver.
Tiram-se lições para o futuro?
Acho que sim. Em primeiro lugar, as conclusões têm de ser tiradas pela Justiça. É muito mau para qualquer sociedade fazer julgamentos na praça pública e condenarmos ou ilibarmos pessoas porque há uma opinião generalizada em determinado sentido. Seria bom que determinadas coisas neste setor, e não só, não tivessem ocorrido em Portugal. Tem de ser a justiça a concluir quem é que foi culpado de alguma coisa ou não. Não nos cabe a nós nem à opinião pública fazer isso. Quando a PT passou para as mãos da Altice cortou nos fornecedores, em alguns casos 30% no valor que teria a pagar-lhes. Algumas tecnológicas sofreram com isso, uma a Novabase.
Como se dá a volta a isto?
Não vou vestir esse papel, porque todas essas empresas são associados na APDC.
O senhor está num lado e noutro...
Pois estou, mas quando estou aqui com o chapéu de presidente da APDC tenho de pôr esse chapéu como deve ser.
Falando do regulador, a administração está de saída e alguns operadores, como a NOS e a Vodafone, fizeram críticas recentes ao regulador. O presidente da APDC está satisfeito com o papel que o regulador tem tido?
A regulação é essencial para manter um nível de competição justo entre as partes e é um trabalho bastante difícil e que não se faz só em Portugal, faz-se a nível europeu. E aquilo que eu vi acontecer foi o regulador, durante algum tempo, e a própria Fátima Barros também, defender aquilo que era a visão portuguesa de alguns temas, e acho que a história fará o julgamento desse mandato.
Nesta semana abriu um escritório da Web Summit em Portugal. O que é que isto representa para o país?
Pode representar uma etapa no negócio de um player internacional que se dedica a esse tipo de eventos. É bom para Portugal atrair todo o tipo de players, sobretudo os que têm grande visibilidade, é bom para o país ter este tipo de encontros, mas também não devemos tirar dele ilações que não têm, ou seja, a competitividade das nossas empresas, a probabilidade de as nossas startups terem sucesso não depende da realização de eventos, depende das empresas. Não é a existência do evento que faz que os negócios apareçam por si.
A competitividade não depende da Web Summit.Para pôr Portugal a crescer, que medida elege?
É necessário irmos reconstruindo o ecossistema de inovação, alguns apoios, inclusivamente públicos.