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O que se acrescenta em Portugal ao «livro da vida»

Portugal contribui para o avanço do grande projecto científico do genoma humano ao nível dos pormenores, apesar de ter ficado afastado da corrida da sequenciação, segundo o especialista em genética humana Carolino Monteiro.

Portugal contribui para o avanço do grande projecto científico do genoma humano ao nível dos pormenores, apesar de ter ficado afastado da corrida da sequenciação, segundo o especialista em genética humana Carolino Monteiro.

«O contributo português situa-se sobretudo ao nível das pequenas regiões do genoma», explicou o cientista em declarações à agência Lusa, acrescentando que não existem em Portugal as mega-estruturas necessárias para participar no processo de sequenciação do mapa genético do homem.

«No entanto», considera, «os pequenos grupos de investigação acabam por refinar o conhecimento processado nas grandes instituições».

É o que acontece em Portugal, que tem alguns grupos de investigação respeitados internacionalmente a trabalhar em áreas como a «doença dos pézinhos», os genes da infertilidade masculina, a doença de Machado-Joseph ou o estudo do cromossoma 10, um trabalho em que Carolino Monteiro esteve pessoalmente envolvido.

Investigação e estudos

Depois de realizar investigação na área da genética humana em Oxford e Londres, o investigador regressou a Portugal e, durante a década de 90, desenvolveu na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (FCM/UNL) alguns projectos de relevo internacional.

Um deles consistiu precisamente em localizar pela primeira vez no cromossoma 10 a região onde está envolvido um dos genes responsáveis pelo cancro do endométrio (mucosa do útero).

Neste projecto, estabeleceu relações privilegiadas com o Sanger Center (Reino Unido), que está a trabalhar na sequenciação deste cromossoma.

Ainda na FCM/UNL, Carolino Monteiro foi o responsável científico pela parte portuguesa de um projecto europeu que desenvolveu métodos inovadores para detectar mutações genéticas, que podem ser responsáveis pelo desenvolvimento de doenças.

Em 1999, aceita o convite do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) e torna-se professor auxiliar deste organismo pertencente à Universidade Nova de Lisboa.

«Actualmente estamos a desenvolver investigação que leve a uma melhor compreensão das doenças tropicais», explicou.

Ainda na fase de arranque está um projecto que pretende estudar populações do continente africano afectadas pelo paludismo e perceber porque é que uns incorrem em situações graves e outros nem sequer desenvolvem a doença.

Divulgação científica

A divulgação científica é outra área central da actividade de Carolino Monteiro, que mantém para esse efeito relações privilegiadas com a comunicação social portuguesa desde meados dos anos 90.

«Tudo o que é novo e desconhecido, como o genoma, acaba por provocar muitos receios nas pessoas e há quem se aproveite da situação para criar ainda mais tabus que é preciso desmistificar», sublinhou.

A aposta na divulgação científica, que considera fazer parte do seu trabalho como investigador, visa também contribuir para que a ciência seja cada vez mais vista como cultura.

«No caso do genoma», explica, «os próprios jornalistas compreenderam que tinham de recorrer aos cientistas para produzirem notícias correctas».

O objectivo de «traduzir» para o grande público a informação relativa ao genoma teve um pico em 1999, quando presidiu à Sociedade Portuguesa de Genética Humana (SPGH).

Durante esse período a Sociedade organizou, juntamente com o British Council, um ciclo de conferências sobre genética que trouxe a Portugal cientistas apelativos para o público e para os media, como Harry Griffin, um dos «pais» da ovelha Dolly.

Em Dezembro de 1999, a SPGH organizou em Lisboa a primeira conferência mundial com Ian Dunham, do Sanger Center, sobre a sequenciação do cromossoma 22 (o primeiro a ser totalmente descodificado), um sucesso a nível mediático.

«Foi com essa conferência que o jornalismo televisivo deu um salto qualitativo na explicação e promoção da ciência como cultura», explicou.

Segundo Carolino Monteiro, hoje é o próprio público que «exige uma informação científica de qualidade».

Em Abril, o geneticista recebeu da Casa da Imprensa o prémio Bordalo de Ciência pela «contribuição decisiva para a divulgação do genoma humano» em Portugal.

Portugal na Sociedade e Informação Genética

O investigador português foi convidado a proferir a conferência de abertura de uma reunião internacional sobre Sociedade e Informação Genética, que se realiza entre 06 e 08 de Junho em Budapeste.

«Este convite é muito especial já que se trata da continuação de um projecto que foi iniciado em Portugal pela SPGH em 2000», sublinhou.

Em mãos tem ainda a organização de uma conferência internacional sobre o genoma humano no novo milénio para a Bienal da Utopia, que se realiza em Cascais, entre 12 e 14 de Julho.

No campo da divulgação científica, Carolino Monteiro recorda com especial carinho uma experiência com crianças da segunda classe, a quem explicou, com a ajuda de microscópios, conceitos como os de célula, genoma e síndroma de Down.

Passados dois anos, voltou à mesma escola e verificou que as crianças não só tinham retido toda a informação como tinham procurado aumentá-la e conseguiam fazer perguntas pertinentes.

«O ensino experimental tem de passar rapidamente da teoria à prática e começar o mais precocemente possível», realçou Carolino Monteiro. Assim, segundo o investigador, o momento alto da vida de um cientista pode ser quando recebe um prémio, quando faz a conferência de abertura de uma reunião internacional ou quando dá uma aula numa escola primária.

Redação