Compay Segundo tinha o sonho de chegar aos 116 anos, a idade com que morreu a sua avó. Mas ontem à noite, aos 95 anos, acabou por ceder à doença que nos últimos meses o obrigou a cancelar todos os concertos agendados no estrangeiro e em Cuba.
Maximo Francisco Repilado Muñoz de seu verdadeiro nome, nasceu a 18 de Novembro de 1907 em Siboney, Santiago de Cuba. Torna-se Compay Segundo apenas em 1948, ano em que fundou o duo «Los Compadres», no qual actuava como «segunda voz», conhecida precisamente em Cuba por «Segunda».
No final da década de 50 deixa o duo e inicia uma carreira a solo, já com o nome com que viria a celebrizar-se.
Tinha treze anos quando começou a aprender música e até este ano, 2003, nunca deixou de cantar e tocar. Tendo o famoso chapéu branco como imagem de marca, galanteador por excelência, inventou mesmo um instrumento, o «harmónico», uma guitarra de sete cordas (as normais contam com seis), em que a terceira (a nota sol) surge dobrada uma oitava acima.
Memória viva do «son», depositário de um século de tradição musical cubana, autor de vários peças de antologia - como «Chan-Chan», imortalizada também pelo seu amigo Pablo Milanés - Compay Segundo passou ao lado do tempo para treinar o suficiente e impor o seu estilo.
Filho de um andaluz e de uma crioula, criou e dirigiu uma orquestra com um estilo e uma «batida» muito próprios.
A voz rouca e o seu estilo inimitável destacaram-se sobretudo em Havana a partir de 1934. Com ele, o «son», música rural do fim do século XIX, ganhou então um novo ídolo.
Na mesma altura conhece o «pai da salsa moderna», Bény Moré, e parte imediatamente para o México, onde gravará o seu primeiro disco, ainda de 78 rotações. Desde então, gravou mais de 100 originais e as suas músicas são cantadas por todo o mundo.
O último concerto foi no passado mês de Fevereiro, no México. Um espectáculo onde Compay Segundo tocou alguns dos seus grandes êxitos.
Sempre impecavelmente vestido, desafiando o tempo, Compay Segundo nunca fez segredo da sua alegria de viver: o charuto, as flores, o rum e as mulheres. Deixa cinco filhos, das várias dezenas de mulheres que assume ter tido.
Enrolador de charutos
Apesar de ter dedicado mais de oitenta anos à música, a fama mundial só chegou há seis anos com um Grammy atribuído ao filme/documentário «Buena Vista Social Club», dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders.
Compay esteve muitos anos no esquecimento. Com o triunfo da revolução cubana, em 1959, com o fecho dos cabarés em Havana, Compay Segundo teve de interromper as actuações nocturnas e esteve mesmo a enrolar tabaco numa fábrica cubana durante vários anos.
Na década de oitenta, Compay, que significa «companheiro» na linguagem típica do oriente cubano, voltou à música em Cuba e a participar em concertos em Espanha, Estados Unidos e Portugal.
Compay «carregava com ele a história da música cubana
Ainda no ano passado, Luís Represas tocou com Compay segundo. Ouvido pela TSF, o ex-vocalista dos Trovante lembrou o homem que atingiu a fama aos 80 anos, quando já não esperava.
«Compay Segundo, de repente, atingiu esta universalidade mas era um homem que carregava com ele a história da musica cubana. Ele viveu, nos anos 40 e 50, a grande explosão da música cubana com grandes nomes como Célia Cruz e Benni Moré, entre outros»,
«Não ficou conhecido, na altura, mas foi inovador. Compay reinventou um instrumento, o três, que é a guitarra cubana, acrescentando-lhe mais um par de cordas», recordou Luís Represas.
O músico português afirma que no contacto que teve com o cubano aprendeu a ter «humildade, respeito, ternura e carinho por aquilo que faz». «Compay chegou aos 94 anos com um espírito extremamente jovial e com um sentido de humor demolidor», conclui Luís represas.