Paulo Rodrigues da Silva é o entrevistado desta semana da Vida do Dinheiro. Ele diz que o rating do país só sobre quando a dívida começar a cair. "Portugal está a ir pelo bom caminho" mas "cautela".
Longe vão os tempos em que o capitalismo popular animava a praça financeira de Lisboa. Homens de colarinho branco partilhavam com taxistas a sala da Bolsa para acompanhar a evolução dos títulos. A realidade mudou, a Bolsa perdeu ânimo e o PSI 20 encolheu. Paulo Rodrigues da Silva foi convidado para dinamizar a Bolsa, que hoje integra o grupo Euronext.
A Bolsa é um espelho da crise?
A Bolsa é o reflexo da economia. O que aconteceu nos últimos anos foi um percurso que alterou estruturalmente aquilo que é a economia e também aquilo que é a Bolsa. É inevitável, temos menos grandes empresas, algumas por aquisições, outras por falência do próprio negócio, temos uma alteração do rating que afeta os investidores internacionais. Hoje, 80% dos investimentos na Bolsa são de investidores internacionais, essa é uma alteração substancial. Os primeiros sinais da retoma começam a aparecer agora. Neste ano, a performance do PSI 20 é positiva. Enquanto os outros começaram mais cedo, o PSI 20 levou tempo até recuperar, também por uma série de casos que aconteceram em Portugal, com a PT, o BES e o Banif. Agora começam os primeiros sinais de retoma, mas será um caminho longo.
Assumiu a liderança da Euronext Lisboa numa das piores fases do mercado de capitais em Portugal e agora há os primeiros indicadores de crescimento e de saída do procedimento por défice excessivo. Que balanço é possível fazer destes meses?
Foram extremamente positivos, tive a sorte de entrar num momento positivo e de mudança. As minhas responsabilidades englobam várias coisas, por um lado, a Bolsa e também a Interbolsa no Porto, que é onde é a feita a custódia e centralização dos títulos. Pela primeira vez, há crescimento nos volumes de trading, há crescimento das cotações, há sinais positivos de novo interesse na Bolsa, como uma alternativa de financiamento. Uma semana depois de entrar, tivemos a inauguração do Centro Tecnológico do Porto, conseguimos trazer para Portugal toda a atividade de operação, de suporte, de segurança e mesmo parte do desenvolvimento da Euronext. Por fim, faço parte do board da Euronext global e o mercado de capitais está sujeito a grandes transformações. Aquilo que se sente também é, por parte do ecossistema, um novo entusiasmo que ainda não se materializou em novas empresas na Bolsa. Não vai ser imediato, mas temos de estar preparados, esta retoma económica vai voltar a levar empresas para a Bolsa.
A Bolsa perdeu várias empresas de grande dimensão, já deu exemplos. É difícil substituir empresas desta dimensão por outras equivalentes?
Sim, basta olharmos para as empresas que existem que não estão na Bolsa e não existem muitas da mesma dimensão. As privatizações já foram feitas e sobre esse tema não vale a pena termos ilusões: a Bolsa tem de estar preparada para a economia real e a nossa missão é financiar a economia real. As empresas que crescem em Portugal são de média dimensão, exportadoras, portanto as exportações correm bem. São empresas do setor do turismo, de natureza tecnológica e que, numa fase inicial, não entram na Bolsa, mas mais tarde entrarão. O que temos vindo a fazer é redesenhar os programas da Euronext para servir essa economia real. Se a economia real do país é de empresas médias, de natureza familiar e novas empresas tecnológicas, é para essa que temos de estar preparados.
Mas não entram mais por desconfiança? Tudo o que aconteceu nos últimos anos no mundo gerou uma desconfiança por parte das empresas, mas também por parte dos investidores?
Sim, mesmo noutros mercados, o número de empresas na Bolsa é menor hoje. Nos Estados Unidos, há 15 anos, havia sete mil empresas na Bolsa, hoje há 3500. Os processos de concentração explicam uma parte disso. E existe mais regulação, portanto, mais obrigações regulamentares de comunicação, de transparência, em alguns casos perfeitamente justificável. Como existem alternativas de financiamento, por exemplo os private equity, as empresas vão mais tarde para a Bolsa. No passado, qualquer empresa de tecnologia quando chegava à fase de crescimento ia para a Bolsa. Hoje, se calhar só vai aos dez anos de atividade, depois de ter passado por um venture capital. Temos de estar preparados para isso, mas acho que o ponto mais relevante é que há um lado de desconfiança. Os programas FamilyShare e o Techshare são para eliminar os mitos que existem de que estar na Bolsa é complexo e que é caro.
Mas os empresários queixam-se de que é caro...
