Uma Orquestra vive dos músicos, do maestro e da programação. É essa a função de Miguel Sobral Cid na Orquestra Gulbenkian. A TSF foi conhecer o dia a dia da Orquestra, o processo de selecção e a possibilidade de se viver da música em Portugal.
Entrevistado pela TSF, o responsável pela programação da Orquestra Gulbenkian , Miguel Sobral Cid, explicou os critérios usados para manter uma Orquestra profissional, a escolha dos músicos e do maestro, frisando sempre que «estes 40 anos representam um esforço de continuidade para manter no futuro».
Aquando da Fundação da Orquestra Gulbenkian era este o nível a que tinham idealizado chegar?
Sim, embora a Orquestra nasça de uma vontade de oferecer ao público português um agrupamento que pudesse trabalhar de forma contínua e permanente uma realidade que era muito pobre, bem como, dar ao público a oportunidade de ouvir mais repertórios do que os tradicionais da sala de concerto.
Portanto, há por um lado, o objectivo de levar às pessoas de todo o país o que habitualmente acontecia, quando acontecia, só em Lisboa e no Porto, apostando na qualidade e na profissionalização. Por outro, abrir caminho à divulgação e composição de músicos portugueses que nos anos 60 se começavam a afirmar.
Falou de um agrupamento, ou seja, nunca pensaram chegar a ter 60 elementos?
Não, no período da formação, no início dos anos 60, deu-se precisamente o nome de Orquestra de Câmara Gulbenkian porque de facto se inicia com muito poucas pessoas, 12 elementos de cordas e um cravista, e com um repertório reduzido. Todavia, logo no início se sente a necessidade de alargar o agrupamento, o que acabou por acontecer gradualmente, e estabilizou nos 60 elementos.
Quais eram então as épocas executadas pela Orquestra?
No início ia-se muito para os barrocos, a música portuguesa da altura, depois nos anos 70 já se estreavam composições de autores portugueses, e obras contemporâneas também, mas menos.
Os repertórios estão todos adaptados aos 60 elementos ou seriam precisos mais profissionais?
Estes crescimento embora desejado, não foi planeado ao número. Simplesmente, chegámos à conclusão que este era um número equilibrado dentro do repertório que a Orquestra executa habitualmente. Não é que não faça reportórios que excedam a sua composição, mas nesse caso vão buscar-se os chamados reforços.
O que é que fez crescer a Orquestra?
Já em meados do século XIX tinha atingido este número de elementos. Este gradual incremento da Orquestra é feito considerando o repertório e as expectativas do público. Acima de tudo há um grande equilíbrio porque não se colocam uma série de elementos novos ao mesmo tempo. Há um núcleo coeso ao qual se junta um após o outro para que haja um movimento perpétuo de equilíbrio e de evolução.
Os reforços são nacionais ou estrangeiros?
Varia, por exemplo, em instrumentos como a harpa temos de facto de ir buscar estrangeiros. De resto, raramente temos de ir buscar alguém. Normalmente sabemos quem são as pessoas indicadas, conhecidas dos próprios elementos da Orquestra, e da sua disponibilidade para fazer um serviço.
Como é que alguém que toque um instrumento, que goste de música e queira fazer disso a sua vida chega à Orquestra Gulbenkian?
O processo de selecção é feito através da divulgação de audições, nas quais qualquer pessoa se pode inscrever, não é preciso ter um curso de música. Depois, à porta fechada, o júri específico de um tal instrumento, avalia a execução do programa pré-definido pela Fundação.
O que é uma audição à porta fechada?
O júri faz a apreciação sem saber quem está a tocar do outro lado da cortina, e só numa última fase é que esta é levantada porque aí o pano já impede uma apreciação mais subtil em termos nãos só acústicos, mas também, da postura e da sensibilidade do instrumentista.
Como é que é o dia a dia da Orquestra?
Bem, como é profissional, não há aulas, mas ensaios diários de três horas, onde se preparam os concertos. Depois, cabe a cada um dos músicos o estudo prático da peça, é um trabalho muito individual, cada um é que sabe o tempo que precisa, há músicos que precisam de quatro horas para fazer o mesmo que um outro faz em duas.
