Numa entrevista à TSF, o candidato Fernando Rosas, defendeu o combate à discriminação, ao neoliberalismo e à globalização capitalista. Para o candidato do BE, há que promover o debate de ideias ao longo da campanha eleitoral.
Fernando Rosas tem 54 anos, é licenciado em direito, historiador e presidente do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa onde é professor. Esteve no Partido Comunista Português foi fundador do MRPP e, no ano passado, do Bloco de Esquerda. Em 1976 e 80 apoiou Ramalho Eanes. Há cinco anos fez parte da comissão de candidatura de Sampaio e agora concorre contra ele.
Há dois meses Fernando Rosas disse no grande júri da TSF que o seu adversário não é Jorge Sampaio mas sim as políticas do actual governo. Mesmo assim, entrevistado na TSF por António José Teixeira e Carlos Júlio, o candidato do BE, afirma que faz sentido candidatar-se à Presidência da República porque o seu «adversário é o facto de haverem milhares de pensionistas que têm 34 contos de pensão mínima por mês, o facto dos miúdos do Aquaparque ficarem sem julgamento e os pais sem justiça, o facto de quase metade da força de população portuguesa viver sob condições de trabalho precário».
Para o candidato, o Presidente da República tem que intervir e dar o seu parecer acerca dessas grandes causas: «Não é só a Assembleia da República e o governo que deve debater ou propor medidas. O presidente deve ser um poder paralelo ao do governo, não concorrencial mas paralelo no sentido em que tem poderes de fiscalização, intervenção, assinalamento, de magistério de intervenção e de correcção».
Fernando Rosas acrescentou ainda que o presidente deve cumprir o programa que apresentou aos eleitores: «Um presidente com causas, um presidente que recebe um mandato político dos eleitores como o nosso recebe, tem o dever de intervir em defesa do programa que apresenta aos eleitores».
«Nestas eleições não há ameaça real da direita»
Nestas eleições presidenciais, ao contrário das anteriores, há vários candidatos de esquerda e apenas um da direita. O candidato do BE afirma que esta situação resulta do facto de não haver uma ameaça efectiva da direita: «Nós estamos numa eleição onde não há uma ameaça real da direita. A direita está presente apenas para preencher o calendário o que ainda por cima tem feito mal por parece que o Eng. Ferreira do Amaral tem na sua equipa um brasileiro que lhe diz que a campanha eleitoral são acções provocatórias, nas quais o Dr. Sampaio tem embarcado por vezes».
E há falta de um «inimigo comum», a esquerda ganha a oportunidade de se diversificar: «Não havendo uma ameaça da direita significa que, à esquerda, se pode evitar aquelas soluções de coligação, como foi há cinco anos atrás em que nos juntámos para combater o Cavaquismo. Agora não há necessidade disso e é o momento da esquerda manifestar as suas diferenças e apelar ao voto, não para combater uma ameaça mas para que se faça uma escolha consciente em função dos méritos de cada programa», acrescentou o candidato.
Todos os candidatos à presidência assumem que Jorge Sampaio vai ser reeleito mas, mesmo assim, Fernando Rosas acha importante apresentar diferentes programas e candidatos, considerando que o objectivo da eleição não é apenas o de pôr ou depor um indivíduo: «Uma eleição é um debate de ideias onde concorrem vários projectos e onde os projectos se mostram ao eleitorado. Havendo projectos distintos devem haver candidatos distintos. E o meu projecto é claramente distinto do projecto do Dr. Sampaio e dos outros candidatos à esquerda».
Sampaio está «obcecado com a ideia de ganhar por muitos»
Rosas criticou o programa de Sampaio e acusou o actual presidente que tentar agradar a todos: «O Dr. Jorge Sampaio está um pouco obcecado com esta ideia de ganhar por muitos. E isso significa que escolheu um programa que não é um programa. É uma grande sopa ecléctica onde está a esquerda, onde está a direita, onde estão coisas contraditórias».
No seu manifesto eleitoral, o candidato do Bloco de Esquerda assumiu-se como representante de várias esquerdas da área do PCP, da CDU, da esquerda independente, dos ambientalistas. Contudo, de acordo com Fernando Rosas, a sua candidatura não corre o risco de ser uma sopa ecléctica como a de Sampaio: «Represento uma esquerda variada mas com absoluta clareza de propósitos. Nós somos contra o trabalho sem direitos, contra a discriminação da mulher e das minorias, contra o neoliberalismo, contra a globalização capitalista. Temos um programa muito claro».
Para ilustrar a diferença entre si e Sampaio, Rosas mencionou o caso da lei da toxicodependência: «Não somos como o presidente Jorge Sampaio que pisca o olho a dizer que a lei da toxicodependência é interessante mas que depois escolhe um mandatário que é o chefe-de-fila do movimento pelo referendo contra a lei da toxicodependência. Nós somos a favor de alguma coisa e contra alguma coisa».
Prioridades do candidato do BE
Fernando Rosas frisou que o que distingue definitivamente o seu programa dos demais é a importância que atribui aos direitos humanos: «Os direitos das pessoas são a principal prioridade da nossa campanha. E nós entendemos que os males que combatemos têm origem no neoliberalismo e na globalização capitalista».