O caro tem que ver com comissões de colocação, que em geral são uma percentagem. Ela é igual, e portanto os custos da Bolsa são relativamente baixos. Há três razões para uma empresa ir para a Bolsa: ou quer crescimento, expansão, comprar outra empresa, e é preciso capital sem aumentar a dívida, ou é a liquidez. Por exemplo, empresas familiares que estão em momentos de sucessão e um ramo da família quer sair. Quero ter preço, mas que seja definido pelo mercado. A terceira razão, é um tema de credibilidade e visibilidade, é como se está na Bolsa, pelo facto de ter de cumprir determinados procedimentos de transparência. É um selo. A Corticeira Amorim diz que provavelmente não teria conseguido o contrato com a NASA se não estivesse cotada em Bolsa. Se nenhuma destas razões existir, então não vale a pena ir para a Bolsa. Esta alteração da economia, no momento em que a economia começa a crescer, que as empresas começam a exportar mais, que se querem expandir, coincide um pouco com estas necessidades.
Nessa dinamização do mercado, o Governo pode ter algum papel importante, que torne mais atrativo o mercado de capitais como forma de financiamento?
Os governos podem sempre ter um papel, podem não penalizar. Tivemos notícias sobre o Programa Capitalizar onde existem algumas notícias que são positivas, como a criação das sociedades de investimento, como também os certificados de longo prazo. Temos colaborado intensamente com os governos, fazendo sugestões para essa dinamização, porque acho que há um reconhecimento geral de que a capitalização das empresas é essencial. Há uma enorme procura por parte das entidades financeiras que falam connosco, nós temos vistos os private equity a fazerem investimentos muito substanciais em Portugal. Claramente é uma classe de ativos que ainda não está na Bolsa. A Sonae há duas semanas anunciou que ia constituir um em Espanha para investir em Portugal, porque o instrumento não existe cá. É urgente e temos tido sinais positivos.
E tem essa expectativa de que esses ativos imobiliários passem também pela Bolsa portuguesa?
Sim, claro. Aliás, eles passam pelas outras Bolsas, não existem é neste momento em Portugal. E o interesse tem sido demonstrado por várias entidades.
Com esses incentivos à poupança poderemos vislumbrar aqui o regresso de algum capitalismo popular? A tal imagem das salas cheias de colarinhos brancos e de taxistas que acompanhavam os títulos, investiam e não tinham medo da Bolsa...
É preciso dar um sinal. Devemos ter cuidado, investimentos com risco devem ser vendidos com os procedimentos corretos, e com a informação correta. Portanto, diria que não é para a população toda em geral, mas também há fundos de investimento que diversificam parte do risco. A maioria das pessoas devia ter uma parte do seu património em investimentos com expectativa maior. Não acho que o modelo de compra indiscriminada de títulos com risco seja um modelo defensável, nem apropriado para a população.
A tributação sobre mais-valias está demasiado elevada e devia ser, por exemplo, revista em baixa já que o país está melhor do há uns anos?
Não tenho uma opinião, acho que existem muitas vezes barreiras, que não são necessariamente financeiras ou fiscais. Têm a ver com processos. Somos um país pequeno e se não formos simples e previsíveis, estamos em desvantagem. Falo do Governo, também de questões regulatórias, como é que são os procedimentos para aprovar um prospeto ou para fazer uma emissão. Estamos a colaborar também com a CMVM e o espírito é bastante positivo. Se queremos atrair investimento estrangeiro, ter emissões em Portugal em vez de estarem na Irlanda ou no Luxemburgo, temos que ser simples.
A questão fiscal não nos distingue em nada?
A harmonização fiscal torna-se difícil. Há pontos que podem ser diferentes, imposto da IMT, nas transações de imóveis...
As mais-valias. Isso não afasta investidores?
Não me parece que seja essa a razão essencial. Há uma harmonização fiscal entre todos os países da Europa. Mas algo que é suposto demorar 15 dias demora sempre 15 dias, não demora umas vezes três semanas e outras vezes um mês.
Afirma que o mercado de capitais passará pelas PME, também falou do programa para as empresas familiares para o mercado de capitais. Estamos a assistir a uma mudança de paradigma e dos princípios da própria Bolsa?
Os princípios da Bolsa sempre foram financiar a economia real. Houve fases em que uma grande quantidade de pequenas e médias empresas estiveram na Bolsa. Mas acima de tudo, a Bolsa reflete a economia. E se há menos empresas muito grandes controladas por capital nacional, obviamente haverá menos empresas na Bolsa. Nós estaremos lá para ajudar as empresas no crescimento, na fase em que estiverem. O que precisamos não é necessariamente de empresas grandes, mas de empresas que cresçam. São as empresas de dimensão média que crescem, e é isso que nós temos que apoiar.
As pequenas e médias empresas têm potencial suficiente para atrair grandes investidores?
80% dos investidores são internacionais. Há um trabalho a ser feito nessa matéria, mas acho que um dos temas é o rating. Enquanto não houver uma alteração do rating da República portuguesa, é mais difícil atrair investidores.
As agências de rating estão a adiar uma coisa que já podia ter sido decidida?
As agências fazem o seu trabalho e a sua perceção tem sido relativamente igual. Existem, obviamente, vários sinais positivos que vão na direção certa. O défice, a economia, etc... Há fragilidades que ainda não foram ultrapassadas, nomeadamente o valor da dívida...
A saída do Procedimento por Défice Excessivo também é importante, credibiliza o mercado junto dos investidores?