Um músico pode viver da sua arte, em Portugal?
Actualmente, sim, e um músico da Gulbenkian pode seguramente subsistir sem ter outra actividade, aliás esse foi um dos princípios da fundação, e sem o qual não teríamos alcançado estes resultados ao longo de 40 anos. Há diferença de salários, não sei precisar de quanto é o mais baixo e o mais lato, sei que dependem da categoria do músico, o tempo ao serviço da Orquestra, etc.
Em todo o caso, não precisam de ter outra actividade, mesmo que ligada à música para viver?
Na Gulbenkian há músicos que se dedicam exclusivamente ao trabalho da Orquestra, mas existem outros que recorrem a actividades diversas, embora, pense que não é por uma questão de subsistência. O trabalho de um músico aqui não é pesado, talvez 21 horas semanais, por isso, têm tempo para diversificar o seu trabalho.
Uma vez que é uma organização não governamental, como é que compram os instrumentos?
Não se compram, a maioria é dos músicos, excepto os de percussão e alguns instrumentos de sopro, mas aqueles em que os executantes tocam regularmente são deles.
E quanto à escolha do maestro, como é que é feita?
Esse processo é única e exclusivamente por convite. O director do Serviço de Música faz as suas escolhas em diálogo com o maestro titular. Desta vez, e pela primeira vez, o maestro titular vai ser também o director artístico da Orquestra. No fundo vai ter mais responsabilidade nos concertos que vai dirigir, mas também por qualquer programação e escolha de maestros que a venham dirigir a Gulbenkian em determinados concertos.
A mudança constante não resulta no desequilíbrio da Orquestra?
Os contratos com os maestros não são de casamento, ou seja, não são para a vida. O caso mais extremo foi o do maestro Muhai Tang, o qual esteve 12 anos ao serviço da Orquestra, mas outros ficaram apenas um ano. É precisamente a ideia de rotatividade que faz o grupo evoluir. O facto de ser maestro titular, não dispensa a existência de outros maestros pontuais dos concertos. É muito benéfico que haja essa diversidade porque há confronto de estilos, necessidade de adaptação artística, e a versatilidade em termos humanos do maestro.
Como é que se sabe se um determinado maestro titular já deu o que tinha para dar à Orquestra?
É uma questão de sensibilidade do director do serviço de música. Os factores são artísticos e também humanos. As pessoas por vezes esquecem-se de que estamos perante um agrupamento de 60 pessoas e que não basta só uma grande figura de prestígio para a dirigir bem, é preciso que haja muita empatia em termos humanos.
E o novo maestro, Lawrence Foster , como é?
Foi convidado. Não é um tiro no escuro porque já dirigiu a Orquestra, e em termos humanos tem uma grande capacidade de levar as pessoas ao mesmo tempo que as motiva. É uma pessoa de grande rigor, isto para não referir todo o prestígio internacional que ele tem.
Ao entrar na quinta década, há algum projecto novo, ou a Orquestra e a Fundação vão seguir a mesma linha?
Decidimos assinalar esta data porque é número redondo, e para promover a Orquestra, e aproveitar este momento em que vamos receber um novo maestro titular e que vai ser simultaneamente director artístico. De qualquer forma, é importante reforçar que tudo o que estes 40 anos representam é um esforço de continuidade.
Em termos artísticos é extremamente importante que as pessoas sintam que há vontade de continuar.
Não vai mudar muita coisa em termos de programação, a Orquestra estabilizou e tem um papel muito importante na Fundação. O repertório é tradicional (clássico/romântico), tal como se espera desta casa.
Anualmente são estreadas obras de compositores portugueses, ou estreias estrangeiras em Portugal, assim como, de compositores contemporâneos. Não há um divórcio da música contemporânea, visitamo-la, mas o habitual é o tradicional.
Dias 24 e 25 de Outubro têm lugar os concertos comemorativos dos 40 anos, com Frank Zimmermann no violino e Carmen Cardeal na harpa.