Segundo Rosas, um exemplo de como os direitos dos cidadãos estão negligenciados é a situação em que vive a terceira idade em Portugal: «Esta sociedade trata os velhos como coisas descartáveis, factores de produção inúteis e procura para a velhice soluções de custos baixos. E a solução é melhorar as reformas - há dezenas de milhar de idosos que recebem 34 contos de reforma por mês -, sistemas de previdência, sistemas de segurança assentes e coordenados com uma reforma fiscal que vá buscar o financiamento àquela gente que não paga impostos».
O problema do modelo económico é outra questão essencial para o BE e que o candidato considera negligenciada pelos restantes candidatos: «Dentro de cinco ou sete anos este país vai ver os fundos estruturais europeus diminuídos, vai sofrer uma concorrência dos sectores da nossa economia por parte dos países da Europa de Leste. E isto põe seríssimos problemas do ponto de vista do futuro da nossa indústria - para a pesca, a agricultura, etc. Eu não tenho solução para todos estes problemas mas acho que é essencial discutir estes assuntos».
O combate à toxicodependência
Rosas referiu ainda o «problema dramático» da droga: «Há qualquer coisa como 100 mil heroinómanos nosso país, 50 por cento das pessoas que contraem SIDA são toxicodependentes, nas cadeias há estabelecimentos onde há 70 por cento de dependentes - que, há falta de seringas se injectam com canetas BIC».
Segundo o candidato, o actual presidente tem uma posição dúbia em relação a este problema e, mais uma vez, tenta agradar a todos: «O Dr. Sampaio anuncia uma posição semelhante à nossa mas, por outro lado, nomeou como mandatário um chefe do movimento do referendo que quer anular a legislação que foi aprovada e adoptar as linhas repressivas».
Rosas quer ir «mais longe» no combate à toxicodependência e considera essencial a legalização das drogas leves «para impedir que os traficantes, através da manipulação do mercado das leves, atraiam gente para o consumo das drogas pesadas». O candidato acha também importante «ir para soluções de consumo de drogas pesadas medicamente assistidas» e considera inaceitável que «o PR possa pôr a hipótese de um referendo para repor as linhas repressivas».
Críticas ao papel de Portugal na NATO
O papel de Portugal na NATO tem sido criticado, ao longo da campanha eleitoral, pelo candidato: «Portugal vai comprar três submarinos que custam 150 milhões de contos, esses submarinos não vão cumprir nenhuma tarefa que decorram das necessidades geo-estratégicas deste país».
O desempenho do país na NATO devia, portanto, ser substituído por relações de cooperação com os outros países: «Portugal é um pequeno país, não é ameaçado por ninguém e devia ter um paradigma de defesa e segurança de bom relacionamento, cooperação, manutenção da paz, sobretudo vocacionado para aquilo que é a sua tradição histórica de ligação com os PALOP».
Para Fernando Rosas o país não devia fazer investimentos militares apenas com o objectivo de cumprir as necessidades dos gigantes mundiais: «Comprar submarinos para cumprir missões que correspondem ao paradigma de missões dos EUA e da NATO, mas que são incoerentes e incompreensíveis no quadro das necessidades do nosso país não faz sentido. O Ministro da Defesa, consciente de que a opinião pública percebe isto mal veio a público dizer que até eram úteis (os submarinos) porque agora a droga estava no fundo mar e os submarinos iam lá buscar a droga. O que é ridículo. Eu questiono a pertença de Portugal a uma aliança militar expansionista, agressiva, orientada de acordo com os interesses estratégicos dos EUA e não do nosso pequeno país independente».
Críticas à Cimeira de Nice
Por diversas razões, Rosas não se mostrou satisfeito com os resultados da Cimeira de Nice: «Primeiro porque aprovou a criação de uma força militar (em que Portugal participa com mil homens) cujas missões não estão claramente definidas e cuja participação de Portugal não foi discutida no Parlamento nem foi referendada pela opinião pública».
Os direitos discutidos na cimeira foram outro ponto criticado pelo candidato do Bloco de Esquerda: «a conferência aceita uma carta europeia dos direitos que está aquém do que se passa em termos de direitos em grande parte dos países, é uma carta que atrasa em relação ao que se avançou em muitos países».
A censura do candidato à cimeira terminou com a referência às maiorias qualificadas: «há este problema das maiorias qualificadas que mantêm a unanimidade para tudo o que não agrada às grandes potências - problemas da fiscalidade, da emigração, dos direitos sociais - e adopta a maioria qualificada para questões que aos grandes também interessam que são os fundos estruturais».
Para Rosas a cimeira tinha sido um momento crucial para «o governo Português ter utilizado o seu direito de veto e impor a sua posição no caminho que a Europa está a tomar».
António Abreu «ficou do lado de lá do muro»
Fernado Rosas negou ter feito críticas a António Abreu, candidato do PCP, mas apontou o facto do candidato comunista ter afirmado que «não conhecia» a sua candidatura: «isso fez-me pensar porque eu conheço a candidatura dele. A minha memória não se apaga por decisão do comité central, não se apagam como Trotsky da fotografias». Por este motivo, Rosas acusa António Abreu de ter ficado «do lado de lá do muro».
O candidato do BE acrescentou que tem muitos objectivos em comum com o PCP e espera que os militantes comunistas sintam o mesmo: «Eu não tenho problemas em dizer que a candidatura comunista existe e que tem propósitos em que me reconheço e espero que os militantes comunistas vejam com simpatia algumas da minhas propostas».