É um passo. Os investidores internacionais são sensíveis ao país. Estamos a assistir agora a uma saída de investidores, que estavam mais expostos aos EUA, a aumentar o peso nos investimentos na Europa. E a Bolsa portuguesa, fazendo parte da Euronext, beneficia com isso. Quanto às empresas, temos um acordo com a Morningstar para research sobre PME. Era uma das coisas que faltava e foi implementado pela Euronext. É importante, porque sem a visibilidade isso não vai acontecer. Mas o ponto principal é o crescimento das empresas.
Não alinha nas críticas à forma como as agências funcionam...
Não alinho, nem desalinho... Temos de fazer o nosso trabalho e atuar sobre os elementos que podemos controlar. E podemos é continuar a dar os passos certos na direção certa, a tendência é essa e os sinais são positivos. Acho que quando a dívida começar a melhorar, aí haverá uma margem maior para a melhoria do rating.
Portanto ainda vai demorar...
Vamos ver, não sei. Deve perguntar isso ao ministro das Finanças e ao Instituto da Dívida Pública...
E é tão otimista quanto o ministro das Finanças e o primeiro-ministro?
Sou um otimista cauteloso. Os sinais são positivos. Se continuarmos a fazer as coisas certas, o caminho vai na direção certa.
Qual é o peso do mercado de capitais no financiamento da economia E qual é que ambiciona que seja no seu mandato?
A capitalização bolsista representa 30% do PIB. Está abaixo dos países mais desenvolvidos, abaixo de Espanha, em linha com a Grécia e a Polónia. Não temos objetivos sobre o peso, a capitalização bolsista em equity nos últimos cinco anos tem aumentado sempre, assim como a capitalização bolsista da dívida, incluindo a dívida de empresas. A missão é estarmos disponíveis para financiar a economia real e ajudar as empresas.
Teve uma passagem, ainda que breve, pela administração da Caixa Geral de Depósitos, com António Domingues, e fez parte também dos que se recusaram a entregar a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional. Consegue, a esta distância, compreender a polémica que se gerou?
Vou pedir desculpa, mas esse é um assunto que encerrei, preferia não abordar esse assunto...
Mas arrepende-se de ter aceitado aquele convite?
Da Caixa Geral de Depósitos? De maneira nenhuma.
Com a passagem do Montepio de caixa económica para sociedade anónima, os títulos do banco deixaram de cumprir os requisitos para cotar em Bolsa. É provável que o Montepio abandone o PSI 20 a curto prazo?
Para já, a operação ainda não está totalmente fechada até à próxima revisão trimestral... Remoções ou inclusões só haverá no próximo ano, em março. Estamos atentos à situação. A alteração, neste momento, é uma alteração técnica. E, portanto, essa revisão vai ser feita e daqui até março muitas coisas podem acontecer. Até ao próprio capital do Montepio. Quando chegar a altura de tomar a decisão, as regras serão aplicadas.
Isso deixaria a Bolsa nacional só com uma instituição financeira, o BCP. A entrada de outro banco poderia colmatar essa falha? O Novo Banco é uma hipótese?
O tema da necessidade de instituições financeiras ou não nunca foi colocado em cima da mesa. O Novo Banco, como qualquer empresa que reúna condições para estar na Bolsa, a seu tempo será interessante. Eu consigo identificar algumas outras que gostaria de ter na Bolsa, mas simplesmente pelas suas características...
Em relação ao Porto, que investimento foi feito no Centro Tecnológico do Porto? E que quantidade de cérebros já lá estão?
O projeto foi feito on time e on budget. O investimento nesse sentido não foi superado. O que já foi superado foi o alargamento das atividades que lá foram colocadas no Porto. No início, a ideia era transferir de Belfast para o Porto, eram 80 a 90 pessoas e neste momento já temos 130, porque alargámos as atividades, incluímos atividades de desenvolvimento. Nós vendemos a nossa plataforma tecnológica para outras Bolsas: a do Luxemburgo, a da Polónia, estamos a negociar com Bolsas no Norte de África, há instituições financeiras que criam uma espécie de mercado interno também. Isso chama-se market solutions. Esse desenvolvimento está no Porto. O responsável do Centro Tecnológico no Porto, Manuel Bento, é neste momento também o Chief Information Security Officer da Euronext. O tema da segurança é um tema absolutamente crítico, aliás passámos incólumes na semana passada ao vírus WannaCry, mas é um tema que está sempre no topo da agenda do managing board, do supervisory board. É uma das áreas que foi colocada também no Porto.
A perspetiva é continuar a crescer por este caminho?
Portugal tem todas as condições para ser um centro de nearshore para instituições financeiras. É preciso continuar a fazer o trabalho, com rigor na execução que é isso que nos dá credibilidade. O "problema" é que está a correr muito bem e já há várias entidades a instalarem-se em Portugal, o BNP ou Natixis. A concorrência por recursos qualificados vai aumentando, o que são boas notícias. Não do ponto de vista da Euronext, mas do ponto de vista do país. E mesmo do ponto de vista da Euronext, a concorrência é sempre boa.